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sexta-feira, junho 17, 2011

Tragédia da empregada

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Uma das coisas mais deprimentes que li na internet nos últimos tempos foi o tumblr Tragédia da Empregada. É uma lista de mensagens postadas no Twitter com o assunto empregada, faxineira, serviçais e afins. O site parou de ser atualizado há cerca de dois meses, mas a coletânea está lá, para ninguém duvidar de que ainda tem muita gente que acha que existem escravos no país. Gente para quem a entidade 'empregada' não tem nome, não tem família, não tem história, não tem privacidade, não tem nada dessas coisas que eles, as famílias brancas heterossexuais de classe média, têm como direitos básicos.


(Antes que me acusem de generalização, faço parte de uma família branca heterossexual de classe média, mas fui ensinada a tratar empregados com respeito. Só que, se não são todas as famílias que tratam mal seus empregados, com certeza a maioria dos que os tratam mal se encaixam nessa descrição)

Todo o preâmbulo é para contar o que aconteceu comigo. Depois de muito relutar, decidi contratar uma faxineira para trabalhar na minha casa uma vez por semana. Veio a Fátima. Ela mora longe, demora mais de duas horas para chegar na minha casa, tem uma filha de dois meses, que deixa com uma prima para poder trabalhar. História típica, infelizmente, contada sem nenhum drama, como se não houvesse qualquer alternativa para ela. No primeiro dia, ela trabalhou muito, comeu pouco, nem quis dividir a mesa comigo no almoço (claro, afinal ela deve ter aprendido que empregada 'tem seu lugar').

Ao final do dia, na hora de ir embora, ela chega para mim e faz uma pergunta que me desconcertou. Ela perguntou se eu queria revistar a bolsa dela. Demorei alguns instantes para entender o que ela queria dizer. E foi aí que eu aprendi que, além das violações de direitos trabalhistas de praxe, algumas empregadas também são submetidas a constrangimentos ilegais dentro das casas onde trabalham. Essas mulheres não têm direito à privacidade! O que quer que carreguem será desnudado aos olhos de quem lhe contrata. Mais uma vez, a revelação foi feita como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Fiquei tão besta com o acontecido que nem me lembrei de dizer a ela que é ilegal a patroa revistar a sua bolsa. Sei que não vai mudar nada, já que ela deve pensar que quem não deve não teme. Deve ter sido esse o argumento que ela ouviu. Mas ela merece saber. Assim como nós merecemos escutar, todos os dias, o quão atrasados são alguns membros da dita elite. Para ter vergonha daquilo que ainda permitimos acontecer debaixo dos nossos narizes.

6 comentários:

Glauco disse...

Esse tipo de constrangimento é tão corriqueiro em alguns lugares e pra determinadas pessoas (a tal "gente diferenciada") que elas internalizam e passam pras pessoas próximas como sendo algo normal.

Isso me faz lembrar, aliás, a vida e obra de Florestan Fernandes, um dos maiores sociólogos que nós tivemos. Ele era filho de uma migrante portuguesa, doméstica, sendo que seu nome de batismo foi inspirado no personagem principal de uma ópera de Beethoven, Fidélio. O curioso (e trágico, no sentido pessoal) é que a patroa de sua mãe – também sua madrinha –, Hermínia Bresser de Lima, lhe deu a alcunha de “Vicente”, pois "a origem estrangeira do nome do futuro intelectual incomodava a matriarca da aristocrática família."

Desnecessário dizer o quanto essa infância o prejudicou na sua trajetória. E essa perspectiva, senhorial e autoritária da elite brasileira, resiste até hoje. Quantos Florestans estamos perdendo por conta da desigualdade de renda que ainda persiste, da estigmatização e do preconceito?

Olavo Soares disse...

Caralho, que triste essa história da revista.

Sobre o "tragédia da empregada", recomendo a leitura do já conhecido http://classemediasofre.tumblr.com/.

Choradeiras sobre empregadas e afins.

Leandro disse...

"E essa perspectiva, senhorial e autoritária da elite brasileira, resiste até hoje. Quantos Florestans estamos perdendo por conta da desigualdade de renda que ainda persiste, da estigmatização e do preconceito?"
Irrepreensível análise e constatação.

Marcão disse...

Deprimente.

Mas me reforça a impressão de que a internet, cada vez mais, está desnudando os preconceituosos do Brasil. Parece um grande raio-X do pensamento burguês brasileiro, como vimos nos ataques aos nordestinos após a vitória da Dilma, ano passado. E muitos botam foto, nome e sobrenome, são orgulhosos do que fazem. Seria interessante alguém mapear essas manifestações.


Quanto ao 'modus operandi' em relação aos empregados, no Brasil, ainda sofremos com resquícios da escravidão, que tem pouco mais de um século de abolida. Assim como o escravo era visto e tratado como bicho, os trabalhadores braçais, de menor remuneração, são vistos e tratados da mesma forma. E principalmente nas famílias acostumadas a ter empregados já há algumas gerações.

Minha família nunca teve empregados. No máximo, uma faxineira ia ajudar minha mãe uma vez a cada dois ou três meses. Mas era amiga dela, de fato, e recebida em nossa casa como tal. Não me recordo de minha mãe dando ordens a ela, era um trabalho feito pelas duas em conjunto. Sempre achei estranho, na casa dos outros, gente dando ordens e outra pessoa obedecendo. Sempre achei humilhante e fiquei sem graça.

Quando morei no Ceará, onde a concentração de renda e a desigualdade social são piores do que em São Paulo, vi cenas horrendas. Fui à casa de uma mulher, certa vez, às 3 da madrugada. Ela entrou, acendeu a luz e berrou bem alto o nome da empregada, que teve que levantar da cama e atender em segundos, de cabeça baixa. A mulher pediu um copo de água, sendo que a cozinha estava em frente à sala, e, depois de satisfeita, mandou a empregada voltar a dormir. Inventei qualquer coisa e fui embora.

Quase nunca tive empregada e toda eventual contratação de alguém para limpeza ou serviço de babá me constrangeram de forma extrema. Invariavelmente, fiquei 'amigo' da pessoa e me abstive de dar ordens. Não consigo fazer isso. No limite, pedia com todo o jeito, insistindo que, se fosse exagero, que desconsiderasse o pedido. E agradeço muitas, muitas vezes.

Vendo quem maltrata um semelhante, seja quem for ou desempenhe qualquer tipo de função, sempre volto a refletir sobre a maldade e a crueldade sem limites da raça humana.

Anselmo disse...

assustador.

Paulão Fardadão Cheio de Bala disse...

É tudos pau no cu!