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sexta-feira, agosto 08, 2008

O encontro de Lula com a elite no Morumbi

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O livro Sem medo de ser feliz (Scritta Oficina Editorial) é imperdível pra quem quer lembrar ou conhecer o que foi a campanha presidencial de Lula em 1989, talvez a mais emocionante da história política recente. Além de imagens fantásticas, o livro traz um depoimento do então assessor de imprensa de Lula, Ricardo Kotscho, e uma entrevista com o candidato derrotado feita em fevereiro de 1990.

Quando questionado a respeito de qual teria sido o pior momento de toda a campanha, lia e esperava que a resposta do do petista fosse relativa ao depoimento pago de Miriam Cordeiro, sua ex-namorada, que patrocinou um sujo episódio no programa eleitoral de Fernando Collor. Mas, para minha surpresa, o pior momento de Lula aconteceu em um estádio de futebol.

Na véspera da votação do segundo turno, havia a final do Brasileiro entre São Paulo e Vasco, no Morumbi. Kotscho sugeriu a Lula que fosse assistir à final in loco, para aproveitar a cobertura da mídia e tentar desfazer o clima de terrorismo patrocinado pelo adversário, cujos correligionários espalhavam os piores boatos possíveis sobre o PT e seu candidato. As “acusações” iam desde futuros fechamentos de igrejas evangélicas que seriam realizados pelo barbudo até a atribuição de culpa ao partido pelo seqüestro de Abílio Diniz.

“Estávamos num dia tranquilo, eu tinha uma coletiva no sindicato, fomos tomar cerveja com os aposentados, num clima muito festivo. Aí seguimos para o Morumbi. Ah, minha gente, foi a coisa mais degradante que aconteceu na minha vida!”, contou Lula.
Kotscho descreve assim o momento:

Acontece que as cabines de rádio e TV ficam nas cadeiras cativas do Morumbi, o covil do que há de mais reacionário no país. Nem deu para ouvir a torcida do Vasco e parte da torcida do São Paulo cantando o “Sem medo de ser feliz” nas arquibancadas quando souberam da sua presença no estádio. Aos urros, histéricos, os elegantes senhores da mais fina sociedade paulistana reagiram como animais diante da passagem de Lula, dando uma idéia do que seriam capazes de fazer em caso de vitória da Frente Brasil Popular. Chegaram até a cantar o Hino Nacional, junto com as palavras de ordem de Collor, mas só com algumas estrofes, já que esqueceram a letra, e voltaram a gritar palavrões com todos os preconceitos de classe imagináveis. (...)
Devido ao horário, as cenas de collorismo explícito do Morumbi tiveram quase repercussão nenhuma na imprensa, mas calaram fundo na já abalada alma do candidato, habituado a ser aclamado e não vaiado por onde passara nos últimos dias, semanas e meses.


Curiosamente, quando perguntado sobre o melhor momento daquela campanha, Lula responde: “Eu me lembro especialmente do dia em que aquele povo todo começou a cantar no Rio de Janeiro, ainda no primeiro turno. Foi a primeira vez que cantaram “olê, olê, olê, olá...” Foi um negócio fantástico”. O canto era uma adaptação de um grito usual da torcida do Flamengo à época. Ali, o futebol jogou a seu favor.

Em tempo: no segundo turno, Lula teve no estado do Rio de Janeiro 63,79% dos votos contra 23,69% de Collor, a maior diferença conquistada a favor de um dos dois candidatos naquela eleição. Já em São Paulo, Collor teve 50,11% dos votos contra 36,43% do petista. Os senhores do Morumbi riram à toa.

14 comentários:

Marcão disse...

Putz, e eu estava no Morumbi naquele dia. Mas não me lembro nem de a presença do Lula ter sido anunciada. Que elite mais escrota...

Anônimo disse...

São Paulo é que escrota! Puta estado reacionário! é só procurar na história. NUNCA teve um governador de "esquerda" se é que podemos chamar assim. teve uns anos de malufismo, e depois agora temos essa dinastia escrota tucana.

