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quinta-feira, julho 16, 2009

Só três a mais...

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Ontem, dia 15, é dia de pagar meu aluguel. Mas também era quarta-feira, então fui ao Roxão comer uma feijuca com os irmãos. Após algumas cervejas, tomei o rumo do banco.

Peguei o cartão da conta da minha empresa, que acabou de ser aberta, e a senha não funcionou. O manguaça é sempre alguém que duvida primeiro de si mesmo. Tentei de novo, nada, e antes que meu cartão fosse bloqueado fui até o caixa. Digitei a senha, uma senha de 8 dígitos que meu sócio que abriu a conta me passou, e não deu certo. Foi quando a menina me informou: "Aqui só tem senha de 6 dígitos, não de 8". Eu só tinha uma senha de 4 dígitos – para operações por telefone – e uma de 8. Diante do impasse kafkiano, ela me sugeriu que tentasse ir ao caixa eletrônico e usasse os 6 primeiros dígitos da senha de 8, para ver o que acontecia. Se não desse certo, que eu voltasse para falar com ela.

Foi o que eu fiz. Saí, tentei, não deu certo. Nesse ínterim, deu 16h e a agência fechou. Quer dizer, o segurança encostou a porta e ficou esperando os últimos clientes saírem. Chamei o tipo e expliquei a situação. Esses profissionais são todos muito bem treinados para o atendimento ao cliente, então ele me tranquilizou com um "Espera ali, ó, atrás daquela faixa! Vou ver se ainda dá pra fazer alguma coisa". Simpatia sempre me comove, então fiquei ali. Nisso chegaram umas três pessoas, provavelmente conhecidas do vigia, ele abriu e elas entraram. Fui entrando junto, entendendo que já havia permissão. Mas o amigo apertou as sobrancelhas, fez bico de sargento e grasnou: "Eu falei pra ficar atrás da linha".

Aí quem levantou a voz fui eu: "Escuta aqui, eu sou um cliente, uma das poucas coisas que ainda tem direitos nesta joça de mundo, o que o senhor está pensando pra falar desse jeito?". Bertolt Brecht estudou muito esses intermediários do poder em sua dramaturgia. O preposto é um tipo sempre pronto a assumir a máscara da pirâmide que se ergue por trás dele, mas também que precisa como ninguém que o seu frágil poder seja legitimado pela obediência. Quer dizer, basta falar um pouco mais alto que ele ouve nas entrepausas da voz a interpelação implícita: "você sabe com quem está falando?!". No caso, estava falando comigo, um ninguém, ou melhor, um homem com o mesmo valor e os mesmos direitos que ele e que queria apenas que ele não interrompesse um diálogo que acontecia entre mim e uma funcionária que se encontrava do outro lado do portal do qual ele era guardião.

O vigia se assustou um pouco, ficou meio sem reação, sem saber muito como proceder. Nessas horas, sobe-se rapidamente a ladeira das hierarquias. O gerente se interpôs, atravessou a porta rotatória e virou o rosto oferecendo a orelha para que eu lhe contasse minha história. Ele me ouviu e chamou pra si a responsabilidade. Aí ligou pra minha agência, falou com não sei quem e não sei quem mais, tudo para se chegar a um acordo sobre o procedimento mais simples para efetuar o meu pagamento. Teria que copiar minha carteira de motorista, eu escreveria um requerimento de próprio punho e eles tratariam dos demais trâmites.

Essas tratativas custaram uns bons 40 minutos de todos nós. Liga daqui, faz cópia de cá, o gerente ficou analisando minha habilitação. Olhou pra mim com atenção e avaliou: "Você mudou hein...". De fato, é uma foto meio antiga. "Pois é, a barba, o cabelo comprido e uns 15 quilos a mais fazem alguma diferença", expliquei. Ele olhou de novo o documento, e resolveu ser um pouco mais claro: "Olha que eu tenho três anos a mais que você..."

Mirei a cara daquele tipo todo bombado, enfiado num terninho e com um topete minuciosamente esculpido em gel que reproduzia à perfeição a curva superior da logotipo do Bradesco no cartaz acima de sua cabeça e pensei comigo que alguma razão ele tinha, eu devo parecer uns 15 anos mais velho que ele. Aí vem outra virtude do manguaça, que evitou que eu desse uma resposta atravessada a esse gerente tão dedicado em resolver o meu problema bancário. Amistoso, acrescentei: "É que eu bebo demais e penso um pouco". Ele sorriu, satisfeito com a explicação.

9 comentários:

Anselmo disse...

eu penso demais e bebo um pouco ou bebo demais e penso um pouco?

agora, há um verdadeiro complô contra a sua pessoa. querem fazê-lo se sentir mais velho pra vender algum produto bancário. ou seria banqueiro?

Maurício Ayer disse...

Será que daqui a pouco me ligam tentando vender um plano de previdência, seguro de vida...

Maurício Ayer disse...

Aliás, Anselmo, você estava lá??? Foi isso o que eu disse, eu bebo demais e penso um pouco! Corrigido, gracias.

Glauco disse...

Rapaz, a digressão relacionada ao diáologo com o preposto é muito boa.

Anselmo disse...

senão, vejamos:
pra eu estar lá, eu teria de estar disfarçado de:
a) segurança sem noção
b) amigos do segurança que não tem culpa da falta de noção
c) gerente engomadinho e barbeado com topete
d) operador de câmeras de vigilância
e) Gasparzinho, o fatasminha camarada

peraí, dotôr. era só uma questão de lógica.

sem dúvida, grande brecht

André Funger Schmidt disse...

Excelente texto, muito bem escrito Mauricio!
Parabens!

Filipe Araújo disse...

delicadeza pouca é bobagem!
jajajaja


Saludos!

http://gambetas.blogspot.com

Maurício Ayer disse...

Valeu amigos, pelos elogios.

Anselmo, você podia ser o homem-bomba que entrou disfarçado de amigo de segurança sem noção...

Maurício Ayer disse...

A propósito, me lembrei agora, e merece menção: quem aponto essas características do preposto, muito bem configuradas em Brecht, é o Rolland Barthes, num livro em que analisa as fotos da montagem de "Mãe Coragem". Fica feita a referência correta.