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terça-feira, fevereiro 01, 2011

Bebê atômico mandava todo mundo tomar pinga

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No meio jornalístico brasileiro, um dos fatos mais bizarros foi a inacreditável série de 27 manchetes que o extinto jornal paulista Notícias Populares deu entre maio e junho de 1975, sobre um suposto "bebê diabo" que teria nascido em São Bernardo do Campo (curiosamente, no mesmo ano em que Luís Inácio Lula da Silva assumia a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos, na mesma cidade). Fruto da audácia do secretário de redação, José Luiz Proença, e do editor de polícia, Lázaro Campos Borges, em um plantão de sábado em que não havia uma pauta sequer para salvar a edição do dia seguinte, a inacreditável matéria "Nasceu o diabo em São Paulo", que iniciou a série e triplicou as vendas do jornal, surgiu a partir de uma notinha da Folha de S.Paulo sobre um bebê que havia nascido com prolongamento do cóccix e duas pequenas saliências na testa em um hospital do ABC paulista.

Segundo o livro "Nada mais que a verdade", de autoria de Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Maik Rene Lima, o repórter Waldemar de Paula, do NP, telefonou para alguns hospitais da região e, como não obteve informação, partiu para a imaginação e a cara de pau. No domingo, 11 de maio de 1975, a "reportagem" dizia que "o bebezinho (...) já nasceu falando e ameaçou sua mãe de morte, tem o corpo totalmente cheio de pelos, dois chifres pontiagudos na cabeça e um rabo de aproximadamente cinco centímetros". Mais à frente, o texto explicava: "parece que tudo começou na Semana Santa, quando o marido da mulher, que é muito religioso, convidou-a para ir à igreja, ver a procissão. A mulher grávida bateu com as mãos na barriga e respondeu, indignada: - Não vou, enquanto este diabo aqui não nascer".

A lorota vendeu horrores e só restou ao jornal prosseguir com a farsa. Por quase um mês, publicou em manchete principal a saga do "bebê diabo", que mobilizou a população em São Paulo e em outros estados (minha sogra, que estava grávida na época, disse que no Rio de Janeiro também só se falava sobre isso). A série espetacular do NP teve capítulos esdrúxulos como "Bebê-diabo inferniza o padre do ABC", "Viu bebê-diabo e ficou louca", "Bebê-diabo nos telhados das casas do ABC", "Diabo explode o mundo em 1981", "Fazendeiro é pai do bebê-diabo", "Bebê-diabo foge para o Nordeste" e "Zé do Caixão vai caçar bebê-diabo no Nordeste", entre outros. Em 24 de maio, por exemplo, o jornal noticiava que "Bebê-diabo parou táxi na avenida" e, respondendo ao taxista qual seria o destino, teria dito: "Toca para o inferno".

Depois de tanto absurdo (e de milhões de exemplares vendidos), o NP resolveu encerrar o assunto quando o "bebê-diabo" havia se perdido nos sertões da Bahia e Pernambuco.

Guta, o "bebê atômico"
Porém, o departamento comercial pressionou e, pouco depois, o jornal apelaria novamente com a notícia de nascimento de um "bebê peixe" na floresta amazônica, com "pele escamosa e cauda de peixe nos membros inferiores". A segunda manchete foi: "Boto é pai do bebê-peixe", em que um médico explicava que a mãe tivera relações sexuais com um "cetáceo fluvial". Saturado pelo "bebê diabo", o público não deu bola e as edições encalharam. Aí, o NP decidiu esculhambar de vez. Em 11 de novembro de 1975, lia-se que "Bebê atômico nasceu em SP". A criança, chamada Guta, tinha o poder de controlar raios e relâmpagos, além de ficar invisível e transformar seu corpo em substância líquida e gasosa. Pior: ela morava no esgoto e passeava por bairros distantes porque, no Centro de São Paulo, as ondas de rádio e TV lhe faziam cócegas.

