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segunda-feira, agosto 29, 2011

Vida enlatada: Aperto do metrô de São Paulo, parte 2

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Desde março deste ano, a estação Butantã da linha 4-Amarela opera. Nos primeiros três meses, funcionou apenas até às 15h, depois (e até agora), vai até às 21h. Se no início eu apenas ia de casa ao trabalho, passei também a voltar. Senti-me um cidadão de outra classe (quiçá de outra casta): a dos enlatados no Metrô. Mas isso é bom.

Desfeito de carro particular desde 2007, ia bem de ônibus, mas a leitura no trajeto só funciona quando sobram assentos vagos. De pé, com o padrão de condução dos motoristas de ônibus, é impossível por uma questão de equilíbrio e segurança. Com o tanto que balança, fica até difícil manter o fio da meada entre o fim de uma linha e o começo da próxima. No máximo, dava para ouvir uma conversa alheia ou uma troca de mensagens de texto de outrem. Limitante.

No metrô, mesmo de pé, ninguém precisa ser surfista nem ter feito estágio como peão de rodeio para conseguir se empenhar por quaisquer bem ou mal traçadas linhas. Basta um pouco de habilidade comum a todos os que levam esta vida ébria, na qual tudo gira um pouco mais do que o esperado, para conseguir se equilibrar (Ministério da Saúde Manguaça adverte: convém tomar o transporte público sóbrio; etilizado as coisas vão rodar demais).

Aqui em baixo as leis são diferentes

Cada linha tem peculiaridades. A azul e a vermelha, com dois terminais rodoviários intermunicipais cada, têm com frequência viajantes chegando ou partindo da capital entre seus passageiros. Tem ainda a desesperadora lotação da Luz, da Sé, do Brás e da Barra Funda, estações onde há conexões entre linhas diferentes de metrô e de trem.

Da verde, além dos engravatados da Paulista e da turma de branco dos hospitais da região, tem ainda os inusitados cantinhos do amor. Nada tão impublicável: uma série de paineis suspensos nas paredes côncavas da plataforma criam nichos em que a mão francesa de suporte serve de banquinho. À noite, é comum encontrar casais matando tempo ou saudades ou atraso nesses espaços. Nunca disputei vaga, mas tem dia em que os postos parecem concorridos. O que acontece no cafofo não sei em detalhes.

Diferença

Mas há alguns aspectos que são exclusivos da linha 4. As primeiras estações foram abertas em abril de 2010. Ansioso que estava pela liberação da via, tornei-me um consumidor voraz de notícias a respeito. Foi assim que descobri sobre a diferença de bitola entre os trens sul-coreanos e os das demais linhas (não rola usar trens de uma nas outras); sobre a diferença da tecnologia "driverless", sem condutor, para o controle remoto com condutor; sobre a balela de que haveria sinal de celular e até conexão com a internet; ou a diferença entre a antiga Mafersa e a Alstom, de um lado, para a Soon Park Young, de outro (isso sem falar em outros lados da empresa francesa). E assim que confirmei, pelo 0800 da linha, que as estações Luz e República estão mesmo prometidas para final de setembro, ainda sem data definida de inauguração (aqui entre nós, deve depender de agenda do governador e sua claque).

Tudo isso mostrou-se ínfimo no dia a dia. O que acomete o usuário são outras diferenças.

A primeira é a profundidade. Na estação Paulista, são 40 metros para baixo em três ou quatro lances de escadas rolantes (o que pode ser um ótimo exercício se a opção for pelos degraus estáticos, tirando o fato de que deve faltar oxigênio para atividade aeróbica). Outra é a forma de ligação desta parada com a da Consolação, que formam um único complexo no qual se pode alcançar a linha 2-Verde. Para isso, há necessidade de percorrer mais de 300 metros divididos em três trechos. No primeiro, logo ao desembarcar, é feita caminhando. O segundo, em uma escada e duas esteiras rolantes.

Quando tudo está vazio, fica fácil. Quando a lotação é média, como na maior parte das vezes em que lá está este ébrio trabalhador, fica meio tenso. É que, apesar de não se comparar ao que ocorre na Sé, no Brás ou na Luz, por exemplo, a concentração é agravada pelo dato de os passageiros estarem em movimento (alguns tentam alcançar altas velocidades). Quando está lotado, como ocorre pela manhã ou das 17h às 19h30, fica complexo.

A recomendação de manter-se à direita para deixar a esquerda livre aos apressados é razoavelmente bem seguida. Mesmo assim, os acelerados exageram e quase atropelam quem resolve esperar o movimento de escadas e esteiras. Pobres velhinhas.

O problema é tão sério que, nos horários de pico, as escadas e esteiras que descem (da linha verde para a amarela) permanecem desligadas. Aparentemente para prevenir trombadas, quedas, enfim, acidentes. Com o ouvido ligado em conversa alheia, já ouvi reproduzirem-se rumores de que teve "gente que se machucou feio ali".

Seguro morreu de velho

Outra diferença está na segurança. Ou melhor, nos seguranças. Enquanto o Departamento de Polícia do Metropolitano (Depom) faz a ronda do restante da malha, o perímetro sob jurisdição do Consórcio Via Quatro conta com vigilantes de uma corporação à parte, provavelmente de alguma prestadora de serviços terceirizada.

A peculiaridade: todos os contratados e todas as contratadas ostentam o que poderia ser definido como "boa aparência". Os gajos são todos malhados. O tamanho dos cidadãos pode se explicar pela necessidade de impor respeito, semelhante a seguranças de outras praças. Mas nenhum gordinho passou no processo seletivo; todos seguem o padrão sarado.

E não é só pelo atributo físico que às vezes tem até congestionamento de gente (normalmente moças, na análise acurada do Instituto Datafoda-se) perto deles. Ajuda o fato de não haver, na plataforma, nenhuma Sala de Supervisão Operacional (SSO) nem outros funcionários comumente encontrados nas outras linhas (jovens cidadãos e outros tipos de trabalhadores. O resultado é que os seguranças viram a referência.

Nessas, outro diálogo captado num desses congestionamentos de pessoas no percurso da baldeação deu-se entre um grupo de quatro moças.

– Esses seguranças grandões são uma coisa... – disse a primeira – Apesar do aperto [da estação], isso aqui é o paraíso!

– Não é não – devolveu outra – Paraíso é estação de outra linha.

Todas riram. Mas a fila não andou mais rápido por causa disso.

1 comentários:

Maurício Ayer disse...

Veja, esta linha era tão necessária, há tanto tempo, que nasceu sobrecarregada. Hoje, com chuva, estava de dar medo a multidão que se deslocava nos corredores da estação Paulista em direção à estação Consolação.

E neste sábado, no CEU Butantã, a Subprefeitura apresentou o projeto da Operação Vila Sônia. A ideia, que até faz sentido, é densificar as áreas próximas ao metrô; acreditam que podem aumentar em 50% a população da região até 2027. Mas o viário e os meios de trasportes em geral já estouraram o limite. Por que não priorizar o que parece óbvio: a reocupação do Centro?