Anônimo disse...

taí... mas elite endinheirada é conservadora em qualquer parte do cosmos, até onde se tem notícia.

O Kotscho deu uma bola muito fora.

excelente a lembrança, glauco.

Anônimo disse...

Mais devagar aí, amigo Anonimo.
São Paulo não é um Estado reacionário, não precisa exagerar.É só lembrar que o Diretas começou aqui mesmo, para ficar num exemplo só.O Lula e o sindicalismo também nasceram aqui, by the way.
Meu pai era bancário e participou do nascimento disso tudo lá nos anos 70, junto com o Gushiken (desgosto) por exemplo.
Agora, foi bola fora total do PT, na época.Levou o barbudão (que não gosto e nunca gostei) para o setor mais playboy do time mais playboy do Brasil inteiro.Gênio.

Glauco disse...

Calma lá, Rafael. Teotônio Vilela (alagoano) lançou a idéia, a primeira manifestação ocorreu em Abreu e Lima (Pernambuco), depois vieram outras em Goiânia e Curitiba. Só depois em São Paulo. Se São Paulo não é o antro absoluto do reacionarismo, é preciso tomar muito cuidado com o "paulistacentrismo"....

Anônimo disse...

Como quem ri por último ri melhor, intimamente o Lula deve ter tido um ataque de risos com aquele gol do Sorato. Eu tive um naquele dia, e outro, ainda maior, cerca de um ano depois, por causa de uma derrota deste mesmo time da Vila Sônia.
Deve ter sido legal ver a "playboyzada" calando a boca naquele depois do tal ataque reaça.
Viva o Morimbizaço deles, e viva o Lula de 1989, certamente mais autêntico que o de 2002/2006, e que teve a faixa tirada a mão grande pela turma do collorido!

Maurício Ayer disse...

Aliás, Glauco, sem reduzir o papel do Vilela, esse é o tipo de idéia que não tem dono. Diretas, quem não queria diretas no Brasil?
São Paulo tem suas contradições. Uma elite escrota, sem dúvida, cega para o lado de lá do vidro fumê do carro blindado, mas dá pra lembrar muita história de luta e de avanços importantes.
Alguns fatos quentes na memória:
- a greve de Osasco em 68;
- o movimento estudantil na mesma época;
- o movimento contra a carestia nos anos 70;
- as greves do ABC de 78 e 79;
- algumas prefeituras bastante progressistas;
por aí vai.
E qual estado não tem uma elite escrota, que nem me atrevo a comparar com a paulista, dizer se é pior, igual ou menos mal?
Na verdade, esse tipo de discussão é um pé no saco. Briga de torcida, bairrismo em política é uma merda, pois joga contra a natureza dos argumentos, que deveriam ser a da construção de um ideário libertário, quando se baseia em pura ignorância, irmã gêmea do preconceito.
Sem falar que São Paulo é um estado povoado por gente do Brasil inteiro. Minha família inteira é mineira, minha mulher é gaúcha, filha de pais cariocas, só pra citar os exemplos próximos.
Enfim, quem vota aqui não é só paulista, quem faz o estado não é só paulista.

Marco Antonio disse...

A campanha das diretas começou sim em São Paulo. Foi em novembro de 1983 na Praça Charles Miller em frente ao Paulo Machado de Carvalho um próprio da municipalidade que era originalmente chamado de Pacaembu.
Não entendi o "Gushiken (desgosto)". Será que é pq ele foi um dos poucos membros do governo Lula a "ir pra cima" do Dantas e ser derrubado numa trama urdida pela bancada do banqueiro?
O Brasil é conservador. Proporcionalmente saíram mais pessoas as ruas para marcharem com deus pela família em 1964 do que pelas diretas já em 1984.
O Kotscho é uma besta alem de sãopaulino.

Anônimo disse...

Como a coisa mudou, não? Desde 2002, os senhores do Morumbi e outros exemplares da elite têm ajudado a eleger o Lula e a financiar coisas como o mensalão. Se eles soubessem que o governo petista seria tão bom para os seus negócios (vide Carlos Jereissati e Sérgio Andrade, por exemplo), certamente teriam contido as vaias.

