Destaques

quarta-feira, março 16, 2011

Cachaça influenciou o canto 'suave' da Bossa Nova

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Lendo "Mário Reis - O fino do samba", de Luís Antônio Giron (Editora 34, de 2001), mergulhei no universo musical da década de 1920, quando as gravadoras começaram a contratar cantores brancos e orquestras regidas por europeus para "domesticar" e popularizar o samba que negros como Sinhô, Ismael Silva, Cartola e Nilton Bastos produziam nos morros cariocas. Entre esses cantores estavam Francisco Alves, Jonjoca e, principalmente, o biografado por Giron, Mário Reis (foto), que sintetizou um novo jeito de cantar, de forma "falada" e sussurrante (ou crooner), antecipando em 30 anos o estilo Bossa Nova de João Gilberto e criando uma contraposição aos vocais "gritados" e operísticos de cantores como Vicente Celestino. Dessa forma, o sotaque malandro do morro pôde ficar palatável para os ouvidos aristocráticos do público consumidor de discos.

Curioso é que a cachaça deu sua contribuição para a modernização de nossa música popular. O livro conta que foi o violonista e compositor José Barbosa da Silva, o Sinhô, quem orientou Reis na nova maneira de cantar e quem escreveu as canções adaptadas para suas primeiras gravações no estilo vocal (ouça o sucesso "Jura", de 1928, no vídeo abaixo). "Sinhô vivia em grandes dificuldades", contou, em 1971, o jornalista Brício Abreu. "Ria constantemente e isso era uma aflição para mim: ele tinha um único dente, grandalhão, na boca. Os outros, dizia que a cachaça tinha levado", acrescenta. Além de ter ficado banguela, Sinhô ainda teve, como consequência da bebida e da boemia, uma tuberculose que encurtava seu fôlego. Assim, preferia "dizer" a canção, em vez de soltar um vozeirão que não tinha. E Mário Reis, ao ouvi-lo cantar, adaptou para si essa forma "suave" de interpretação.



A entrevista que virou porre
Determinante no início, a cachaça também marcou presença no retiro de Mário Reis. Em 1971, quando lançou o último disco e fez três shows de despedida da vida artística no Golden Room do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, o veterano cantor foi entrevistado pelo jovem repórter Silio Boccanera, do Jornal do Brasil (que mais tarde ficaria conhecido pelo público como repórter do programa Fantástico, da TV Globo, com uma barba comprida - o que inspiraria o personagem Túlio Bocanegra, no programa humorístico Chico Anysio Show). Boccanera tinha 23 anos e não sabia absolutamente nada sobre Mário Reis, que vivia recluso e longe da mídia desde os anos 1930. O encontro, como não poderia deixar de ser, aconteceu num bar. "Fomos enchendo a cara juntos: esvaziamos uma garrafa de Vat 69 [uísque], calibrado com Oppenheimer Goldenberg, um destilado alemão", contou o repórter.

Segue o livro: "Repórter e entrevistado estavam no maior porre. Silio, que na época era fã de rock, lembrava de Mário falando algo como: 'Há muito barulho por aí. Muita música de neurose'. À medida que a noite avançava, os dois foram ficando, além do garçom. 'Ele me deixou muito à vontade e, para mim, a qualidade do restaurante do Country [Club, no Rio de Janeiro] era uma novidade'. E Mário não parava de falar. A impressão de Silio foi de a conversa não mais terminava. 'Saí de lá trocando as pernas e ele me acompanhou até meu Fusca. Era um gentleman'.", finalizou Boccanera. A gravação feita em cassete naquele dia é o depoimento mais importante de Mário Reis jamais documentado. O cantor faleceria em 1981, aos 73 anos. No vídeo abaixo, um dos únicos registros filmados de uma interpretação sua, nos anos 1930:



Ps.: Ah, e quase ia esquecendo de incluir o futebol: Mário Reis jogou pelo América, seu time do coração, e foi vice-campeão do Torneio Juvenil Interclubes do Rio de Janeiro, em 1924. Foi o artilheiro da competição, com seis gols.

2 comentários:

Budu Garcia disse...

Não precisava, neste post, de nenhum futebol!

Anselmo disse...

não precisava, mas podia. e ficou legal.

afinal, quem é que, sendo cantor (ou crooner) de sucesso não foi artilheiro de alguma categoria de base de um clube tradicional?

mas grande silio boccanera, bicho.