Destaques

quinta-feira, setembro 08, 2011

A política e o real peso da corrupção

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook



Na quarta-feira, 7 de setembro, data tão festiva, várias cidades do país receberam protestos contra a corrupção. O pessoal lembrou os caras-pintadas, botou nariz de palhaço e foi para a rua. Foi uma cobrança que vi por aí: pessoal se mobiliza por tudo nessa vida, menos contra a corrupção. Pois, pelo jeito, isso mudou um pouco. Bravo!

O que acho interessante é o peso que se atribui aos “malfeitos” com o dinheiro público, para usar termo caro à presidenta, para explicar os problemas do país. Seria esse o “ralo” onde escorre a grana dos impostos altíssimos (para o pessoal mais à direita) que deveria financiar saúde, educação e diminuição da desigualdade (para o pessoal mais à esquerda).

A Folha, no domingo, antecipando os protestos e incentivando a onda “pró-faxina” que tem animado a mídia, deu uma manchete meio dramática: “Brasil perdeu uma Bolívia em desvio de cofres públicos” (aqui no site do PPS, o que sem dúvida e sintomático). Trata-se de levantamento feito por economista da FGV com dados de órgãos de controle (como PF, TCU, CGU e outros) que aponta desfalque de pelo menos R$ 40 bilhões em sete anos nos cofres federais, o equivalente ao PIB da pátria de Evo Morales.

Coisa séria, sem dúvida. Mas será que é esse o maior dos problemas do Brasil? Vejamos um exemplo: o orçamento do Ministério da Saúde em 2011 foi de mais de R$ 70 bilhões. Quase o dobro do que se estima de perdas para a corrupção em sete anos. Ou seja, se a corrupção tivesse zerado nesses sete anos, nada se perdesse, e tudo fosse destinado à saúde, a pasta ganharia menos de R$ 6 bi por ano, menos de 10% em relação ao orçamento atual.

Ajudaria? Sem dúvida. Resolveria? Duvido bastante.

Outro exemplo, mais assustador. No Correio Brasiliense da segunda-feira, um grupo de entidades empresariais de vários setores publicou um anúncio intitulado “Menos juros, mais investimentos e empregos!” (assim, com exclamação mesmo - inflamados os empresários).

O texto apoia a decisão do Copom de reduzir em 0,5% a taxa básica de juros e traz alguns números pesados. Segundo ele, cada ponto percentual de redução na Selic leva a economia de R$ 15 bilhões ao ano em pagamento de juros. Outro, mais chocante: “Nos últimos dezesseis anos (oito de governo FHC e oito de governo Lula) o Brasil já gastou cerca de R$ 2 trilhões (valor histórico e sem correção) em juros da dívida pública”.

Para deixar mais claro: por decisões políticas absolutamente dentro da lei, em 16 anos R$ 2 trilhões deixaram de ser aplicados em saúde, educação e sei lá mais o que e foram destinados ao pagamento de juros da dívida pública. Em sete anos, numa conta sem sofisticação (ou até meio burra, de proporção), seriam R$ 875 bilhões gastos com juros – quase 22 vezes mais que as perdas estimadas com a corrupção.

E o PIB da Bolívia, de repente, ficou menorzinho...

Claro que o combate à corrupção é fundamental e a punição dos crimes deve ser feita com o rigor previsto em lei. Ninguém aqui nega isso. A questão é tratar essa necessária vigilância contra os malfeitores como a panaceia para livrar o país de todo o mal. Há decisões políticas tomadas legalmente que definem o destino de muito mais dinheiro do que o perdido para a corrupção – e sem nenhuma participação, consulta ou manifestação da população. A discussão desses temas na sociedade é tão ou mais importante do que cobrar medidas contra a corrupção.

E é politizante: força as pessoas a pensarem no que querem para o país, qual o melhor destino para os recursos, avaliar a posição do governo, de cada partido, de cada parlamentar, de cada entidade de classe. O debate é sobre o que é feito da coisa pública.

Jogar todos os males na corrupção cria a impressão de que, fechando o tal “ralo”, teríamos automaticamente grana para resolver tudo. Mas é simplificar demais o que é complexo e deixar as pessoas no escuro sobre o que está realmente em jogo.

Democracia é, também, isto: um jogo de pressões em que os grupos sociais se organizam para decidir o destino do bolo de recursos arrecadado pelo Estado. Os agricultores vão cobrar medidas de financiamento da lavoura; os empresários pedem redução de impostos; os trabalhadores pedem proteção ao emprego e outros direitos; o movimento da saúde pede mais grana para o SUS; o dos pesquisadores, mais grana para ciência e tecnologia. É no jogo de pressões que se determinam as prioridades, com o filtro da agenda do governo eleito.

Como o cobertor é sempre curto, dizer que a culpa é da corrupção colabora para ocultar esse jogo político legítimo de pressões sociais. E faz com que as pessoas se distanciem, não se organizem e não pressionem por suas demandas. Aí, quem pressiona leva mais fácil.

