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quinta-feira, fevereiro 26, 2009

O maluco, o chato, a música, o futebol e a cachaça

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Depois de apresentar "Let me sing, let me sing" no Festival Internacional da Canção, o baiano Raul Seixas (à direita) surgiu nas paradas de sucesso, em 1973, com uma música que denunciava o engodo do "milagre brasileiro" de Delfim Netto e, ao mesmo tempo, "respondia" a canção "A montanha", de Roberto Carlos. Enquanto o "rei" dizia "Obrigado Senhor/ Por mais um dia", Raulzito cantava, em "Ouro de tolo": "Eu devia agradecer ao Senhor/ Por ter tido sucesso na vida como artista". Só que o mais engraçado, nessa história, é que a própria música de Raulzito ganharia uma "réplica".

Em 1974, o mineiro Silvio Brito (à esquerda) apareceu com "Tá todo mundo louco", na qual escancara: "Eu fiz tudo pra não fazer um plágio/ Mas ela saiu muito parecida com a música do Raul Seixas". O discurso é quase o mesmo. Raul reclama: "Macaco, praia, carro, jornal, tobogã/ Eu acho tudo isso um saco". Silvio emenda: "Essa música foi feita num momento de depressão/ Eu tava com saco cheio, com raiva da vida, com raiva de tudo/ Eu fiz essa música pra encher o saco de todo mundo".

Ouro de tolo:


Tá todo mundo louco:


A mesma agressividade está no desabafo de Raul Seixas: "É você olhar no espelho/ Se sentir um grandessíssimo idiota/ Saber que é humano, ridículo, limitado/ Que só usa dez por cento de sua cabeça animal". Aliás, falando em olhar no espelho, não parece de todo impossível que o descarado Silvio Brito tenha se inspirado na letra do colega baiano para emplacar, na sequência, "Espelho meu". A letra parece confessional: "Tomo a dimensão de quem não tem razão pra ser normal/ Sou débil mental".

O mineiro insistia em construir uma imagem de "maluco", "doido assumido" - e feliz com isso. Em "Espelho meu", grita: "Salve os loucos, salve os loucos!". Curioso é que, pouco tempo depois, Raul soltaria "Maluco beleza" – e ficaria com esse apelido e estereótipo até o fim da vida. Mas, antes disso, o roqueiro baiano decidiu esculhambar Silvio Brito com "Eu também vou reclamar", de 1976. Que já começa avisando: "Eu vou tirar meu pé da estrada/ E entrar também nessa jogada/ E vamos ver quem é que vai ‘güentar’".

Eu também vou reclamar:


Pare o mundo que eu quero descer:


Na época, uma das músicas mais grudentas de Silvio era "Pare o mundo que eu quero descer". A letra faz menção ao futebol: "Pare o mundo que eu quero descer/ Que eu não aguento mais esperar o Corinthians ganhar o campeonato/ E ver no rosto das pessoas a mesma expressão" (o time de Parque São Jorge sairia de uma fila de mais de duas décadas no ano seguinte - foto acima). Para rebater, Raul Seixas foi direto ao assunto: "Ligo o rádio e ouço um chato/ Que me grita nos ouvidos/ Pare o mundo que eu quero descer".

Outra coincidência entre a produção musical do mineiro e do baiano, naquela época, foi a implicância feminina com a – indispensável – manguaça nossa de cada dia: "Já estou cansado de ouvir você dizer/ Que eu não sei fumar, que eu não sei beber, que eu não sei cantar" (de "Tá todo mundo louco") e "Entro com a garrafa de bebida/ Enrustida/ Porque minha mulher não pode ver" (de "Eu também vou reclamar"). Raul morreria de pancreatite aguda, aos 44 anos, exatamente por abuso da bebida. Silvio Brito - que homenageou Raul - continua vivo. Mas quase ninguém repara...

Ps.: Eu posso ser chato (ou "chacrilongo"), mas as melodias dessas músicas abaixo não são extremamente parecidas, não?

Chacrilongo:


Capim guiné:

9 comentários:

Rivelle Nunes disse...

Como diria Raul "...e fim de papo". Parabéns pelo blog.

Anselmo disse...

que diálogo bem construído. boa, marcão!

Glauco disse...

Outro dia vi o Silvio Brito em um desses programas vespertinos da vida. Cantando o de sempre, claro.

Nicolau disse...

Tem uma música do Silvio Brito que eu conheci ainda moleque e nunca mais achei pra ouvir em que ele conta a história de um romance entre um boi e uma vaca. No final da história, o boi toma um chifre e diz: "Eu hoje sou um touro bravo, chifrudo, marrudo e magoado/Entro no bar pra beber e esquecer o passado/Entro no bar pra beber e esquecer.../Que ela tem os olhos trists e uma pinta no pescoço/Todo mundo me critica mas é só questão de gosto/Minha vaca, meu amor"

Marcão disse...

Esse comentário do Nivaldo me lembrou uma música que eu tinha num LP do Amado Batista:


O Lixeiro E a Empregada

Eu era lixeiro, você empregada
A gente se olhava e se encontrava
Na mesma calçada

Eu era lixeiro, você empregada
A gente se olhava e se encontrava
Na mesma calçada

E todos os dias, você vinha sorrindo
E eu às pressas contente, pra você lhe pedindo
Um abraço e um beijo, você não pode negar...
Pois sua lata de lixo...
Sou eu quem vou carregar...

Eu era lixeiro, você empregada
A gente se olhava e se encontrava
Na mesma calçada

Eu era lixeiro, você empregada
A gente se olhava e se encontrava
Na mesma calçada

O tempo foi passando, e minha vida mudou
De um simples lixeiro, eu me tornei um cantor
Esta é a minha história, nenhum poeta contou
O lixeiro e a empregada...
Um novo caso de amor...

Anônimo disse...

O post está ótimo, Marcão! Mas essa do amado Batista, fala sério...

anrafel disse...

Tobias, Zé Maria, Moisés, Ademir e Wladimir; Ruço e Luciano; Vaguinho, Geraldão, Basílio e Romeu.

Faltou Rui Rei na foto.

Marcão disse...

Muito bem lembrado, Anrafael. Rui
Rei foi uma figura crucial para o resultado, ao ser expulso infantilmente logo no início do jogo.

E, na cara larga (ou apenas cumprindo o combinado), transferiu-se para o time de Parque São Jorge poucos meses depois...

Anônimo disse...

valeu e toca raul