Segundo o jornal, o pai do bebê, um pedreiro, tivera contato com uma pistola de raios alimentada por urânio enriquecido, "a mesma fonte de energia dos submarinos nucleares". Assim, no dia 14 de novembro, a notícia era a de que a médica Vânia teria recebido uma visita de Guta, que saíra junto com o vapor do chuveiro e, sorridente, se materializara em sua frente (!). Em seguida, a garotinha nuclear parou em uma oficina para recarregar as energias com a bateria de um carro Galaxie azul. Mas a loucura chegou ao ápice quando a garota entrou em uma bar da Vila Prudente para beber todo o leite gelado do local (sua bebida preferida) e, ao mesmo tempo, ordenar: "Quando eu bebo, todo mundo bebe também. Aqui não vai ficar ninguém sem tomar pelo menos uma garrafa de pinga". O livro "Nada mais que a verdade" observa que, talvez, esse fosse o desejo inconsciente do repórter que escreveu essa pérola...

Sem o mesmo sucesso do "bebê diabo", a nova série acabou quando Guta levou um tiro de chumbinho do proprietário da lancha Tiririca, às margens da represa de Guarapiranga.

Os futepoquenses, esses pingagistos
Mas, falando em bar, em cachaça e em jornalistas manguaças, o livro comenta que o romeno Jean Mellé, mentor do Notícias Populares, não falava português direito, confundindo o idioma com uma mistura de alemão, francês e espanhol. Quando aprendeu que o indicativo do gênero masculino era a letra "o", passou a empregar a lição ao pé da letra. Por isso, para Mellé, todo jornalista do sexo masculino era "jornalisto", artista era "artisto", e assim por diante. Seus funcionários (que deviam frequentar o bar com certa assiduidade) lembram que, por associação "lógica" com o termo tabagista, o romeno tratava os bêbados de "pingagistos"...

7 comentários:

Anselmo disse...

Mto bom... Bebê atômico! queria gente pra tomar pinga pra acompanhá-la no leitinho! fantástico.

e a lancha tiririca é profética, praticamente...

Leandro disse...

Taí uma provável fonte de inspiração para as potocas publicadas pelo PIG "nos dias de hoje", como diria Ivan Lins.

Olavo Soares disse...

A história é boa.

Mas vou dar uma de politicamente correto, coisa que, vocês sabem bem, não é do meu perfil.

Porque as lorotas do NP são lembradas com certo saudosismo, como exemplo do "bom jornalismo do passado", sendo que eram mentiras na cara larga - e que, se por um lado para pessoas mais esclarecidas se tornaram uma grande piada, para outras podem ter sido uma desinformação das bravas, das mais danosas?

Nicolau disse...

Eu e outros membros deste fórum tivemos aula com o citado José Luiz Proença, gente finíssima. Ele negava a paternidade do bebê diabo, dizendo, se bem me lembro, que estava de folga no dia em que a primeira manchete foi para as bancas. Mas mesmo perdendo o início, bancou a festa pelo resto do tempo todo. E como pai é quem cria...

Marcão disse...

Então, Olavo, "desinformação das bravas, das mais danosas" é o que vejo diariamente em todos os impressos, TV, rádio e internet. Mas as pessoas continuam acreditando.

Eu não faço apologia da mentira (no caso específico do NP), mas sinto uma certa nostalgia da década em que nasci, os anos 70, em que o mundo era muito menos "certinho", formal, padronizado e, como você disse, politicamente correto.

Não só no jornalismo, mas no comportamento, na música, cinema etc etc. Eu gostaria que um veículo como o NP ainda existisse, pela simples necessidade de surrealismo, absurdo e - por que não? - irresponsabilidade total, na cara larga.

Até para servir como parâmetro. Ou não.

Abraço.

Nicolau disse...

As histórias são absurdas mesmo, o Olavo tem razão. E não vivi na época para saber como as pessoas reagiam a elas, se botavam fé ou só davam risada. Em geral, eu e meu otimismo apostamos que a maioria absoluta da população só achava engraçado - até porque é mesmo.
Marcão, hoje em dia apareceu um tal de Meia Hora, que tem como subtitulo "as notícias mais populares de SP". A manchete do site deles agora é a seguinte: "SANTA MANGUAÇA: Excesso de álcool no sangue salva homem de morrer congelado".
Acho que pode ajudar a matar saudades, hehe:

http://one.meiahora.com/noticias/excesso-de-alcool-no-sangue-salva-homem-de-morrer-congelado_2038.html

Marcão disse...

Sensacional.

Eu já li tanto o Meia Hora quanto o Expresso, lá no Rio de Janeiro. Mas o NP é insuperável, pelo menos para mim.