Outro sintoma é a vilanização de partidos políticos, sindicatos e outros movimentos, que foram deixados de fora das marchas contra a corrupção. O pessoal se pretende “apartidário” e acaba sendo “apolítico” e, no limite, antidemocrático. Disse alguém aí que “o destino de quem não gosta de política é ser governado por aqueles que gostam”. Melhor o pessoal tomar cuidado e começar a se meter nas reais decisões sobre seu dinheiro.

9 comentários:

Daniel disse...

Muito se agita passeatinhas paz e amor contra a violência, o bullying e a corrupção, mas raramente se propõe qualquer tipo de participação política real. Mais do que mostrar indignação talvez esse tipo de manifestação reforce ainda mais a mentalidade que separa o Estado da população, colocando políticos (que são de fato funcionários públicos) como seres de outra esfera, cujos males só são resolvidos pelos da mesma casta.

Alê M. disse...

Quando alguém resolver medir o que perdemos por conta da incompetência, vai ser uma beleza! É muito dinheiro mal gasto!!!

Outra coisa: Pq tanta bronca com o pagamento de juros da dívida? É mesmo um absurdo pagar juros da dívida publica, mas lindo ver o dinheiro investido render?

Glauco disse...

Muito bom o post. É interessante ver a análise radicalizada de dois lados. Por um, entusiastas e "otimistas" comparam a manifestação (numerosa em Brasília, pífia em São Paulo e em outras cidades) com outras manifestações pelo mundo, como as da Espanha. Além de não se compararem em tamanho, divergem no alvo, embora tenha visto em jornais que ambas "não têm objetivo definido". Na Espanha, as demandas são por mais participação, por democracia direta, pela abertura de meios pelos quais a população possa decidir. Aqui não: é algo como "não queremos corrupção, aplica aí o Ficha Limpa e toma conta do cofre pra que eu possa voltar pra casa tranquilo". Deu pra perceber a diferença? Obviamente, não se tira a legitimidade de uma nem de outra por serem diferentes. Mas é necessário ressaltar que são diferentes.

Por outro lado, há quem compare tais manifestações com a marcha que ajudou a consolidar o golpe de 1964. Dessa vez, parece que os militares foram tentar fazer valer seus interesses corporativos sem golpismo. Não vejo "golpismo" na manifestação, mas que ela pode ser usada pela oposição ao governo mesmo que não seja essa a intenção original do movimento (movimento?), pode. Até aí, é do jogo político, assim como a manifestação ultra-favorável da mídia comercial e seu afã em tentar ligar a manifestação a um sentimento anti-corrupção direcionado ao governo federal. Não tem novidade, dá raiva nos governistas ou em quem zele por um jornalismo isento (não necessariamente imparcial), mas é o que temos há algum tempo.

Nicolau disse...

Alê M., o post não trata de nenhuma bronca minha com o pagamento de juros, só quis demonstrar que uma decisão sobre eles afeta muito mais a vida das pessoas e os cofres públicos que a corrupção. E se assim é, acho que seria importante discutirmos o que fazer com isso: paga, não paga, aumenta a Selic, diminui... Se você acha que tem que ficar alto e que o governo tem que pagar, maravilha, é sua posição democática. A minha seria por uma queda muito mais rápida, se é pra entrar no mérito.

Sobre a qualidade do gasto, aguardo o estudo a respeito. Mas aposto uma caixa de cerveja que não chega aos pés dos gastos com pagamento da dívida. E aposto uma breja só que também não empata com um ano de orçamento da saúde. O problema é antes de tudo político, de definir prioridades.

PS.: Meus parcos tostões estão numa conta-poupança, mais por desleixo que por opção política. Mas é um fato, hehe.

Olavo Soares disse...

O melhor post que li a respeito do 7 de setembro. Parabéns!

Nicolau disse...

Valeu, Glauco e Olavo! Pessoal curte mesmo é uma simplificação. Quem dera fosse tão fácil...

Maurício Ayer disse...

Muito bom mesmo. Seus parabéns!

A pergunta que não quer calar é: foi decisão política quando o Nivaldo decidiu que não ia pagar os juros de sua impagável dívida e continuar destinando os recursos à cerveja?

Moriti disse...

Infelizmente, as manifestações dessa natureza não são extamente mobilizações, como na Espanha, onde ocorreu tudo o que o Glauco já disse.
Digo, infelizmente, claro, pois elas rolam forte no Brasil.
E a coisa pode até não ser golpista, mas tem em comum com 64 a simplificação das coisas. Seja nessa atual, no Cansei ou na Marcha com Deus ser simplista é a tônica para amealhar simpatizantes. "Combate ao comunismo", "combate à corrupção", enfim, são essas mensagens reducionitas que levam o pessoal pra rua.

Anselmo disse...

mto bom mesmo o post e a reflexão sobre o custo das decisões políticas.

o ponto q mais considero interessante de pensar e de se discutir é mesmo o caráter despolitizador e simplificador que o discurso anticorrupção pode produzir.