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terça-feira, dezembro 25, 2012

Nós estávamos todos lá

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Não podia haver melhor oportunidade para a inauguração do novo estádio do Corinthians, ao extremo leste de São Paulo. Parece que foi ontem... ou foi ontem? Foi ontem mesmo, eu estava lá, junto com mais de 30 milhões de gaviões, na maior lotação de um estádio da história da humanidade. Antes, já tinham lotado o terminal, com samba, suor e cerveja, para ir ao jogo. Depois, a vitória magra sobre o Al Ahly foi uma dose de má cachaça na fuça dos jogadores – ou mesmo a derrota pros reservas do São Paulo. A final seria em casa, mas contra o perigosíssimo São Caetano. 

Corinthians e São Caetano jogam parecido, diz-se, mas se o primeiro é tido como uma equipe sem estrelas, o segundo tem craques de várias seleções, como a inglesa ou a brasileira. O Azulão chegou ao mundial armando uma retranca furiosa contra o invencível Barcelona. O Corinthians venceu o tradicional papão Boca Juniors com um gol urdido por seu maior símbolo, o imortal Sócrates. 

Pouca gente conhece essa história. Quando o Corinthians foi fundado, em 1910, um palmeirense muito poderoso leu o futuro nas tripas de um porco morto na segunda lua minguante do ano (uma segunda-feira), e proferiu a seguinte maldição: “Só um grande líder grego levará os Corintos a dominarem o continente. Ele terá a sua chance, se falhar, legará as trevas aos seus descendentes”. Quando Sócrates chegou ao clube, os conhecedores da profecia sabiam que ele era o ungido. Sócrates lançou sua luz muito além dos gramados, falou a todos de seu tempo e ganhou o Brasil com uma mensagem de igualdade e democracia. Conquistou um lugar único na história do país, mas não um título nacional. 

Os anciãos corintianos não tinham dúvida: o tempo passara. Não podiam dizer isso aos mais novos, mas o Corinthians jamais seria campeão da América. A morte de Sócrates antes mesmo da partida final do Brasileiro de 2011 veio como um luto profundo para toda a nação.

Naquela noite sonhei com um dos profetas corintianos mais poderosos que conheci: o velho Diógenes Budney me apareceu com o seu sorriso calmo, fumava um cigarro feito a mão, ergueu a sobrancelha e apontou com o nariz para um lugar atrás de mim, voltei-me, e vi o Magrão aquecendo, cabeceando a bola que um companheiro lhe lançava. Um sentimento de paz onírica me tomou. Corta para o profeta Diógenes, que pronuncia “um simples estrogonofe não atingiria o Doutor”. Acordei angustiado. 

O Timão levou o título nacional e qualificou-se para a Libertadores 2012. Os jogos foram se sucedendo sem que o time perdesse. Era questão de tempo. O time esteve a ponto de cair diante do Vasco e do Santos, mas ultrapassou todos os adversários e enfrentaria o grande carrasco dos times brasileiros, o terrível Boca. Na Bombonera, o menino Romarinho marcou em jogada que passou pelos pés de Paulinho e Emerson, o Sheik, e o resultado foi um empate. No Pacaembu, bastava tomar um gol para o sonho acabar, e ele fatalmente viria. 

Até que surgiu uma falta próxima da lateral direita no ataque corintiano. Parecia ser uma jogada ensaiada: Alex bateu na cabeça de Jorge Henrique, que pelo jeito deveria cabecear pra trás, jogando a bola no centro da área. Foi quando aconteceu o milagre. JH até que cabeceou direitinho, mas a bola estranhamente subiu demais, saiu da tela, atraída por flagrante antigravidade. Dá pra ver no vídeo que um facho de luz desceu junto com a pelota, desviando a parábola, ela foi parar fora da pequena área. Danilo se viu obrigado a buscar a bola de costas para a meta boquense, mas naquele momento ele já era apenas um veículo, um cavalo para que o gênio de Sócrates se manifestasse uma última vez, deu o calcanhar perfeito que colocou na cara do gol o Emerson (até esse momento eu não tinha reparado como ele é a cara do Casagrande), que pôs pra dentro. 

Ele estava lá, e se manifestou para nós. 

Um arrepio correu meu corpo, revi o sorriso do velho Budney, tudo ficou claro: Sócrates precisou morrer para poder jogar a final da Libertadores. A maldição está quebrada, o Corinthians é campeão da América. 

