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sexta-feira, outubro 24, 2008

Justiça eleitoral: pesos e medidas

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Nas eleições de 2004, em Mauá, minha cidade natal e domicílio eleitoral, o candidato petista Márcio Chaves teve sua candidatura cassada pela justiça eleitoral. O processo começou com uma representação apresentada pelo vereador Manoel Lopes, então no PFL, que viria a se tornar DEM, por uso da máquina administrativa municipal para fazer campanha. O crime foi a exposição Túnel do Tempo, criada pela gestão de Oswaldo Dias (PT, então em seu segundo mandato) para comemorar os 50 anos de emancipação da cidade, comemorados naquele ano.

Marcio venceu o primeiro turno, com 91.910 votos (45%) contra 79.584 votos (39%) do segundo colocado Leonel Damo, do PV. O candidato verde é um tipo de Paulo Maluf mauaense. Foi prefeito na cidade duas vezes, fez um monte de obras do tipo asfalto, prédios públicos, essas coisas de empreiteiras, ganhou uma penca de dinheiro. Tem esquemas com os principais empresários, como o famigerado Baltazar, proprietário das empresas de ônibus. É dono de uma casa que é uma espécie de sítio num bairro central da cidade, ocupando uns dois ou três quarteirões murados. Hoje, como em 2004, é visto como ultrapassado e corrupto e enfrenta uma rejeição enorme. Enfim, o petista tinha boas chances de vencer a disputa no segundo turno.

Mas a juíza eleitoral Ida Inês Del Cid aceitou o pedido e cassou Marcio. Não satisfeita, poucos dias depois da primeira decisão, proclamou Damo eleito. A decisão da juíza mostrar-se-ia acertada, mas um pouco apressada: recursos petistas ao TRE e TSE prolongaram a indefinição sobre as eleições por mais ou menos um ano, até que Damo fosse oficialmente empossado (nesse período, o então presidente da Câmara, Diniz Lopes – irmão mais novo do Manoel que fez a representação – governou a cidade interinamente, aumentou os salários dos servidores e formou uma base de eleitores que lhe rendeu 17% dos votos em 2008, quando se candidatou a prefeito).

Eu me lembro de passar pela malfadada exposição Túnel do Tempo. Era uma espécie de tenda em forma de, bem, túnel, com imagens históricas, alguns textos, coisa e tal, colocada no centro da cidade. Não vi nada demais e estranhei quando veio a notícia da cassação com base naquilo. Depois me explicaram que fazia parte da exposição um vídeo que tinha menções positivas a Marcio Chaves, que era secretário de Saúde na administração Dias. Segundo matéria que resgatei do Terra: “De acordo com a decisão, a exposição foi realizada fora do prazo legal de três meses que antecedem as eleições. Pires teria infringido o Artigo 73 da Lei Eleitoral, que caracteriza o ato de propaganda institucional proibida.”

Pois bem. A justiça eleitoral considerou justa a cassação da candidatura de Marcio Chaves por conta de um vídeo em uma exposição realizada por alguns dias no centro da cidade, o que provavelmente deve estar certo. Mas cabem algumas ponderações. Mauá não é São Paulo, mas é uma cidade grande, com mais de 200 mil eleitores. O tal vídeo poderia ter algum efeito, mas não creio que fosse determinante. Tanto que os jornais da região deram (me lembro bem) a foto de Damo sendo prematuramente empossado pela juíza, mas não fiquei sabendo de nenhuma repercussão ao tal do vídeo antes da decisão da justiça.

Agora, a mesma justiça aprecia o pedido de cassação da candidatura Kassab. Todo mundo no estado de São Paulo sabe qual foi o fato que levou ao pedido, o tal do checão. E todo mundo sabe porque a foto do ato apareceu na capa dos dois maiores jornais do estado e do país. E Kassab não é secretário municipal, é o próprio prefeito. E apareceu do lado do governador do estado, seu principal apoiador e padrinho político (atual, antes ele teve outros).

E a decisão (tanãm!) é uma multa de R$ 5.320,50. A diferença de pesos e medidas sempre me impressiona.

PS: Para quem tiver paciência, veja aqui um vídeo que demonstra o alto nível da argumentação contra os petistas na cidade.

7 comentários:

Glauco disse...

O vídeo é assustador e a ave mostrado no meio não nega a orientação ideológica do autor. Lamentável.

Olavo Soares disse...

A discrepância é realmente grande. Mas (sei que vou tomar pedrada, mas vamos lá) acho que o erro houve naquele caso, e não no atual. Kassab não tinha que ser cassado, assim como Chaves também não.

