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quinta-feira, novembro 04, 2010

Pensamentos esparsos sobre Lula, Dilma, FHC e a oposição autofágica

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Lembro bem, quando Lula venceu a eleição de 2002, a primeira ação orquestrada da mídia foi tratar de “separá-lo" do PT. Isso se intensificou quando iniciou o governo com nomeações (como o Henrique Meireles) e medidas econômicas tidas como "ortodoxas", elogiadas como a continuidade de FHC – o que mostrou ser de grande prudência, já que uma mudança drástica fatalmente teria consequências indesejadas –, e ao mesmo tempo se falava em "radicais do partido" sempre desenhados como monstros rapinosos. O que se desenhou o tempo todo no discurso (e ainda permanece) foi que Lula estava acertando por continuar FHC e que isso acontecia contra a vontade de seus correligionários. A mídia, assim como a oposição, permaneceu cega quanto a todas as novidades que foram introduzidas, e acredito que haja aí uma boa dose de ilusão.

Nos tempos de FHC, aprendemos a acompanhar de perto a tal da "taxa de juros", que seria o grande instrumento do Estado para interferir na economia. Acho que muita gente chegou a acreditar (e ainda acredita) que o tal do tripé câmbio livre (praticado apenas no segundo mandato de FHC, diga-se), meta de inflação e superávit primário resuma o que o Estado pode fazer para interferir na economia. Talvez no mundo do Estado mínimo, desejado pelos tucanos, isso até seja de algum modo verdade. Não quero aqui desconsiderar que os grandes economistas tucanos ignorem a importância de outros fatores, mas é fato que a discussão ficava enrolada em torno desse ponto.

Também não há dúvida de que hoje a discussão está muito mais rica. Fala-se em infraestrutura, em microcrédito, em ampliação do mercado interno (vamos nos lembrar que foi Lula que fez os empresários brasileiros a aprenderem a lidar com a classe C e D, que passou a consumir) com o aumento do poder de compra dos salários mais baixos. Outra coisa que muitos não percebem: não creio que Lula seja contra privatizações "por princípio", mas sim porque quando o Estado não participa de igual para igual nas disputas no mercado os consumidores ficam à mercê de interesses privados (que naturalmente é o interesse das empresas). O Estado perde poder de pressão. Mas Lula mostrou, com a Vale, que o Estado deve defender seus interesses enquanto "sócio" que é da empresa (embora isso seja tratado como ingerência por muita gente).

Li isso por esses dias (não me lembro onde, que me perdoe a fonte não citada aqui). Enquanto FHC injetou dinheiro na economia pelo topo, por meio das privatizações, Lula injetou pela base, com microcrédito e aumento da renda das classes mais pobres. Por isso a política de FHC era essencialmente excludente (e o desemprego e as perdas salariais eram vistas como "o preço a se pagar pelo desenvolvimento") e a de Lula, essencialmente inclusiva. E mais segura, porque pulverizada, não concentrada.

O Bolsa Família, na verdade, embora importante, não é o grande diferencial. Dilma (e Serra também, vejam só) fala sempre nele porque sabe que é um programa que pegou, tem um potencial marqueteiro forte. Mas ela sabe muito bem que o principal está em outra parte.

Agora, com a vitória de Dilma, estão tentando consolidar o entendimento de que ela ganhou roubado, porque quem moveu as peças foi o Lula, que agiu "ilegalmente", já que "um chefe de Estado" não pode ser líder de partido. Obviamente, um dos requisitos normais de um chefe de Estado é que ele seja líder de partido. Mas o que espanta é que essa ilegalidade só existe na cabeça deles. É tão disparatado isso que me vejo obrigado a imaginar a situação de um presidente disputando reeleição sem poder fazer campanha para si mesmo, já que o hábito de chefe de Estado não permite. Ouvi de um tucano ainda que "o FHC não fez isso" quando Serra disputou pela primeira vez a presidência. Não custa lembrar que nas três últimas campanhas presidenciais, FHC foi escondido pelo "seu" candidato, já que suas aparições sempre resultaram em perda de votos por parte daqueles em cuja defesa ele vem.

Além disso, todos os olhos gordos agora estarão sobre Dilma, a tentar capturar cada um de seus deslizes, cada ameaça de titubeio que será anunciada como fraqueza e incapacidade. Não faltará veneno a cada dia. Tentarão desrespeitar Dilma, como o fizeram tantas vezes com o "presidente analfabeto". E se qualquer líder político trombar com a Dilma, isso poderá ser eventualmente ignorado, mas cada gesto do Lula será interpretado como uma mensagem para Dilma, que sem ele não saberia o que fazer. Mais ou menos como um jogo de truco político.

Acabou a eleição, mas a campanha apenas começou, alertou o vampiresco Serra. Vem mais chumbo por aí, podemos esperar, e darão todo o espaço que Serra desejar para falar (já dão para o FHC, imagine para alguém não senil...).

