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terça-feira, fevereiro 07, 2012

Aeroportos, ônibus e contradições

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O tema desta terça-feira foi a privatização dos aeroportos feita pelo governo federal na segunda. Foram vendidas participações nos aeroportos de Guarulhos, o maior do país, Campinas e Brasília, em leilão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O governo comemorou o alto valor alcançado, R$ 24,5 bilhões no total, com um ágio médio de 347% nas três operações.


De um lado, os tucanos, com o perdão do trocadilho aviário, pavoneiam-se do PT ter caído em si e aceitado o evangelho privatista. Do outro lado do espectro político, o pessoal à esquerda ficou deveras escandalizado com o que consideram uma traição da presidenta. Afinal, o debate sobre as privatizações, com o PT de Lula e Dilma como nacionalistas estatistas e o PSDB de Alckmin, Serra e FHC como vendilhões da pátria, foi um dos pontos altos das duas últimas campanhas eleitorais – a cena mais marcante (ou patética) fica para Geraldo Alckmin usando camisa da Petrobras e colete do Banco do Brasil.


Antes de mais nada, uma questão técnica. O que foi feito não foi bem assim uma privatização. Quer dizer, foi: o governo vendeu parte das ações dos aeroportos, mas a Infraero manteve 49% deles. Ou seja, a União continuará sendo sócia de todos. Os vencedores do leilão ficam com a concessão de operação por prazo determinado. No caso de Guarulhos, por exemplo, foram R$ 16,21 bilhões por 20 anos. O patrimônio continua sendo parcialmente da União, mas será tocado pela iniciativa privada. Como nas estradas. Ou, mais próximo ainda, nas concessões de ônibus urbanos.


O João Villaverde, nesse post sensato, argumenta que politicamente não faz diferença, o que até é verdade. Mas na prática, faz muita. Nesse sentido, se tiver que me escandalizar com alguma concessão, sinto muito mais prejuízo em ter pouco controle sobre os ônibus urbanos, por exemplo. Peguei avião um número de vezes que cabe nas duas mãos – e devo estar acima da média do brasileiro. Ônibus, meu chapa, todo mundo pega – e não vejo essa chiadeira toda a respeito.


Mas sou exceção nas hostes esquerdinhas. De minha parte, não sou necessariamente contra privatizações. Sou contra certas privatizações. Vender a Petrobras, pelamor, é uma ideia ridícula, como foi ridícula a venda da Vale. Primeiro, porque junto com a empresa foram vendidos contratos de exploração de minérios válidos por décadas. Vendeu-se o solo brasileiro, patrimônio natural (e esgotável) de nosso povo. Isso, sou contra.


Pior: na década e 90, governo tucano e mídia fizeram uma campanha intensa para desvalorizar as estatais. É meio você querer vender seu carro e sair por aí dizendo no boteco que ele não presta. Pois é, o preço cai. O aeroporto de Guarulhos é gigante, importante e coisa e tal, mas ninguém tem a ilusão de que ele valha mais do que a Vale do Rio Doce valia quando foi vendida. Pois pagou-se por ele R$ 16,21 bilhões, contra R$ 3,3 bilhões na Vale. Não dá pra comparar o dano causado à nação por essas duas decisões.


O Nassif, nesse post curto, levantou outras questões que diferenciam o modelo de privatizações dos anos 90 e o concretizado ontem:

1. A Infraero mantem 49% do capital.

2. O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) financiará exclusivamente os investimentos previstos. Nos anos 90 financiava a compra.

3. Os recursos arrecadados serão destinados a aeroportos menores.

Vamos combinar que é beeeem diferente? Todo mundo pode ser contra privatizar aeroporto, empresa, estrada e o diabo – ou querer vender até escola primária. Ninguém precisa concordar com nada do que a Dilma diz – por exemplo, ao dizer que “agora esperamos uma administração eficiente dos aeroportos”, duvido que os funciários da Infraero concordem com a presidenta. Com certeza, se trata de mais uma das tantas e tantas contradições dos governos petistas e cada um vai avaliar com seus botões se é o bastante para se considerar a gestão uma decepção e levar seu voto para outras paragens. Mas é obrigação não ser leviano e nem desonesto no debate.

