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quarta-feira, novembro 10, 2010

O terno

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Depois de 15 anos sofrendo em cargos subalternos numa agência bancária de periferia, o manguaça foi promovido de repente a assessor especial da diretoria, e transferido para um prédio na região mais próspera da metrópole. Pêgo de surpresa, foi obrigado a renovar às pressas todo o guarda-roupa - e a comprar pelo menos um terno de grife capaz de frequentar os eventos sociais mais requintados da empresa. Com dor no coração, o manguaça espremeu o orçamento e parcelou em 18 meses um bonito e vistoso terno Armani. As parcelas mensais fizeram com que sua cachaça diminuísse pela metade, mas era por uma boa causa, pelo futuro profissional.

- Um espetáculo seu terno, Praxedes. Muito bom gosto.

- Obrigado, doutor Cardoso.

E assim, logo nas primeiras ocasiões em que vestiu a roupa, foi elogiado por todos, e especialmente pelos superiores. Mas sorria amarelo, pensando no desfalque mensal que o caríssimo e proibitivo terno havia lhe custado. Três meses depois, um colega de seção, todo cheio de dedos, o chamou para conversar.

- Praxedes, minha irmã vai casar com um alto figurão do governo, eu vou ser padrinho e não tenho roupa pra ir. Estou com muita vergonha de pedir dinheiro para o próprio noivo pra poder me vestir. Será que você não me empresta aquele seu terno?

- Ah, Medeiros, você vai me desculpar, mas não posso. Aquilo me custou uma fortuna, ainda tenho 15 meses pra quitar, morro de medo que aconteça alguma coisa.

- Por favor, eu prometo que nada acontecerá. Juro! Por favor, se precisar, eu ajoelho na tua frente!

Constrangido pelas súplicas do amigo, que já chamavam a atenção de outros funcionários, Praxedes, muito a contragosto, capitulou. Só impôs uma condição:

- Tudo bem, tudo bem. Mas faça uma coisa: use o terno apenas na igreja. Eu sei que na festa você vai encher os cornos e acabará me estragando a roupa, manchando de bebida e comida. Leve um terno seu no carro e troque depois da cerimônia.

- Pode deixar! Vou fazer isso. E depois mando seu terno na melhor lavanderia da cidade, vou te devolver melhor do que está. Muito obrigado! Você me salvou!

Naquele sábado à noite, enquanto rolava o casamento, o manguaça bebericava sua cerveja, encostado no balcão do português, com os piores pressentimentos possíveis. "Uma hora dessas meu terno já deve estar um trapo. E eu ainda tenho 15 parcelas pra quitar! Quem vai pagar? O próprio Medeiros admite que não tem um tostão furado no bolso! É o diabo, é o diabo!". Mas, na segunda-feira, o colega apareceu todo sorridente em sua mesa:

- Praxedes, você é mais que um amigo, é um irmão! Deu tudo certo. Usei seu terno somente na igreja, as fotos ficaram lindas. Depois me troquei no banheiro, guardei tudo direitinho e já enviei pra lavanderia. Na quarta-feira fica pronto e na quinta eu trago aqui no trabalho para você. Obrigado mesmo!

- Não há de quê - respondeu o manguaça, entre suspiros de alívio.

Na quinta-feira, porém, Medeiros não apareceu para trabalhar. "Justo no dia em que ia trazer a roupa de volta. Aí tem coisa! Eu bem que desconfiava", gemeu Praxedes, já temendo pelo pior. Mas calou sua preocupação, bateu o ponto, passou no português para beber a obrigatória e tomou o rumo de casa. No outro dia, ao chegar para mais um expediente, estranhou que, além de Medeiros, nenhum outro funcionário estivesse presente. Duas horas e meia depois, sem que ninguém tivesse aparecido, subiu dois andares e indagou os três ou quatro que ali se encontravam sobre o sumiço dos colegas.

- Ah, "seu" Praxedes, eles vieram mais cedo e tiveram que sair. Deixaram um bilhete para o senhor.

No papel, apenas um endereço. Nervoso e cada vez mais confuso com a situação kafkiana, o manguaça pegou o primeiro táxi que viu e se mandou para um subúrbio bem distante. O endereço era o de uma pequena capela. Ao entrar, viu de longe alguns de seus companheiros de repartição. E, antes que pudesse abrir a boca, notou, a alguma distância, um caixão circundado por quatro velas e muita gente chorando. Deitado, com algodões no nariz e as mãos entrelaçadas, Medeiros. Vestido impecavelmente com o seu bonito e caríssimo terno Armani. A família do defunto ficou muito emocionada ao presenciar o choro convulsivo e desesperado do manguaça. Nunca poderiam imaginar que um colega de trabalho demonstrasse uma amizade e uma dor tão fortes...

8 comentários:

Glauco disse...

Manguaça quando tá com azar... Muito boa.

ThiagoFC disse...

Boa história.

Luciana disse...

Que delícia de crônica!
Adorei!
Tinh tempo que não visitava o Futepoca, mas agora já recoloquei o blog nos meus favoritos.
Sucesso, rapazes!

Anselmo disse...

excelente!

o Bulhões, o Almeida e o Padilha mandam abraços.

Maurício Ayer disse...

genial, marcão! genial.

Marcão disse...

O Peixoto, o Palhares e o Pimentel retribuem os cumprimentos, Anselmo, com votos de sucesso e os melhores protestos de amizade.

fredi disse...

Maravilha, Marcão.

Moral da história:

Nunca deixe de beber pelo tal do Armani.

E para não deixar os trocadilhos de lado, Armani "E"terno (rs).

Maurício Ayer disse...

Fredi insuperável.