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sexta-feira, setembro 16, 2011

Doutor Sócrates mais vivo do que nunca

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O Sócrates deve ser um dos maiores exemplos de integridade que conheço. Não saberei falar disso melhor que o Idelber Avelar, como se pode ler aqui. E noutro blogue uma amostra de seu caráter, aqui.

Vou então dar outra tonalidade a esta breve homenagem. Já foi dito aqui que ele personifica como ninguém a união de futebol, política e cachaça. A única figura que poderia ser comparável nesse aspecto é a de Lula, mas seria forçar a amizade. Não há dúvida que a habilidade e sabedoria de Lula na política recendem a futebol e cachaça, mas não serão mais o tempero de seu modo singular de ser no intrincado jogo do poder.

No caso do Sócrates, cada gesto é síntese dessa tríade. Anti-atleta de triste figura – magrelo, cabelo e barba desgrenhados, manguaça –, ele era pura inteligência, seu futebol era feito de hábeis decisões com as quais vencia defesas sem agredi-las. O toque de calcanhar que se tornou sua marca não é nada além disso. Sua força nunca foi bruta, nunca precisou desqualificar ninguém para se afirmar. É como se seu jogo fosse um debate aberto, que vencia com a força dos argumentos. 



E como cachaça também se “argumenta com doçura”, o Doutor nunca escondeu que sua postura libertária tinha um pé no boteco. Quantos são os atletas atuais ou recentes que são manguaças e não gostam de treinar? Muitos, mas quantos como o Magrão fazem disso um gesto de liberdade? Ou mesmo de contestação de um estado de coisas, no contexto dos estertores da ditadura militar. Ele era o galo que cantava sem pedir licença ao regime ou à sociedade retrógrada.

Em sua coluna na CartaCapital, Sócrates narrou diversos episódios de como esse sentimento de ser livres inspirou vitórias naqueles tempos. E esse sentimento não tinha nada de abstrato, a liberdade podia perfeitamente se materializar num belo churrasco com samba e cerveja na véspera de uma final: a alegria de ser o que se é e compartilhar esse momento em “equipe” dava mais condições de vencer que treino e concentração. A leveza da alma devia ser colossal.

Uma vez, me ouvindo falar da Democracia Corintiana, um amigo são-paulino soltou um “democracia de maconheiro...”. Sei que falou isso mais por melindre que por convicção, pois seria incoerente com o desgaste de seu próprio fígado e principalmente porque é daquelas fórmulas que só ornam terno de reacionário. Desqualifica a postura libertária com um pré-juízo moralista.

Hoje, é o que se vê em diversos veículos, querem fazer de sua luta o fim da deprimente história de um alcoólatra. É a velha mensagem castradora: não gozai hoje pois amanhã virá vossa degradação. Esquecem que o beber também fez de Sócrates o que é. 

Por essas e outras, esse entra e sai da UTI do doutor Sócrates deixa a gente chateado pra caramba. Me uno aos torcedores com suas faixas: “Não para de lutar, doutor”, não só pela sua saúde, pela qual brindamos, mas pelo que ele representa para mim e para tantos: meu primeiro ídolo, provavelmente o maior, para mim, mais vivo do que nunca.

17 comentários:

Nicolau disse...

Lindo, Maurído. Falou várias coisas que eu queria e não soube como. Essa, entre elas:
"Hoje, é o que se vê em diversos veículos, querem fazer de sua luta o fim da deprimente história de um alcoólatra. É a velha mensagem castradora: não gozai hoje pois amanhã virá vossa degradação. Esquecem que o beber também fez de Sócrates o que é."
Essa abutraiada em cima do cara nessa situação é deprimente.

Guilherme Neris disse...

Aproveitando seu amigo são-paulino, lembro quando o Doutor esculhambou o chato do Ceni, que critico o Lula por ele não falar inglês! Esse sim, foi um gol de placa!

Benone Lopes disse...

Quando vejo um jogador habilidoso já imagino aquele cdf da escola, pq são, no fundo, a mesma coisa. Saber jogar ali a maioria sabe, competência, talvez 50% possui. Entretanto, falta a inteligência com as palavras.

O camarada até pode ganhar um título, mas e na hora da entrevista? O sujeito perde a majestade, fica parecendo o cavalo e não o jóquei.

Por isso, Doutor Sócrates é até hoje jogador de futebol! Pq ele fala como jogador e tece um comentário como quem passa a bola de calcanhar.

Karin disse...

Que bonito...

Marcos disse...