10 comentários:

Maurício Ayer disse...

R$ 16 bilhões por metade das ações. Na minha conta de padeiro dá 10 vezes o valor pelo qual a Vale do Rio Doce foi vendida. Isso diz muita coisa.

Nicolau disse...

Um complemento: o Paulo Henrique Amorim achou esse vídeo da Dilma falando na eleição que ia fazer exatamente o que fez na Infraero e aeroportos.
http://www.conversaafiada.com.br/video/2012/02/08/privatizacao-dilma-nao-traiu-o-seu-voto/

Edu disse...

Só uma correçãocinha, o patrimônio (aeroporto) não permanece parcialmente com a União. Os aeroportos ainda são completamente da União. Não houve alienação parcial ou total. O que foi concedido à iniciativa privada é a operação de terminais e algumas outras coisas. O controle do tráfego aéreo, por exemplo, continua estatal.

E privatização por privatização, sou contra ambas. Nem adianta falar que é concessão, porque nunca vi concessão alguma retornar ao Estado.

João Quirino disse...

Assino embaixo.

Glauco disse...

Essa manchete do Valor é algo assustadora: "Preços pagos no leilão superam geração de caixa de aeroportos". Por um lado, o governo pode comemorar o grande ágio. Por outro, pode-se esperar que as concessionárias estão esperando um aumento de caixa. Adivinha pra quem vai sobrar a conta?

Anselmo disse...

pelo histórico de concessões públicas no setor de transporte (leia-se rodovias), o pedágio sempre ficou mais e mais caro.
A Anac vem com o discurso de que vai haver competição entre aeroportos por passageiros. Mas isso se aplica, entre os licitados, apenas a Guarulhos e Viracopos (o mais etilicamente correto dos terminais de passageiros de que se tem notícia).
Mesmo tendo certeza de que o modelo de privatização é diferente, é mesmo o resultado que vai ser definitivo. Nesse sentido concordo com o Glauco.

A fonte em off ouvida pelo valor sugere que "a saída da futura concessionária será explorar receitas não tarifárias - como publicidade e espaços comerciais - rapidamente para obter retorno do investimento". O motivo: "Ela precisará antecipar obras como uma mega-ampliação do estacionamento e a oferta de hotéis e até centro de convenções no entorno do aeroporto".

Isso porque, dificilmente vão conseguir acelerar tanto assim a expansão do terminal propriamente dito. E há restrições no aumento da tarifa, embora possa se criar a cobrança para passageiro em conexão... A conferir.

Outra fonte, das empresas, diz que tá tudo sob controle. Sei lá.

Nicolau disse...

Sobre as estradas, tem um porém justamente nos leilões feitos pelo governo federal. A diferença em termos de preço cobrado foramgritantes em relação à estradas estaduais em SP.

Isso não quer dizer que vá funcionar assim nos aeroportos. É só pela justeza da informação, rs. A CUT já havia avisado de possíveis aumentos de tarifas:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19558

E o Mantega defende a ação pela necessidade de investimentos sem dinheiro em caixa - e a Carta Maior lembra que, só de juros da dívida, vão R$ 140 bi em 2012:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19581

Sobre essa dos juros: a opção seria naõ pagar, é isso? Moratória mesmo ou só deixar a dívida acumular? Quais as consequências de cada decisão? Odeio essa merda de superávit primário, mas não tenho clareza se o bônus do rompimento é maior que o ônus.

Carlos André disse...

Concordo plenamente.

Nicolau disse...

E o Zé Dirceu acha os tucanos gritam sobre aeroportos é pra jogar fumaça na CPI da Privataria, a ser instalada (espera-se) pelo presidente da Câmara Marco Maia:
http://www.zedirceu.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=14476&Itemid=2

Nicolau disse...

Ainda sobre as concessões de aeroportos, outra avaliação interessante sobre o impacto político:
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-significado-politico-das-concessoes-de-aeroportos#more