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sábado, outubro 15, 2011

Para refletir: Neymar e nós

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Foi o companheiro Olavo, que escreve no Escanteio Curto, que repassou o texto que segue abaixo por e-mail. Ele narra um episódio ocorrido depois da partida entre Atlético-MG e Santos, na quinta-feira. E serve para refletirmos um pouco a respeito do estresse e da pressão que jovens e não tão jovens jogadores, técnicos e toda gente do futebol profissional (e de outras carreiras também) sofrem no dia a dia. 
Boa parte das vezes não hesitamos em apontar o dedo para eles e exigir o equlíbrio (alô, Tite), a ousadia ou a genialidade que nem sempre conseguimos ter no nosso cotidiano. Talvez a graça da brincadeira seja essa: queremos que eles sejam um pouco ou muito do que não somos ou do que nunca vamos ser. Mas são iguais a nós a maior parte do tempo. E falham como qualquer um.

Neymar e nós (publicado em Velho Ludopédio)

Atlético-MG e Santos jogaram na Arena do Jacaré, na noite de ontem, pelo Campeonato Brasileiro da Série A. O Galo venceu por 2 a 1, e o atacante Neymar, do Santos, foi expulso, já no final do jogo, por reclamar e ironizar o árbitro da partida. Foi repreendido no vestiário pelo técnico Muricy Ramalho, de forma tão veemente, que deixou o estádio chorando muito.

Eu estava na cobertura do jogo. Depois da partida, me posicionei perto da saída dos jogadores do Atlético, fazendo meu trabalho rotineiro, de entrevistar os atletas e tirar fotos. Cumpri meu trabalho normalmente, como em todas as partidas. Foi quando Neymar saiu do vestiário do Santos, cercado por seis seguranças gigantescos. Truculentos, como boa parte dos seguranças, não todos, claro.

Os guarda-costas foram abrindo caminho com empurrões para escoltar o jogador até o ônibus do Santos. Vendo a desnecessária cena, já que não havia tumulto na porta da Arena do Jacaré, alguns jornalistas - eu, inclusive - fizeram comentários sobre o que viam e sobre Neymar. Coisas do tipo:

- Que cara mala!

- Mas que bosta, pra que isso tudo?

Concordo plenamente que não é nosso papel comentar saída de atletas do estádio, muito menos em voz alta. Não estamos ali pra isso. Mas, de forma alguma, o que fizemos foi provocativo. Prova disso é que não há nenhum registro de tumulto ou queixa contra o pessoal que estava naquela roda. O clima na saída do estádio era o mais tranquilo possível, ainda mais porque o Atlético tinha vencido a partida. O que os fãs de Sete Lagoas queriam era tirar fotos com o jovem craque. Não digo nem por nós, jornalistas. Já estamos acostumados a Ronaldinhos Gaúchos, Romários e Edmundos da vida. Um jogador sair sem falar conosco é coisa rotineira, tanto que ninguém da imprensa mineira portava microfone ou câmera para abordar Neymar.

O que aconteceu a partir daí é que foi surpreendente.

Neymar, ao ouvir nossos comentários, parou e voltou até nossa roda. Digo mais uma vez. Ninguém o provocou, conversávamos entre nós, e ele ouviu porque passou a meio metro da roda. Os seguranças tentaram contê-lo, mas ele insistiu e disse que queria falar comigo. Eu assenti com a cabeça, ele se aproximou. Estendeu a mão pra mim e disse:

- Te peço perdão, cara. Não sou o que você disse. Estou chateado, não quis fazer nada para desagradar você e sua cidade. Me perdoe, por favor.

Espantado, como todos ao meu redor, só tive tempo de balbuciar, antes que ele saísse.

- Tudo bem, cara. Tá desculpado. Esquece.

***

O espanto foi ficando cada vez maior, enquanto Neymar se afastava. Ainda mais porque todos nós sentimos total sinceridade no que o menino disse. Com o rosto inchado de chorar e ainda com lágrimas escorrendo pela face, vimos ali um ser humano, falível e arrependido por erros que cometeu e que cometeram por ele. Claro que a maior parte deles, com sua anuência.

Não deve ser fácil ser Neymar. Não vou aqui cair no lugar-comum de fazer contas sobre seus rendimentos, sua fama, seu trânsito livre em qualquer lugar do Brasil. Se os tem é porque merece, tem talento e trabalhou para isso.

A pressão sobre o moleque é monstruosa. Dirigentes, torcida, patrocinadores, empresários, agentes. É gente demais cobrando, dando palpites e querendo guiar a cabeça dele pra alguma direção diferente. Pra se ter uma ideia, este jogo contra o Galo foi o 59o disputado por Neymar este ano. E ainda tem o restante do Brasileirão e o tão sonhado Mundial de Clubes, em dezembro.

É claro que ele recebe pra isso. E muito bem, por sinal. Mas, a fama e a idolatria de boa parte da juventude brasileira não dão a Neymar o direito de passar por cima de todos nem de se julgar melhor que ninguém. Problemas comuns para nós mortais como contas, prestações e dívidas não fazem parte da vida de Neymar. É exatamente o que eu já disse aqui. Ele fez por merecer tudo o que tem, mas precisa ter prudência para administrar tudo o que é intrínseco a esta fama absurda e sem limites.

