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quarta-feira, março 25, 2009

Sobre futebol, velórios, saudade e cachaça

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Na segunda-feira (23), morreu Odair Guerra, mais conhecido como meu Tio Guerra. Não era tio por parte sanguínea - era casado com Glória, irmã da minha mãe - mas isso não tem peso algum. Era um familiar, no melhor sentido que essa palavra pode ter: amigo, companheiro, brincalhão. Um sujeito ponta firme, sem dúvida nenhuma.

E palmeirense dos mais fanáticos. Tanto que seu caixão desceu para a cremação sob os acordes do hino do clube do Parque Antarctica. Aliás, seu fanatismo pelo Palmeiras só tem um ponto de contestação: ele dividia seu amor futebolístico com o Nacional, clube de quem era vizinho. O amor ao Naça, inclusive, era recíproco. Apesar de jamais ter ocupado qualquer cargo e nem sequer ser sócio do clube, Guerra era figura que transitava pelo Nacional com mais autoridade do que muito dirigente dali.

Uma história, contada pelo meu primo Guto, seu filho, confirma a popularidade de Guerra: durante a celebração de um acesso do Nacional, ao invadir o campo para comemorar, meu tio se viu cercado de um monte de jogadores, que fizeram questão de compartilhar com ele a alegria. O presidente do clube, que também invadira o campo, observava a cena, festejando sozinho.
Guerra também era chegado numa boa cachaça. Cabe dizer que ele fazia o melhor uso possível que se espera do álcool: longe de ser um viciado ou de ter problemas decorrentes da bebida, a cerveja e outros itens eram para ele um meio de socialização. Nos bares da região da Água Branca, Guerra era figurinha carimbada. E um cidadão dos mais queridos entre os frequentadores.

Curioso é pensar que toda essa admiração que Guerra despertava não se construiu com palavras doces... muito pelo contrário! Guerra era daqueles sujeitos que, de cada 10 palavras que falava, cinco (no mínimo) eram palavrões. Muitos dos "nomes feios" que sei aprendi com ele, a despeito do protesto de minha mãe e das tias que reprovavam o ensinamento.

Acontece que Guerra, apesar das intermináveis sequências de palavrões - "fala, Cabeça, seu filho duma puta" era a maneira habitual com a qual eu era saudado por ele - era uma pessoa tremendamente doce. Sim, doce, mas de sua forma. Afinal, doce é quem é sincero, quem trata bem, quem é cordial. Ano passado, eu e minha namorada estivemos na casa de Guerra. Era a primeira vez que ela iria ali. Chegamos lá por volta de umas 15 horas - tarde para o almoço, apesar da nossa fome. Guerra perguntou se ela queria comer, e a resposta seguiu o protocolo tradicional da primeira visita: "ai, eu não queria dar trabalho...". Sem titubear, Guerra mandou na lata: "ah, para de frescura, porra, você tá na casa do Guerra!".

E nos serviu um ótimo prato de macarrão, frango, salada e com direito a sorvete de sobremesa.

É ou não um sujeito pra se sentir saudade?

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Pra fechar o post gigante, um causo ocorrido no velório do meu tio. Aliás, é o tipo de causo que, se ele estivesse aqui, certamente contaria em meio a muitas risadas. Havia um manguaça durante a cerimônia. Achei que fosse um daqueles que invadem velórios, mas depois verifiquei que era amigo do meu tio - como falei, ele era frequentador dos botecos da vida.

Eu não tava no momento, mas quem viu disse que foi muito engraçado. Eis que uma hora, com todos em volta do caixão, o cidadão pede a palavra. E questiona aos presentes:

- Vocês sabem qual a letra mais importante do alfabeto?

O pessoal, desanimado, falou do A, do B, do C, por aí vai. O manguaça negou todas e em seguida esclareceu a situação.

- A letra mais importante é o I. Porque é o seguinte: o cara nasce, cresce, estuda, trabalha, cria uma família, fica velho... IIIII... I morre!

Gênio.

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Valeu, Guerra!

8 comentários:

Anselmo disse...

grande Guerra! Grande homenagem

Glauco disse...

Belíssima e inspirada homenagem, Olavo. E essa do manguaça no velório é simplesmente impagável!

Unknown disse...

Nem todo fim de guerra é início de paz.

Posto que nunca será ocupado por mais ninguém, Guerra era uma personagem citada por todo aquele que o conhecia. Seu nome está sendo hoje comentado na Inglaterra, na Nova Zelândia, na Índia e em qualquer outro local onde possa ser tomada uma cerveja num boteco de esquina, como "o tio do meu amigo do Brasil", que tem histórias que são foda.

Salve Guerra!

Nicolau disse...

Salve Guerra! Pena não te-lo conhecido. Bela homenagem, Olavo (ou Cabeça, se preferir)!

Marcão disse...

Manguaça em velório é uma instituição nacional. Se não tiver um, tem que mandar buscar. Frequentei pouco esses ambientes funestos (graças a Deus!), mas, todas as vezes, tinha pelo menos um bêbado chorando, cantando ou fazendo discurso. Me lembro de um, no Ceará, que acendeu o cigarro em uma das velas do castiçal ao pé do defunto.

Fabricio disse...

Olavo, um cara que trabalhou comigo vivia no Nacional. E a ver pelo manguaça que também o era, devia estar sempre ao lado do Guerra.

Se ele conseguiu ir no enterro, você deveria tê-lo notado. Ele está de cadeira de rodas ou muletas pois operou os dois fêmures ano passado. Lembra dele do enterro?

No mais, fiquei com uma dúvida. Será que ele foi um dos que indicou o Kahê (Sherek) para o Palmeiras em 2005? Esse meu amigo disse que o pessoal do Nacional havia indicado ele pro Ademir da Guia e pro César Maluco desde as categorias de base.

Bom, para terminar, quero dizer que o Céu está certamente mais feliz com a chegada de Guerra.

Maurício Ayer disse...

Belíssima homenagem, Olavo.

Salve Guerra, beberemos a você, mesmo não tendo bebido contigo!

Leandro disse...

Tocante homenagem.
Eternos sejam os ensinamentos do Guerra, etílicos e no que se refere às regras de "etiqueta".