Sempre fui fã do Sócrates, primeiro como jogador, depois como cidadão consciente, inteligente e militante político. Algumas pouquíssimas vezes me pareceu arrogante e fazendo discurso num tom superior, no programa Cartão Verde, mas isso me parece natural para quem é uma celebridade e tem segurança no que diz e sustenta.

O movimento Democracia Corintiana é um marco no futebol nacional, sem dúvida. Mas ficou claro, na época, que foi mais uma Democracia Socratiana do que outra coisa. Ele comandava e o resto obedecia. Prova disso é que, quando ele se mandou pra Fiorentina, o movimento se extinguiu completamente. Mas o que importa mesmo é a iniciativa, ainda, que efêmera, levando os jogadores até a subir no palanque das Diretas Já. Histórico.

Sobre o alcoolismo, é importante que a mídia pegue o gancho desse caso triste para debater o assunto, ainda mais tratando-se de um médico - o que denota que ele se viciou totalmente consciente do que estava fazendo, ao contrário do Garrincha, que não entendia nada, só bebia. Mas a superexposição do Sócrates, atualmente, é ridícula e totalmente dispensável.

Sou contra essa martirização em vida, ficar mostrando cenas do hospital, da família. Botaram um foto horrível do Doutor na capa da Época. Desnecessário. O caso do Sócrates pode ser citado, sem muitos detalhes sórdidos nem fotografias. O povo ganha dinheiro com a desgraça alheia, é horrível. Mas o alcoolismo deve ser discutido, sim. É um tema tabu num país que consome tanta bebida, sem limite nem orientação.

No mais, FORÇA, SÓCRATES! Vai sair desta, com toda a classe. Como um toque magistral de calcanhar.

Anselmo disse...

Lindo, Maurído. Falou várias coisas que eu queria e não soube como (2).

FORÇA, SÓCRATES! Vai sair desta, com toda a classe (2).

Agora, colocar Sócrates como Zaratustra, como fez o Idelber, é só pra quem pode.

Vale ainda lembrar que Sócrates é socialista. Seu filho se chama Fidel Brasileiro (e ninguém se engane a qual Castro a escolha do nome foi feita).

Karin disse...

Essa semana teve o caso das fotos da Scarlett Johansson nua no banheiro. O UOL colocou a chamada assim: "FBI está investigando vazamento de fotos em que Scarlett Johansson supostamente aparece nua, diz site". Daí você pensa: é, que coisa feia essa pessoa que roubou as fotos dela fez.
Mas qual não é sua surpresa ao ver que o próprio canal que deu a notícia também divulga as tais fotos!! E vai muito além: fotos com comentários de um perito, e ainda com círculos em lugares do corpo dela para que os internautas também analisassem a "veracidade" das tais fotos.
O que é isso, minha gente? Onde é que vamos parar?
O caso Sócrates não foge disso, dessa hipocrisia, dessa maneira tendenciosa de ser atual da grande mídia no Brasil. A exploração da vida das pessoas, dos ídolos e deuses, que nada mais são do que pessoas como nós, com seus sonhos e infernos...

Moriti disse...

Lindo, Maurído. Falou várias coisas que eu queria e não soube como. (3)

Não faz muito houve uma história de que o Magrão poderia treinar a seleção de futebol de Cuba. Ele confirmou a sondagem e disse que só topava se fosse para ganhar o mesmo que qualquer jogador de lá. Se foi só discurso, não sei. Mas, que também é lindo, isso é. "Não pare de lutar, Doutor".

Marcos disse...

Na verdade, Moriti, eu soube por um amigo jornalista, que trabalhava para a Embaixada da Venezuela na época, que o interesse era da seleção do país de Hugo Chávez - ou seja, além da relevância política, um time com mais relevância no futebol. Infelizmente, acho que, com esse problema de saúde, as negociações foram suspensas. Vai, Magrão!

Olavo Soares disse...

Me sinto MUITO peixe fora d'água por não gostar (nem um pouco, aliás) da pessoa do Sócrates.

Mas é óbvio que isso não diminui meu respeito pelo jogador que ele foi e minha torcida para que ele saia bem dessa.

Maurício Ayer disse...

pô olavo, explique-se: por que a birra com o doutor?

Marcos disse...

Lembrando que: birra = cerveja (em italiano)

Maurício Ayer disse...

cara, que ouvido poético! esse é o marcão!

olavo disse...

Acho o Sócrates demagogo e considero que ele representa algumas coisas que não gosto. Uma delas é a Democracia Corintiana, movimento uber-maxi-superdimensionado. Algo que pegou carona em uma questão real do país e se converteu em uma bela peça de marketing. Que "revolução" é essa que dura só dois (ou até menos) anos e não gera consequência nenhuma? Ou alguma coisa efetivamente mudou após a Democracia?