Anselmo disse...

Olavo,

não somos adevogados. Mas acho curioso o trecho da matéria do Consultor Jurídico:
"A cerimônia de entrega do cheque do metrô chegou a figurar no site oficial da campanha do candidato do DEM, mas foi retirada."

Isso é bem curioso, mas pode não conclusivo. O parecer do promotor público: "'Qual o sentido de se simular o repasse com um cheque gigantesco, senão transformar o que deveria ser um ato administrativo em evento político?' Ainda no parecer, Rheingantz destaca: 'Montaram um espetáculo no canteiro de uma obra pública, transformando-a em palanque da campanha eleitoral do prefeito-candidato.'"

Bom, são ponderações do promotor, não a visão do juiz.

O mais complexo é ter a impressão de que, não fosse contra o Kassab, a opinião do juiz seria diferente.

Olavo Soares disse...

Eu não tenho dúvidas que uma candidatura do atual prefeito de São Paulo jamais seria cassada, ainda mais a dois dias da eleição. E estendo isso a políticos de qualquer partido.

Fabricio disse...

Pra mim o estranho de toda a conversa é que, uma vez que deram uma multa, é sinal que acataram a representação, ou seja, sabem que o que o Kassab fez foi errado. Nesse caso, pelo que sei cabe so a cassação, não multas. Parece até o STJD, que dá uma pena diferente em cada caso.

Mas concordo com o Olavo. Independente de candidato ou partido, nunca seria cassado.

Mais: se o problema é o uso da máquina pública, vamos cassar as candidaturas do Siraque (S. André) e Luiz Marinho (SBC). POis atender o telefone e ouvir o Lula pedindo voto pra eles, se não é uso da máquina, não sei mais o que é...

Nicolau disse...

Olavo, talvez vc tenha razão, nenhum dos dois deveria ter sido cassado. Como a mídia estava certa em bater na Marta por ter trazido a vida pessoal do Kassab para a campanha, mas errada por não ter detonado o PSDB por ter publicado matéria entitulada "Dona Marta e seu dois maridos" em 2004. Ou errada também por ter publicado, como o Globo fez, editorial defendendo que o público tem direito de saber da vida pessoal de candidatos, no caso da "denuncia" de Collor sobre o Lula em 89. Ou que todos soubessem da vida de todos. Não faz diferença, desde que tivessem tratamento igual todas as denuncias. Agora, se cassram o Marcio, e eu tive que aguentar 4 anos de Leonel Damo na prefeitura, o que o Kassab fez foi beeeem pior. Eu só queria que tivesse igualdade nos tratamentos.

Marcão disse...

O caso de Mauá é grotesco, estapafúrdio. O que o Nicolau esqueceu de informar no post foi a suposta ligação da juíza Ida Inês Del Cid com o empresário Sidnei Garcia, acusado de lavagem de dinheiro para o PCC (Primeiro Comando da Capital). O nome dela apareceu em gravações telefônicas feitas pela Dise (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes) de Santo André e pela unidade de inteligência do Demacro (Departamento de Polícia Judiciária da Macro São Paulo).

Segundo a própria polícia, as conversas da juíza com Garcia seriam intermediações com o PCC, em esquema que movimentava R$ 500 milhões por mês, chefiado por Wilson Roberto Cunha, o "Rabugento", preso em Presidente Venceslau. O inquérito aponta Garcia como dono de quatro postos de gasolina em Mauá, em nome de laranjas, usados para lavar dinheiro de roubo e tráfico de drogas.

Mas o pior da história é o seguinte: em uma das escutas telefônicas que estão com a Justiça, uma das juízas de Mauá dá instruções a Sidnei Garcia, então coordenador financeiro de campanha da deputada estadual Vanessa Damo (PV), para que a filha do prefeito não fosse punida pela Justiça Eleitoral. Um doce para quem advinhar quem é a juíza em questão...

Mais: as investigações chegaram ao nome do secretário de Saúde de Mauá, Cincinato Freire, em um caderno da contabilidade de um dos líderes do PCC, o que provocou sua demissão e a exoneração de outras duas funcionárias da Saúde, envolvidas com a quadrilha. Uma delas teria um carro no valor de R$ 100 mil, apesar de ganhar oficialmente R$ 1.769,94 por mês.

No início de 2007, o delegado Ítalo Zacarias, do Demacro, classificou os envolvidos como criminosos do "colarinho branco", após indiciar mais de 60 pessoas por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.

Até agora, não deu em nada. E Márcio Chaves conformou-se com o roubo de seu mandato na mão grande.