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terça-feira, setembro 27, 2011

Lula deve desculpas à elite ou A casa grande tem raiva

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O Eduardo Guimarães e o Rodrigo Vianna já falaram a respeito, mas é difícil ignorar esse assunto. É possível conhecer muitas pessoas, ainda mais no estrato social dos autores do Futepoca, que não gostam do Lula. Os motivos são variados: há quem faça críticas à esquerda; outros, à direita; alguns citam tolerância à corrupção; outros destacam contradições de seus dois governos. Tudo isso faz parte do debate democrático, e que bom que é assim.

Mas muitos dos “críticos” que conhecemos não enveredam por esse lado. Gostam de lembrar da origem social do ex-presidente, falam do seu jeito de se expressar, do seu português, da sua não-formação universitária. A desqualificação é baseada no preconceito, em uma suposta superioridade que o tal canudo da universidade confere a seu possuidor. Os antecessores de Lula provam que isso não é bem verdade.

Abaixo, a tradução do artigo Esclavistas contra Lula, de Martín Granovsky, feita pela Thalita Pires. O jornalista mostra perplexidade diante dos jornalistas brasileiros que elaboram perguntas que tentam emparedar Richard Descoings, diretor de Sciences Po, que concedeu o título Honoris Causa ao ex-torneiro. Vale ler e perceber como um argentino pode entender tão bem as motivações da elite do país vizinho. E do servilismo de parte da sua mídia em relação a essa mesma elite.


Os escravocratas contra Lula

Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Eles podem pronunciar sians po. É mais ou menos assim que se diz sciences politiques. Dizer Sciences Po é o suficiente para se referir ao encaixe perfeito de duas estruturas, a Fundação Nacional de Ciências Políticas na França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Não é difícil de pronunciar Sians Po. O difícil é entender, nesta altura do século XXI, como as ideias escravocratas permeiam as mentes das elites sul-americanas.

Esta tarde, o diretor da Sciences Po, Richard Descoings, entregará pela primeira vez o título de Doutor Honoris Causa a um latino-americano: o ex-presidente brasileiro, Luiz Inácio "Lula" da Silva. Descoings discursará, e Lula também, claro.

Para explicar corretamente sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório na Rue Saint Guillaume, perto da igreja de Saint Germain des Pres, de onde se podiam ver castanheiros com folhas amareladas. Entrar na cozinha é sempre interessante. Se alguém vai para Paris para participar como palestrante em dois eventos, um sobre a situação política na Argentina e outra no das relações entre Argentina e Brasil, não é mau entrar na cozinha em Sciences Po.

Pensa o mesmo a historiadora Diana Quattrocchi Woisson, que dirige o Observatório de Paris sobre a Argentina contemporânea, é diretora da Instituto das Américas e foi quem teve a idéia de organizar atividades acadêmicas na Argentina e no Brasil, do qual também participou o economista e historiador Mario Rapoport, um dos fundadores do Plano de Phoenix há 10 anos.

Claro que, para ouvir Descoings, haviam sido convidados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser agradável e didático. A Sciences Po tem uma cátedra sobre o Mercosul, os estudantes brasileiros vão cada vez mais para a França, Lula não saiu da elite tradicional brasileira, mas atingiu o maior nível de responsabilidade no país e aplicou planos de alta eficácia social.

Um dos meus colegas perguntou não havia problema premiar quem se gaba de nunca ter lido um livro. O professor manteve a calma e olhou espantado. Talvez ele saiba que essa jactância de Lula não consta em atas, embora seja verdade que ele não tenha título universitário. Tanto é verdade que quando ele assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2003, levantou o diploma dado aos presidentes do Brasil e disse: "Pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginei que o primeiro seria o de presidente da república. " E chorou.

"Por que premiar um presidente que tolerou a corrupção?" foi a pergunta seguinte.

O professor sorriu e disse: "Olhe, a Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais nem tira conclusões precipitadas. Deixamos esse e outros assuntos importantes, como a chegada da eletricidade em favelas em todo o Brasil e as políticas sociais, para o julgamento histórico." Ele acrescentou: "Hoje, que país pode medir outro moralmente? Se você quer levar a questão mais longe no tempo, lembre-se que um alto funcionário de outro país teve que renunciar por ter plagiado uma tese de doutorado de um estudante." Ele falou de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro da Defesa alemão até que se soube do plágio. Além disso: "Não desculpamos, não julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países."

Outro colega perguntou não havia problema em premiar quem uma vez chamou Muammar Khadafi de irmão. Com desculpas devidas, que foram expressas para o professor e colegas, a impaciência argentina levou a perguntar onde Khadafi tinha comprado suas armas e que país refinava petróleo, bem como o comprava. O professor deve ter ficado grato que a questão não citou, por nome e sobrenome, a França e Itália.

Descoings aproveitou para destacar em Lula "o homem de ação que mudou o curso das coisas" e disse que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como "um ou outro", mas como "um e outro", destacando o et, que significa "e" em francês.

Diana Quattrocchi, como uma latino-americana que estudou e se doutorou em Paris após sair de uma prisão na ditadura na Argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa de que a Science Po tenha dado o Honoris Causa a um presidente da região e perguntou quais eram os motivos geopolíticos para isso.

O mundo todo se pergunta", disse Descoings. "E nós temos que ouvir todos. O mundo ainda nem sabe se a Europa vai existir no ano que vem."