Os profetas corintianos que consultei não souberam ou não quiseram ou não podiam me dizer nada sobre a final do Mundial contra o São Caetano. A opção estratégica de Tite foi clara: remontar o time da final da Libertadores. Um time guerreiro, coeso, que dificilmente toma gols e que é capaz de atropelar qualquer adversário. Mais que isso, um time iluminado, que teria ao seu lado 86.767 mães e pais de santo, além de padres, pastores, pajés, sacerdotes de todos os credos. Em campo, o Timão faria uma parte, mas de nada valeria sem a adequada configuração astral, sem o alinhamento dos planetas, o mesmo que segundo profetas de outros setores reconhecidamente levaria ao propalado fim do mundo. A maneira de evocar essas forças seria recolocar as peças em consonância com as estrelas: sim, Jorge Henrique tinha que entrar. 

Apesar de disputar em igualdade o território, o São Caetano criava chances muito mais perigosas que o Corinthians. Cássio foi o salvador, muito por suas qualidades de goleiro, mas muito também por sorte, pois alguns tiros, se desferidos sem nervosismo, fatalmente entrariam. 

Foi o calcanhar de Paulinho que evocou o Doutor dessa vez, novamente a cabeça de Jorge Henrique toca a bola, Paulinho cruz a área, Danilo toma a bola e chuta mascado, ela sobra para a cabeça de Paolo Guerrero. Um gol do Peru, um gol de Natal, um gol presente, gol de renovação.  

Em noite de São Jorge, gol do Guerrero. 

Gol de São Jorge.  

O Corinthians é bicampeão do mundo. Desta vez, foi campeão passando pela Libertadores. 

Um mundo acabou ali. O próximo mundo, que começou agora, é corintiano.  

6 comentários:

Leandro disse...

Lá em Londres, vez em quando, me sentia longe daqui.
E lá em Londres pude perceber que, se a comparação com o Azulão faz muito sentido por conta das cores do uniforme, no caso do time londrino, situado num bairro esnobe da capital dos piratas, faz ainda mais sentido a comparação com o time paulistano igualmente identificado com a aristocracia local e situado no também esnobe bairro do Morumbi. E também cabe a comparação com o grande rival da Pompéia, por conta do grande número de ultrarracistas entre seus torcedores, feitos os filtros necessários.
Pero, marido de la pera, deixando de lado o rival do dérbi que não teremos no Brasileirão do ano que vem e o do clássico que poderemos ter no sulamericano de várzea que eles tanto gostam, neste ano em que nossos antis saíram em férias, eu digo que lamentei três coisas.
A primeira foi O Doutor não ter acompanhado este ciclo que teve seu marco inicial, curiosamente, na manhã do dia de sua morte.
A segunda foi não estar mais em Londres, coisa que teria encurtado meu caminho em termos de quilômetros e, consequentemente, em termos de dólares, euros ou ienes para ir à terra do sol nascente participar destes momentos históricos.
E por último, sim, eu lamentei não ter sido possível estar lá no Japão para viver estes momentos históricos.
A invasão de 76 não foi possível porque eu ainda não estava aqui. A final de 77, maior jogo de nossa história desde sempre e para sempre, não foi possível porque eu tinha, digamos, acabado de chegar. E a invasão de janeiro de 2000 foi inviabilizada por conta de compromissos e circunstâncias profissionais e sócio-econômicas.
Mas mesmo com todas as minhas reservas quanto a estas disputas modernosas e pseudo-modernosas, frutos destes tempos bicudos de "globarbarização", digo que seria bom ter marcado presença naquele momento histórico e ter feito parte do maior êxodo transcontinental em tempos de paz que se tem notícia.
Êxodo este que pode representar, inclusive, um marco de renovação e de outro enfoque na disputa do tal torneio. Quem sabe até com a reserva de uma data no calendário só para ele, conforme já andei mancomunando (sugerindo) por aqui.
Agora, o negócio é comemorar (beber) e seguir atentos às possibilidades que o Corinthians vive oferecendo para não só viver, mas fazer parte da história.
De cheirar, tocar, provar e usar todos os sentidos neste mundo outra vez corinthiano, neste novo ciclo que agora se inicia e que os maias, muito discretamente, já haviam caguetado milênios atrás, com uma margem de erro de alguns pífios dias, antecipando outros tantos, que jamais sairão de nossas corinthianas retinas.

Nicolau disse...

Genial, Maurício. Sem mais.

Saudações alvinegras.

Anselmo disse...

"só um estrogonofe nõa atingiria o Doutor".

Maurício Ayer disse...

Você também estava lá, Leandro!
De copo presente.

Leandro disse...

A julgar pelo título da postagem, você tem absoluta razão, dileto Maurício!
Só não lavei as mãos, e é por isso que eu me sinto cada vez mais, bicampeão mundial!
E não tinha mesmo como ignorar este sinal dos maias. Povo que, a exemplo do povo corinthiano, foi vítima de tantas injustiças e de tantos atos de violência, mas que deixou a marca de sua genialidade, apesar dos pesares.
Que mais esta vitória do Corinthians leve a vitórias essenciais na vida.
Vai, Corinthians!

Moriti disse...

Parabéns, Maurício! Sensacional o texto!