Enquanto isso, fecham os olhos para o fato de que a oposição (anunciada como a grande vitoriosa dessas eleições, tipo "perdeu mas levou") está se devorando a si mesma. Serra já tenta matar o Aécio, que não é bobo mas não terá tanta bala na agulha quanto dizem. Serra também não terá tanto apoio assim de Alckmin, que não vai esquecer as rasteiras que levou do colega careca; ao contrário, o opus dei vai reduzir o serrismo em São Paulo ao "mínimo indispensável". FHC dá show de declarações non-sense, e mostra justamente a desunião do partido. Sergio Guerra e Eduardo Jorge fatalmente se enrolarão nos desdobramentos do escândalo do Arruda. "Líderes" outrora importantes como Tasso Jereissati, Arthur Virgílio, Heráclito Fortes foram excluídos da cena principal. O Kassab já fala em sair do DEM, que agoniza.

Há que trabalhar muito agora, pois ganhar espaço nas eleições municipais de 2012 será mais um passo importante para o gradual desaparecimento do DEM. Enquanto isso, estarão em estado de "vale tudo", em desesperto pela sobrevivência, apegados a um passado que não existe mais, mas que insiste em assombrar-nos.

5 comentários:

Roberto S. disse...

Interessante é a imprensa tentar pautar as reformas que devem ser feitas quando todos sabem que a Dilma não foi eleita para faze-las, tentar dizer que agora o Brasil tem que fazer a reforma tributária, trabalhista e previdenciária é tentar colocar no colo da nova presidente coisas que nunca foram seriamente discutidas durante a campanha, nem mesmo pq quem cobra isto agora.

Marcão disse...

"Enquanto FHC injetou dinheiro na economia pelo topo, por meio das privatizações, Lula injetou pela base, com microcrédito e aumento da renda das classes mais pobres. Por isso a política de FHC era essencialmente excludente (e o desemprego e as perdas salariais eram vistas como "o preço a se pagar pelo desenvolvimento") e a de Lula, essencialmente inclusiva. E mais segura, porque pulverizada, não concentrada."

É isso. Gratos pelo didatismo, Maurício.

Quanto à sujeira da mídia, também acho que será mais pesada do que foi contra o Lula. A mídia chegou num ponto de descaramento, covardia, parcialidade, mentira e guerra suja que já não tem mais como recuar, sob pena de perder totalmente o que resta de credibilidade. O Willian Bonner puxando a cadeira para a (agora vitoriosa) Dilma sentar, no JN, não engana ninguém.

A sujeira continuará num crescente animalesco, mas confio que Dilma fará um grande governo. A casa está arrumada, a economia cresce, a renda é distribuída e há investimentos de trilhões garantidos pelo PAC, pré sal, Copa e Olimpíada.

Cabe a nós defender esse governo das agressões. E cobrá-lo pelas reformas que, mais do que nunca, com o Congresso a favor, poderão ser levadas em frente.

Vai, Dilma!

Adhemar Santos disse...

"...porque quem moveu as peças foi o Lula, que agiu "ilegalmente", já que "um chefe de Estado" não pode ser líder de partido..."

Poder ser líder de partido, pode. Agora, "nunca antes na história deste país" foi definido um "horário de expediente" para o presidente da república, para ele poder acompanhar sua candidata após o referido horário. Será que o Lula ganhou hora extra ao ir no velório do ex-presidente Kistchener, à noite, na Argentina?

Anônimo disse...

"Ouvi de um tucano ainda que "o FHC não fez isso" quando Serra disputou pela primeira vez a presidência. Não custa lembrar que nas três últimas campanhas presidenciais, FHC foi escondido pelo "seu" candidato, já que suas aparições sempre resultaram em perda de votos por parte daqueles em cuja defesa ele vem''.Que lula legitimou o voto dessas pessoas e delegou de autoridade para fazê-lo não resta dúvidas. Se FHC não fez o mesmo, e se portou de maneira distinta da do presidente Lula é porque não achou oportuno, basta! Em minha opinião isto não diminui o mérito do PT de reverter a crise, quando José Dirceu foi substituido por Dilma na casa civil, acho louvável. Fico em dúvida se a tonalidade do discurso fica evidente... Sem intenção de ofender quem quer que seja. Acredito que muitos votaram na Dilma de livre e espontanea vontade, assim como muitos votaram no Serra por não entenderem como aquele simpático anti-herói chamado lula pode ter se transformado em uma espécie de super heroi venezuelano. Cada um tem seu estilo, odeio esse lance de ficar comparando, troço deselegante.

Maurício Ayer disse...

Adhemar, cargos de comando não têm direito a hora extra. Isso acontece em qualquer empresa e também no governo - são os "cargos de confiança". O presidente, como topo da hierarquia, também não terá. Mesmo assim, na contratação, todas essas pessoas têm um horário de trabalho definido. O modo de cumprimento é que é diferente. Presidente também tem direito a férias, a fim de semana, a todas essas coisas.

Para efeito legal, Lula tem horário de almoço, durante o qual pode gravar o programa televisivo em apoio a sua candidata.

Quer dizer, as pessoas inventam princípios e regras conforme a conveniência. Essa história de chefe de estado que é pai de todos sem distinção e que por isso está impedido de fazer campanha é o tipo do "princípio inviolável" que uns defendem porque convém, mas podem rapidamente passar para o outro lado se a biruta mudar com o vento. Em vez de ficar espalhando ideias sem fundamento jurídico, deviam, simplesmente, aceitar a derrota.