Na Science Po, Descoings introduziu incentivos para que alunos presumivelmente em desvantagem pudessem passar no exame. O que é chamado de discriminação positiva ou ação afirmativa, e parece, por exemplo, com a cota exigida na Argentina para que um terço das candidaturas ao legislativo sejam de mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa a Lula era um exemplo de ação afirmativa da Science Po.
Parte da elite daqui parece ter saudades de tempos idos
Descoings observou-o cuidadosamente antes de responder. "As elites não são apenas educacionais ou sociais", disse ele. "Aqueles que avaliam os que são melhores são os outros, não aqueles que são iguais. Se não, estaríamos diante de um caso de elitismo social. Lula é um torneiro que se tornou presidente, mas até onde entendo, foi eleito por milhões de brasileiros em eleições democráticas."

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembléia Geral da ONU, Lula enfatizou que a reforma do FMI e Banco Mundial estão atrasadas. Ele diz que essas agências, como funcionam hoje, "não servem para nada". Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) ofereceram ajuda para a Europa. A China sozinha tem o maior nível de reservas no mundo. Em um artigo publicado no El Pais os ex-primeiros-ministros Felipe Gonzalez e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Eles querem que o organismo seja o auditor do G-20. Em outras palavras, eles querem o oposto do que pensam os Brics.

No meio dessa discussão, Lula chegará à França. É conveniente avisá-lo que, antes de receber um Honoris Causa na Sciences Po, ele deveria pedir desculpas para a elite do seu país. Um metalúrgico não pode ser presidente. Se por algum acaso chegou ao Planalto, agora deveria se esconder. No Brasil, a casa-grande das propriedades eram reservadas aos proprietários de terras e escravos. Então, Lula, agora silêncio, por favor.

A casa-grande tem raiva.

O original está aqui.

11 comentários:

Moriti disse...

Preconceito ímpar. E, vejam, não que sejam todos, longe disso, mas muitos colegas jornalistas, quando destilam venenos elitistas, não incorporam apenas a visão do patrão. A voz preconceituosa é deles mesmos, que sentem-se representados/representantes no conceito de elite branca.

Thalita disse...

Primeiro: perdão pela tradução porca.

Sobre o texto, nada de novo, a não ser a concentração de preconceitos em um só lugar, mas perguntar pro diretor da Science Po se o Honoris Causa do Lula fazia parte de algum programa de cota foi além da cota normal de absurdos. Tenho muita vergonha.

Por fim, a jornalista d'O Globo mandou algo do tipo: Porque Lula e não FHC? E a pergunta e a resposta foram publicadas pelo jornal! #porqueNaoFHC já virou TT no Twitter. O pessoal dos jornalões e revistões já teve mais crédito...

Nicolau disse...

Fiquei entre enojado e envergonhado com esses caras. É um elitismo tão escroto, um preconceito tão óbvio. Passa tambpempor uma enorme falta de amor próprio, de quem não se sente à altura da França, de subserviência. Mas o grosso é mesmo discriminação: Lula não faz parte da mesma nação que eles, não é do mesmo povo. O povo deles é outro, melhor, merecedor de um lugar cativo na mesa das crianças no jantar dos poderosos. Pegam lá um docinho e se deleitam, babam, mas o uísque e o caviar fica com os adultos. Lula é de outra galera, que nunca teve docinhos. Então soube que precisava crescer e, como gente grande, meter o pé na sala do jantar e exigir uma bela feijoada, com caipirinha e cerveja gelada. Um terceiro sentimento surge agora: orgulho do povo de Lula, que também é meu.

Anselmo disse...

trabalhar com segmentação é compreensível. mas esses veículos tão exagerando na dose... o incrível foi ver o "por que não FHC?" virar primeiro nos trend topics em 20 minutos...

surreal...

Leandro disse...

Espera aí que eu vou ali vomitar e já volto.

Maurício Ayer disse...

Tem também um provincianismo absurdo. Esses jornalistas só leem os jornais em que escrevem ou o concorrente direto, que diz a mesma coisa. Aí saem de contexto e fazem esse papelão, e pior, sem perceber que estão fazendo papelão (ou O Globo mandou pra lá um foca qualquer?).

O pensamento único ainda tem ninho e, por definição, não consegue se enxergar como tal.

Maurício Ayer disse...

Anselmo, conclui-se que: FHC tem razão qdo incita os tucanos a atuarem com ênfase nas redes sociais? ou é território inimigo?

Helio disse...

E a Dilma?? O seu discurso fraco e insosso na ONU parecia o de um "novo rico", que fala baixinho esperando ser aceito na high society.

Nicolau disse...

Helio, rapaz, a mulher vai na casa dos States, critica as ações deles na crise, diz que todo mundo tem cisco no olho em termos de direitos humanos, defende contundentemente a criação de um Estado Palestino e sua entrada como membro da ONU (que os EUA já haviam prometido vetar) e você diz que a fala foi sem sal?! Aposto que o Obama achou bem apimentada.

PS.: Acordei agora, a cafeina ainda não bateu e uma cerveja no almoço vai cair bem, então desculpe-me se deixei passar a ironia, rs.

Maurício Ayer disse...

Nicolau, sugiro seguir o procedimento padrão de não alimentar troll.
ab.

Leandro disse...

Eu, que assisti o discurso da presidenta bêbado, não fiz a confusão que fez o Hélio.
Mas certamente esta má-vontade toda não é uma questão meramente etílica.