Glauco disse...

Quando disse que Teotonio Vilela lançou a idéia é porque foi a primeira liderança que externou publicamente a questão. Óbvio que a maioria da população queria eleições diretas, mas era preciso fazer disso uma bandeira e articular tanto a sociedade civil como os meios institucionais para fazer disso uma bandeira. Aí está o mérito dele e de tantos outros que conseguiram canalizar esse anseio popular para fazer uma ampla campanha.

De toda forma, como a discussão surgiu nos comentários, não acho inválido debater como se comporta a população de um lugar politicamente. São Paulo produziu os maiores comícios pró-diretas e também a marcha com Deus pela família e pela liberdade. Isso, aliado a outros fatos, é interessante de se discutir e se reflete inclusive no comportamento eleitoral pós-redemocratização.

Tomemos como exemplo a cidade de São Paulo. De 1988 até 2000 a polarização é clara entre o PT e o malufismo: eles monopolizam a disputa em quatro eleições. Só com a derrocada do malufismo que o PSDB passa a conquistar esse espaço e isso se comprova, inclusive, no fato do mapa eleitoral que elege Serra ser bem semelhante ao da eleição de Pitta em 1996. Eles vencem nos mesmos distritos da cidade.

Se pensarmos em termos estaduais, onde o PT tem menos pentração do que na capital, o partido também só consegue pela primeira vez chegar a um segundo turno em 2002. Curiosamente, graças também ao enfraquecimento de Maluf, que tem uma votação inferior ao seu patamar histórico. O discurso de Genoino "pró-Rota" no segundo turno é uma mostra de como se quer conquistar uma parte do eleitorado conservador.

Quanto à elite paulista, obviamente por ser mais influente e poderosa economicamente sua capacidade de fazer estrago é maior. Bairrismo e ignorância contaminam qualquer discussão, mas sempre acho que o debate vale a pena.

r_evangelista disse...

Glauco, muito bom o post!

Essa coisa de colar classe-estado-time x escrotidão/conservadorismo é complicada, embora faça sentido.

Em geral acho que classe x conservadorismo colam mais ou menos de forma direta, agora estado e time nessa equação tem mais sutilezas. Mas é engraçado como a parte escrota de cada uma das torcidas tem suas características (as de pal, sp e cor, q consigo discernir). mas é uma discussão difícil de fazer. o rk provavelmente ficou cego pra parte escrota da torcida dele e deu a dica de amigo da onça

Anônimo disse...

Tá faltando dizer uma coisa nesse post: Lula, na época, se dizia vascaíno. Virou corinthiano na campanha de 2002, quando resolveu ganhar a qualquer preço.

Nicolau disse...

Preste, consultei o Glauco, autor do post, que consultou o livro que o inspirou. O Lula diz que é corintiano em SP e vascaíno no Rio. Pô, já chamam o cara de bêbado, ladrão, analfabeto, você quer incluir vira casaca na lista, rapaz?

David Macedo disse...

São Paulo é um Estado reacionário SIM, SENHOR. Basta lembrar que a "MARCHA DA FAMÍLIA COM DEUS PELA LIBERDADE" foi feita aqui contra Jango. O fracassado Cansei foi aqui também. E o PT elegeu sua primeira prefeita de Capital em Fortaleza (1985), bem antes da Erundina aqui. Ah, e tem mais. O PT tem força sim no Estado de São Paulo. O mesmo não pode ser dito do PDT, PSB. O PPS tem mais força do que estes dois, principalmente agora com a Soninha. Os paulistas tem repulsa do Brizola. Mesmo o PP de Paulo Maluf, que já não é grande coisa, mantém o pouco do que ainda tem graças ao Maluf. São Paulo sempre foi e sempre será de direita. O PT só ganhou pois havia uma rejeição forte ao janismo, em 1988 e ao malufismo em 2000.