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sexta-feira, janeiro 15, 2010

Há 25 anos, Tancredo era eleito presidente

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Eu tinha acabado de completar 11 anos e meu pai era malufista. Estava possesso, pois, na tela da TV naquele 15 de janeiro de 1985, a votação indireta para a presidência da República via Colégio Eleitoral, em Brasília, caminhava a passos largos para a derrota de Paulo Maluf. Não deu outra: às 11h35, o deputado João Cunha (PMDB-SP) deu a Tancredo Neves o voto número 344, suficiente para garantir sua eleição. No total, o mineiro obteve 480 votos (69% do Colégio) contra 180 (26%) de Maluf. Nove delegados não apareceram - cinco do PT, dois do PMDB, o senador Amaral Peixoto (PDS) e Jiúlio Caruso (PDT). E 17 se abstiveram, entre eles o líder do PDS na Câmara, Nélson Marchezan, vaiado e acusado de traidor pelos malufistas. Meu pai também o xingava bastante. Eu mal entendia o que acontecia.

Em contraste com a festa da "democracia" e do "fim" da ditadura militar, uma tragédia: naquela data, 93 pessoas haviam morrido de madrugada na favela do Tabuazeiro, em Vitória (ES), em um deslizamento de terra provocado pelas fortes chuvas (como se vê, desastres desse tipo são recorrentes nos verões brasileiros). Tancredo (na foto acima, ao centro), em seu discurso, garantiu: "Esta foi a última eleição indireta do País". De fato, foi. Mas ele não viveria para ver. Paulo Maluf, por sua vez, se proclamou "vitorioso", por entender que sua candidatura "garantiu o processo político".

Depois de tudo isso, veio a posse do vice-presidente José Sarney em março, no lugar de um agonizante Tancredo, vítima de diverticulite (pergunta que não quer calar: se o presidente não tomou posse, seu vice existe legalmente?). E depois de longo calvário, transformado em novela mexicana, morreu. Coincidentemente, no feriado de 21 de abril. Mas essa já é outra história...

4 comentários:

Anselmo disse...

rapaz... faz tempo.

como é ter um pai malufista?

Thalita disse...

como eh pro pai malufista ter um filho esquerdalha? he he he

Glauco disse...

Tinha dez anos e lembro que o interessante pra molecada foram os três dias de feraido. Mas não é exagero dizer que essas eleições indiretas foram a pá de cal em qualquer tentativa de punição aos torturadores, já que botou pra debaixo do tapete os crimes da ditadura. Mais um exemplode prática política jabuticaba, só no Brasil...

Marcão disse...

Esse é o Anselmo, sempre canivetando na jugular (rsrsrs). Brincandeira, a pergunta é bem pertinente. E talvez ajude a explicar minha opção pela esquerda. Meu pai é 42 anos mais velho que eu e, na adolescência, tivemos grande - e natural - conflito, principalmente político, pois ele (hoje com 77 anos) pertence e tem cabeça de outra época.

Meu pai nasceu na roça, em uma vilinha que nem cidade é. Começou a trabalhar aos 6 anos, catando algodão. As fazendas eram de ingleses e a política se resumia ao ditado: "Manda quem pode, obedece quem tem juízo". Naturalmente, meu pai foi introjetando os valores de que os ricos tinha razão e direito de serem ricos, e os pobres só progrediam pela "benevolência" deles.

Em sua infância, logo após a insurreição fracassada de Luís Carlos Prestes em 1935, meu pai e toda a população do interior de São Paulo foi apavorada pelos dominantes com os discursos anti-comunistas. Paradoxalmente, meu pai idolatrava Getúlio Vargas, o "pai dos pobres". Confundido pela imprensa esquizofrênica, meu pai nunca conseguiu entender que o golpe que levou Vargas à morte em 1954 foi feito pelos mesmos que derrubarariam Jango (afilhado político de Vargas) dez anos depois.

Por isso, meu pai assimilou docilmente que Jango (teoricamente, sucessor de Vargas, seu ídolo) era comunista e aplaudiu o golpe militar. Outro dia conversei com ele sobre isso (hoje somos mais amigos do que pai e filho) e notei que ele considerou que realmente os mesmos que tentaram dar o golpe em Vargas e em JK (outro ídolo dele) foram os mesmos que derrubaram Jango e que, hoje, tramam contra Lula. Vejo que hoje ele já não é tão maniqueísta e percebe melhor as sutilezas do jogo político.

Mas foi exatamente no início da ditadura militar que ele veio morar na capital paulista para tentar a sorte e conseguiu progredir muito, trabalhando nos maiores escritórios de engenharia. Foi a época do "milagre econômico" e de Paulo Maluf (engenheiro e empreiteiro) governador. Logo, para o meu pai, aquele era o melhor dos mundos e dos governos. Paralelamente, o surgimento de Lula e do PT foram assimilados por ele, naquele período, como "quadrilha" e "baderna", bem ao estilo do discurso oficial.

Na minha adolescência, quando comecei a me bandear para o socialismo e para a UJS (denúncia!), ele estrilou feio. Ficou louco quando, na passeata do Collor que quase toda a população da cidade onde nasci fez, eu e um colega apanhamos por acenar uma bandeira do PT. Chegou a me dizer que não queria comunista na casa dele. E estava certo, eu deveria ter respeitado, era abuso de minha parte.

Hoje, o que posso dizer é que, após o confisco do Collor e o horroroso governo FHC, meu pai passou longa década sem falar nada de política, totalmente desiludido. Quando o PT ganhou, nada comentou. Mas é claro que, após os "escândalos" de 2005, ele ganhou novo fôlego e passou a reproduzir as barbaridades da mídia golpista. Normal. Eu o compreendo.

Mas do Maluf ele nunca mais falou nada, não...