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quarta-feira, março 31, 2010

Orelhadas de bar (1)

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Nove da noite de sexta-feira. A moça pede para eu esperar no buteco enquanto vai ao apartamento dar comida para o cachorro. Peço uísque. E minha antena auricular capta os primeiros sinais da mesa ao lado:

- Pede mais uma, larga a mão de ser chato.

- Pode ser. Mas me fala uma coisa, você continua casado?

- Há 24 anos. Casei em 85.

- Tá tudo bem em casa?

- Olha, vou te contar uma coisa... De Reinaldo pra Reinaldo: é foda.

- É. Eu sei. (...)


Baixa um silêncio sepulcral. Passa uma gostosa fazendo cooper. Um ônibus vira a esquina e derruba o cone da parada de táxi. Uma criança aparece vendendo chicletes. O papo anexo reflui.

- Mas você ainda tá jogando tênis?

- Só enganando. Hoje eu ia, mas fui ver meu sogro. Tá em coma.

- Ih, rapaz, nem fale. O meu sogro também tá ruim, teve um AVC.

- É foda.

- O véio não dura seis meses. Mas você já vai? Senta aí!

- Preciso ir. Minha mulher ligou duas vezes.

- Fica aí, rapaz!

- Não dá. Dessa vez não dá, meu irmão.

- Vou pedir a última.


Minha moça volta ao bar. Com o cachorro. A antena se distrai por um momento da frequência alheia. A moça vai ao banheiro e me deixa segurando o cão pela coleira. Tento sintonizar o fim da conversa vizinha. Só silêncio. Resta um na mesa. Calado. O outro Reinaldo arribou.

Sem beber a saideira.

3 comentários:

Anselmo disse...

excelente a crônica do boteco. uma conversa de "reinaldo pra reinaldo" é ótema. os caras são espelhados até no sogro convalescente!

Olavo Soares disse...

Bem capaz dos "personagens" descobrirem o papo.

Afinal, quantos Reinaldos com sogros convalescentes são amigos de outros Reinaldos com sogros convalescentes?

Marcão disse...

Digamos que os nomes não sejam exatamente Reinaldo. Mas a narração dos dois sogros moribundos, por incrível que pareça, ocorreu.