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quarta-feira, março 26, 2008

Pé redondo na cozinha - Carne com pinga de milho

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Por Marcos Xinef

Nicarágua, interior do país, fronteira com Honduras, 1982. Fazenda de café e base do exército sandinista. Acordávamos às cinco da manhã, vestíamos o uniforme e recebíamos nossa primeira refeição: café, tortilla (panqueca de milho), arroz e feijão. Observação: tudo frio. Pegávamos nosso canastro (cesto), o cantil repleto de chicha de maíz (pinga de milho) e íamos para as montanhas. Colhíamos café até o meio-dia e recebíamos nosso delicioso almoço: café, tortilla, arroz e feijão. Observação 2: tudo frio. Almoçávamos ao belíssimo som de metralhadoras .50 e morteiros. Voltávamos ao trabalho até as 17 horas e, quando a temperatura já estava por volta de 1ºC, tomávamos banho em um lindo rio, com sensação térmica de -5ºC. Depois, recebíamos nosso prêmio, o jantar. Adivinhem: café, tortilla, arroz e feijão. Observação 3: tudo frio. Isso se repetiu, invariavelmente, por três meses.

No último dia, festa de despedida. Mataram um boi e foi então que me deparei com minha primeira experiência gastronômica internacional. “-Quem vai cozinhar o bicho?”, alguém intimou. “-Eu!”, me apresentei, orgulhoso. O animal estava inteiro. Piquei em pedaços disformes e coloquei em um tacho enorme para ferver com água e sal, e fui jogando tudo o que encontrava na frente - batata, cenoura, cebola, alho, etc. E é claro, o grand finale: peguei vários cantis com chicha de maíz e joguei no caldeirão para dar o toque especial. Não sei se isso influiu no ânimo dos comensais, mas fui aplaudido e ovacionado. Vamos à receita:

COZIDÃO À NICARÁGUA

Ingredientes:
Um monte de pedaços de qualquer tipo de carne e de qualquer tamanho
Várias rodelas de tudo quanto é legume que esteja ao alcance
Alho e cebola a dar com pau
Muita água
Muita cachaça de milho
Sal (a gosto)

Modo de preparo:
Jogue tudo em um tacho enorme e cozinhe. Se quiser beber pinga de milho enquanto espera, é recomendável. Quando a fome for insuportável, sirva.


Boa sorte. Ou então, se vire com café, tortilla, arroz e feijão frios, três vezes ao dia, por três meses...

Nicarágua, 1982, exército sandinista: Marcos Xinef (à esquerda) e os camaradas brasileiros Ronald (centro) e Reinaldo, com os canastros e cantis de chicha de maíz (Foto: arquivo pessoal)



*Marcos Xinef é chef internacional de cozinha, gaúcho, torcedor fanático do Inter de Porto Alegre e socialista convicto. Regularmente, publica no Futepoca receitas que tenham bebidas alcóolicas entre seus ingredientes.

11 comentários:

Anônimo disse...

Sei não... desconfio que a história aqui contada (achei sensacional, gostaria de saber mais!!) é bem melhor do que o "cozidão à nicarágua". Mesmo com a recomendação de apreciar a iguaria somente se estiver com fome insuportável e depois de entornar algumas doses da tal cachaça de milho...

Anselmo disse...

Genial!

A precisão dos ingredientes deixa claro: não dá pra errar a mão na receita.

tenho uma tia que faz essas misturas todos os dias. Em metade das vezes, ela adora. Na outra metade, só ela adora.

Fiquei curioso em saber se os comensais aplaudiram e ovecionaram o desempenho da bóia no prato. Eles gostaram?

Nicolau disse...

E onde é que eu acho chicha no Brasil?

Marcão disse...

No Festival de Inverno de Paranapiacaba (vila histórica pertencente a Santo André, no ABC paulista), tem um local que vende pinga de milho - que, devido ao frio cortante, era chamada carinhosamente de "pijama líquido". Em 2004, paguei R$ 10 cada garrafa de 500 ml. Hoje não sei, mas quantidades generosas podem propiciar um necessário abatimento de preço.

Marcão disse...

Em tempo: pesquisando no Google, achei essa "encorajadora" notícia de fato ocorrido no Panamá, em julho do ano passado:

UNA PERSONA murió y ocho adultos y dos menores están seriamente afectados, luego de que supuestamente se intoxicaran por la ingesta de la tradicional "chicha de maíz nacido", durante una "peonada" en la comunidad de El Nanzal de Las Minas, provincia de Herrera.

Glauco disse...

Pode substituir a chicha por cachaça normal ou altera muito a receita?

maurício disse...

essa é a receita que o brasil precisa!
ainda não desisti de provar os mariscos na cerveja, mas essa aqui entra um pouco na linha dos pratos que eu sei fazer.
quem se habilita a matar um boi ou porco ou cachorro pra gente dichavar na panela?

Marcão disse...

Putz, já tô imaginando o cozidão de cachorro magro do Maurício regado a pinga de abacaxi na panela de pressão da receita do Mouzar...Quem se arrisca?

Marcão disse...

Glauco, sobre sua dúvida, uma recomendação do próprio Xinef: misture 50% de cachaça com 50% de suco de milho.

Para fazer o suco: despeja milho enlatado no liquidificador e bate com água.

Pronto, repassei.

Anselmo disse...

cachorro? vão dizer, daqui a pouco, que o Futepoca é alinhado ao governo chinês, ainda que o uso se concentra ao sul da China, na região do Cantão.

Mas já que fiz a pesquisa, vai o serviço inteiro. NA Coréia do Sul tbem se come carne de cachorro. e consta qeu há três dias para isso no começo, meio e fim do verão. a função é quase supersticiosa. Quem come a iguaria no "Dia do Cachorro" fica protegido até o ano seguinte.

aqui

Marcão disse...

O bom desse blogue é que a gente aprende.