Também tenho certa bronca dele por conta da seleção de 1982. Acho que aquele time perdeu porque... perdeu, futebol é assim, um ganha e o outro perde. Mas declarações do doutor e de outras pessoas boas sugerem que aquele time perdeu meio que por opção ideológica pelo jogo bonito - e que se quisesse "jogar feio e perder" teria feito isso, numa cutucada óbvia à seleção de 1994.

Maurício Ayer disse...

Pois então, Olavo, faz sentido o que você diz sobre essa relação de 82 e 94, mas acho que é o jeito que muitas pessoas (longe de ser só o Sócrates, como você mesmo disse) encontraram para dar sentido a duas frustrações: a de ter perdido 82 e a de não ter se encantado com o futebol de 94.

Mas o ponto polêmico aí é a Democracia. Tive um professor de composição, hoje um grande amigo, o Flo Menezes, que costuma dizer o seguinte: em política, aquilo que não tem uma consequência imediata não tem valor, é apagado da história; mas em arte aquilo que pareça totalmente fora de lugar hoje pode ter consequência dali a anos, décadas, ou mesmo séculos, pois a conexão entre tempo e realidade é outro.

Acho que a Democracia Corintiana teve um papel importante no momento em que aconteceu, uma experiência da natureza do gesto. Foi um movimento simbólico, não proliferou nos outros clubes porque surgiu em condições muito específica, juntando uma diretoria, um grupo de jogadores e um grande líder: o Sócrates. Em 82, ver jogadores empunharem faixas "Vote consciente" e criarem uma dinâmica totalmente outra à relação entre jogadores, direção, funcionários do clube, torcida... não é nada banal.

Por outro lado, é dessas experiências políticas que têm uma boa dose de conexão com a arte. Mais ou menos como a Comuna de Paris ou Maio de 68, movimentos que foram derrotados, massacrados mesmo, mas que continuam abertos para serem pensados, ressignificados. Achar que a Democracia foi puro marketing é dar muita corda pro Washington Olivetto, que teve o seu papel na época mas que hoje é bem dispensável.

O que permanece de potência criativa na Democracia Corintiana remete inevitavelmente ao doutor Sócrates.

Leandro disse...

A verdade é que o Corinthians e sua torcida foram dos grandes condutores do processo de redemocratização do país.
Certamente as Diretas Já não teriam sido a mesma coisa se não existisse o Corinthians de Dr. Sócrates e da Democracia Corinthiana, mas é certo que muitas formulações foram e ainda serão expostas com o intuito de diminuir todo esse processo, por questões clubísticas, ideológicas, ou tudo isso misturado com muito gelo e limão.

fredi disse...

Lindo, Maurício. Falou várias coisas que eu queria e não soube como. (4)

Apenas uma historinha para mostrar que Sócrates tem vários defeitos, como todos nós, menos, creio, ser demagogo.

Há cerca de 10 anos eu e Renato Rovai fomos entrevistá-lo para a Revista dos Bancários (se não me falha a memória.

Sócrates marcou num bar (óbvio) em Moema às 11h da manhã. Como Renato atrasou-se, sentamos à mesa e eu pedi uma água. O doutor pediu uma cerveja e vendo o fotógrafo trabalhar, disparou. “Não vou sentar aqui e pedir água para fazer tipo. Se quiser fotografar bebendo pode fotografar.“

Entendi o recado. Renato chegou e pedimos cervejas também. Bebemos até cerca de 18h numa das mais divertidas entrevistas de que já participei.

Sócrates não estava com pressa, coitado de quem depois teve de transcrever as fitas (não lembro quem foi).

Disse também que a única lição passada aos filhos é que eles deveriam aproveitar a vida, se estavam bem num lugar não deveriam sair por obrigação ou ir para outros compromissos, deveria aproveitar o momento (as palavras foram outras, isso é de memória).

Daí porque, creio, ele riria ou teria ânsias de quererem transformá-lo em exemplo numa cruzada moral contra o alcoolismo.

Por ser médico ele sabia e sabe dos riscos, mas optou por corrê-los. Daí minha indignação com a capa da Época. É um moralismo do tipo “bebeu e se fu....”

O alcoolismo é um problema sério, mas não me venham com moralismo. Cada pessoa tem direito de fazer o que quiser com seu próprio corpo desde que assuma as conseqüências.

Viva e se recupere, doutor.