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terça-feira, maio 19, 2009

Os conceitos atemporais de Gramsci

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Recentemente, terminei de ler Americanismo e Fordismo, de Antonio Gramsci. Foi minha primeira experiência com o célebre escritor marxista italiano.

Na obra, Gramsci discute as relações sociais que fizeram com que esses dois sistemas de produção acabassem por triunfar em termos globais no início do século passado. O livro foi escrito durante 1926 e 1937, período em que Gramsci esteve na cadeia, onde foi parar justamente por ter ideias "subversivas".

Talvez a maior das "subversões" que Gramsci comete na obra é falar o quanto a classe dominante europeia é composta por "preguiçosos" - gente que ainda tenta ostentar caducos títulos de nobreza para justificar uma suposta superioridade sobre outros extratos sociais. E enquanto os europeus se deslumbram com essa condição, os americanos, segundo Gramsci, trabalham duro e espalham pelo mundo os tentáculos de seu bom modo de produzir.

De certo modo, as previsões de Gramsci se confirmaram. Após a Segunda Guerra Mundial, os EUA iniciaram um período de hegemonia econômica avassaladora, cujo auge foi vivenciado na década de 1990, após o fim da União Soviética - quando a superioridade econômica foi endossada por uma hegemonia também política.

Além das boas análises sociais, o que me chamou a atenção na obra foi um termo que Gramsci cita logo nas páginas iniciais do livro. Ao falar sobre o preconceito que os italianos do norte nutriam em relação ao seus compatriotas do sul, Gramsci diz que repousava sobre os sulistas o mito do lazzaronismo. Tal termo tem como origem a história de Lázaro, contada na Bíblia. O Lázaro em questão era um mendigo leproso que, após sua morte, foi ressucitado por Jesus. Pela dádiva recebida pelo Filho de Deus, Lázaro tornou-se uma espécie de estereótipo de quem fica no aguardo de providências divinas.

Acredito que não tenha sido a intenção de Gramsci, mas o uso por ele da palavra lazzaronismo me fez pensar em um universo completamente diferente. E não só a mim, aposto. Ou tem como não ler a palavra lazzaronismo e pensar em Sebastião Lazaroni, o técnico da seleção brasileira na Copa de 1990? Enquanto lia as ideias de Gramsci, fiquei pensando como seria o lazzaronismo brasileiro. Um sistema marcado pela insistência no uso do líbero? Por uma seleção desunida e que tapava o logotipo do patrocinador em sua foto oficial? Talvez um sistema caracterizado por não aproveitar jovens e ágeis jogadores que se consagravam à época? Ou, em mão completamente oposta, um sistema marcado pelo triunfo em continentes distantes, como o que Sebastião Lazzaroni recentemente conseguiu, sendo eleito o melhor técnico do Qatar?

Deixo a resposta para os leitores. E, para ilustrar o post, nada melhor do que uma peça publicitária que, como nenhuma outra, uniu lazzaronismo (à brasileira), italianismo e indústria automobilística, até com um quê de crítica à ostentação das instituições católicas.


4 comentários:

Glauco disse...

Rapaz, isso é que eu chamo de digressão", De Gramsci, passando por Lázaro até o Lazzaroni. Aliás, pra quem reclama do Dunga, é sempre uma lembrança de que a coisa podia estar pior...

Marcão disse...

Lazzaroni foi uma das invenções cariocas mais vexaminosas em termos de seleção brasileira. E o pior foi que, não contentes, ainda nos fizeram engolir Zagallo e Parreira por mais duas Copas seguintes.

Quando ao fordismo, ou seja, a insana manufatura de bens em linha de produção (que, infelizmente, se tornou padrão global de exploração), ele foi muito bem denunciado por Charles Chaplin em "Tempos modernos" e por Aldous Huxley em "Admirável mundo novo" - onde Deus é Ford e, por isso, é tratado de "vossa fordência". É a cara do que é os Estados Unidos e da nefasta influência que tem sobre o mundo.

A "preguiça" da burguesia europeia é fato, mas, se o continente não se destruísse com as duas maiores guerras que já tivemos até hoje (enquanto a América era preservada), os Estados Unidos não seriam nada. Prova da insanidade que é seu sistema de produção e especulação foram as crises de 1929 (com a consequente depressão na década seguinte) e de agora, ainda mais séria. Eles não são e nunca foram modelo, apenas dominaram o jogo capitalista por determinado período, como a Inglaterra no século XIX.

Ah, e gostei dessa história da briga entre o Norte e o Sul da Itália. Filipe, um dos meus bisavôs maternos, veio dos arredores de Roma, região rica e desenvolvida, mais próxima à Suiça; já Sbianora, a esposa que conheceria no Brasil, veio da miserável Sicília, um local que, segundo ela, "não dava pra plantar nada, só tinha pedra". O Sul da Itália é o nosso Nordeste e o preconceito é igual - ou pior. Minha avó diz que o pai, Filipe, tirava sarro da Sbianora sem dó. É aquele chavão, muito bem lembrado pelo Glauco aqui, como mote eterno do PSDB: o pobre é assim porque quer, por incompetência, burrice e comodismo. Conheci um italiano de Treviso, no Norte, que, apesar de ter uns 45 anos, ostenta com orgulho esse preconceito. Que deve ter sido transplantado, com certeza, para os imigrantes italianos que povoaram o Estado de São Paulo. Muitos romanos ainda padecem do complexo de superiodade de seu antigo império sobre as outras nações. Triste.

Nicolau disse...

Que bela viagem, Olavo! Sobre o Gramsci, li recentemente um post indicado pelo parceiro O Biscoito FIno e a Massa (http://www.idelberavelar.com/) sobre o conceito de hegemonia do pensador italiano. Muito boas idéias num post bem esclarecedor: http://napraticaateoriaeoutra.org/?p=3700

Anselmo disse...

excelente. o lazzaronismo brasileiro é a insistência em opções erradas? Ou é ir contra a visao geral da opinião pública?