***

O episódio de ontem foi minúsculo, presenciado por, no máximo 10 pessoas, se tanto. Mas foi marcante. Não me arrependo hora nenhuma do comentário que fiz ao ver Neymar cercado por um paredão de brutamontes, como se alguém ali quisesse morder sua orelha ou lhe roubar as correntes de ouro. Foi exagero mesmo, foi uma bosta mesmo, com a desculpa pelo termo chulo.

Mas o perdão que ele me pediu, com os olhos cheios d´água, pareceu verdadeiro. E eu espero que tenha sido mesmo. Espero que ele tenha, nem que por um mísero segundinho, percebido que não é, na essência, aquilo que demonstrava ser, ao deixar um ambiente totalmente amistoso, como se fosse para a guerra.

Neymar errou, ao aceitar fazer parte daquele circo ridículo. Nós erramos também, ao não perceber a fragilidade do menino naquele momento. Espero que todos tenham aprendido a lição. Pra mim, foi uma experiência e tanto.

Obrigado Neymar, por ter sido humilde ao me pedir desculpas. Mas, principalmente, muito obrigado aos meus companheiros Igor Assunção, Fábio Pinel, Victor Martins, Felipe Ribeiro e Gustavo Faria, por não deixar morrer em mim o espírito crítico que move o exercício do bom jornalismo, que tento fazer todos os dias. 


(O original está aqui)

6 comentários:

Moriti disse...

A pressão sobre esse moleque realmente é desproporcional. Num modelo de sociedade que prega a competição desde tenra idade, desde as bases das salas de aula, e depois em muitos dos círculos de convivência que se estendem vida afora, sempre instando para que "sejamos os melhores", que "só os fortes vencem", imaginem isso amplificado em um universo hiper- exposto, como o do futebol. Tudo isso, numa cabeça de 18 anos.

Leandro disse...

O que atacantes como Neymar apanham durante noventa minutos não é fácil. E sem que nada se faça a respeito.
Vendo jogos no Pacaembu, um campo com visibilidade muito boa se comparado à maioria, pude ver há poucos metros dos meus olhos o mesmo dilema e a mesma conivência de juízes, bandeiras e parte da imprensa com a desmedida violência contra jogadores como Gil, Tevez, Nilmar, Marcelinho, Jô, Ronaldo... Isso para ficarmos só no passado recente.
Os caras apanham com e sem a bola. Muitas vezes, ela está bem longe ou está vindo no ar e os defensores, aproveitando a deixa, já estão golpeando com o cotovelo, chutando por trás, agarrando, pisando no pé... E os árbritros e bandeiras ignorando tudo isso de forma solene.
É natural que uma hora os caras percam a cabeça, mas neste momento os homens do apito podem colocar qualquer abobrinha na súmula e se esquivar.
Vide o caso recente do Emerson, que custou ao jogador e ao Corinthians uma suspensão injusta e que certamente contribuiu para os últimos resultados negativos.
Os juízes não só são coniventes com a violência como também falam horrores para os caras dentro do gramado, mas o poder do apito e da súmula acaba invertendo as bolas e transforma as vítimas em agressores.

Luciana Nepomuceno disse...

Eu ia dizer o que o Leandro disse melhor e com melhores exemplos. Fico indignada com essa insistência em chamar o Neymar de cai-cai mesmo quando - explicitamente- estão (desculpa a palavra) descendo o cacete nele. Isso, claro, não justifica o comportamento truculento de guarda-costas ou declarações irrefletidas do próprio jogador. Eu sei que ele ganha pra isso mas a montanha -russa de gênio completo a impostor em 7 dias todas as semanas é uma barra bem pesada.
Eu gosto do futebol do Neymar. Aliás, penso que é uma boa geração e se houvesse um bom planejamento poderíamos ter uma seleção realmente talentosa. Fico triste pensando no sistemático desperdício que já vislumbro.
Aliás,depois do desabafo, o principal: belo texto.

Maurício Ayer disse...

Muito bacana saber que essa cena aconteceu. Os garotos talentosos são hoje submetidos ao jogo do supermarketing. E não basta serem aqueles "pouco ou muito do que não somos ou do que nunca vamos ser", eles têm que ser modelos de moral e de decisões sábias. Em outros tempos esperava-se o arrojo, a habilidade e mesmo uam boa dose de inconsequência dos garotos, mas a sabedoria dos velhos.

De tanto desprezar os velhos, nossa sociedade acabou por perdê-los. Já não temos referência material (ou mesmo materialista) de sabedoria, isso ficou legado aos clichês de autoajuda.

A pressão para jogar bola o Neymar tiraria de letra, ele sabe do que é capaz. Mas ao mesmo tempo tem que suportar a pressão de ser exemplo moral justamente para aqueles hipócritas que não cansam de agir conforme inconfessáveis interesses: dirigentes, jornalistas esportivos, empresários e por aí vai.

A discussão sobre como vamos proteger esses adolescentes (mesmo multi-milionários, não importa) deveria estar muito mais presente.

Maurício Ayer disse...

Outra coisa que esqueci de dizer: me incomoda a crença do autor desse texto em que possa julgar Neymar. No fundo, em essência, permanece o mesmo problema: achamos que temos esse direito, porque os caras "ganham pra isso" ou talvez só pelo fato de que dedicamos muitas horas semanais de nossas vidas a esses moleques.

Jair Ônico disse...

Alguém acredita que foi o Neymar quem pediu seis(!) seguranças para acompanhá-lo?