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segunda-feira, julho 15, 2013

Merval Pereira, o trabalhador, as manifestações e o que isso tem a ver com a democratização da comunicação

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Quem cantou a bola foi o Azenha nesse post do Viomundo. De fato, a conversa entre o “imortal” Merval Pereira e Carlos Alberto Sardenberg é daquelas memoráveis pelo que nem dá pra chamar de “atos falhos”, já que a opinião do membro da ABL já foi emitida, de outras formas, em ocasiões diversas.
O áudio está aqui, mas selecionamos os “melhores momentos”:

Sardenberg – As centrais sindicais tentaram pegar uma carona nessa onda de manifestações mas não se deram muito bem não, né?
Meval – Não, não, ficou muito claro que a capacidade de mobilização delas é menor do que a capacidade de mobilização das redes sociais. E também a adesão popular foi nula, praticamente. Porque também as reivindicações eram coisas muito específicas da classe trabalhadora, né? Jornada de 40 horas, fim do fator previdenciário, esse tipo de coisa que só mexe com quem está com esse problema, né?


Bom, primeiro que dizer que as centrais “quiseram pegar carona” dá a sensação de que o sindicatos não fazem mobilizações. Talvez porque a falta de cobertura da mídia tradicional dê uma impressão errada. As centrais fizeram, por exemplo, uma marcha no mês de março que reuniu 50 mil pessoas, ou 25 mil, de acordo com a PM, em Brasília. 

Para efeito de comparação, a mais vistosa manifestação em Brasília durante o mês de junho teve um público calculado de 30 mil pessoas, bem próximo ao da Marcha, que não depende de “onda” alguma, como sugere o comentarista da CBN. Mas talvez ele não tenha sabido da existência do evento. Busque no Google as referências a respeito na velha mídia, talvez não ache nada nas primeiras páginas. Mas você vai encontrar, fácil, fácil, cobertura de protestos “contra a corrupção” ou similares que reuniram 50, 100, 200 pessoas no máximo.

Mas o “melhor” momento é quando Merval fala que as reivindicações eram “coisas muito específicas da classe trabalhadora”. Ou seja, como o trabalhador, pelo silogismo mervaliano, não é “povo”, suas bandeiras não interessam ao resto da sociedade. Claro, o fator previdenciário não interfere em nada na rotina de quem ainda vai ingressar no mercado de trabalho, se isso não for explicado para ele. E os veículos tradicionais certamente não vão fazer questão de debater e explicar isso para a população. O mesmo vale para a jornada de 40 horas e outros pontos que precisam de debate e pressão popular (isso inclui trabalhadores, Merval) para fazerem parte da pauta do Congresso.

Sardenberg – Agora, por outro lado, quando a gente tinha feito aqui entrevista com sociólogo... O Renato Meirelles, do Datapopular, por exemplo, chamava a atenção que nas manifestações de junho você via classe média, né? Ele disse que era preponderantemente manifestações de classe média. Ontem não, ontem já tinha trabalhador, tinha mais negros, cara aí de trabalhador e tal.
Merval – O balanço é ruim pro governo, né, porque as reivindicações dos trabalhadores são em cima do governo, as reclamações são contra o governo, e as outras da classe média também foram contra o governo. Tem um problema sério que assim como rejeitaram os partidos políticos, também as centrais foram rejeitadas, a UNE, o MST. Quer dizer, nenhum tipo de organização formal está conseguindo capitalizar, cooptar, organizar a insatisfação na sociedade. Isso é que é preocupante, porque você tem que ter canais organizados para que essas inquietações sejam solucionadas dentro da normalidade, dentro da ordem pública e das instituições que existem.

Significativa a conclusão de que o balanço é ruim pro governo, porque “as reivindicações dos trabalhadores são em cima do governo, as reclamações são contra o governo, e as outras da classe média também foram contra o governo”. É evidente que o governo (federal) é alvo, mas não só ele. Antes que se esqueça disso na próxima esquina, o estopim dos protestos foi a questão do aumento da tarifa em inúmeras cidades e o que levou muito mais gente à rua em um segundo momento foi a indignação contra a violência policial em muitos locais. Ou seja, estamos falando de questões da alçada de prefeituras e governos estaduais.

Quanto às questões da pauta das centrais, a maior parte depende sim do empenho do governo, que se omite em boa parte desses pontos. Mas é o Congresso o campo principal dessas batalhas. O mesmo Congresso que, quando finge ouvir a voz das ruas, na verdade reage em relação à pressão da narrativa imposta pela mídia oligopolizada. Narrativa esta que é representada por Merval, praticamente aquele tradutor da voz dos donos que chega e diz “olha, se você não entendeu o que nossa linha editorial por meio do nosso noticiário quis dizer, eu explico”.

Aí sim o governo tem uma responsabilidade brutal. É a concentração midiática, questão praticamente intocada durante anos do governo Lula e também no governo Dilma, que permite que um poder que não se vê na maior parte dos países do mundo conte a História sem ouvir, por exemplo, os trabalhadores. Essa é, ou deveria ser, a pauta principal, a luta pela democratização da comunicação (que não tem a ver com censura, como muitos querem fazer crer).

E, talvez, essa luta já comece também a ganhar as ruas. Afinal, ao contrário do que diz o comentarista, não foram as centrais, o MST e UNE “rejeitados” nas manifestações, mas sim a Globo, alvo de protestos dos mais diversos, tanto meio às grandes concentrações de junho como agora, em eventos voltados especificamente para a democratização da comunicação. Uma batalha que certamente não será televisionada pelos canais de sempre.

2 comentários:

Nicolau disse...

Importante destacar: Merval e Sardenberg deixam claro que não são trabalhadores e não se reconhecem neles. Logo, se você tem carteira assinada ou é PJ pela força das circunstâncias, se recolhe INSS, se tem jornada de trabalho definida, Merval, Sardenberg e as mídias onde eles militam (já que não são trabalhadores, imagino que não trabalhem, fazem por amor à causa, sei lá) não te representam.

Sobre o ato das centrais, é fundamental que os movimentos tradicionais vão para a rua. As centrais tem uma penca de problemas, mas se me mostrar um movimento ou grupo de organizações que consegue botar 100 mil pessoas na rua no país todo eu pago uma cerveja.

Maurício Ayer disse...

Queria saber de alguém que conheça a história da mídia inglesa ou francesa do século XVIII, fica imaginando que talvez fosse parecida com a nossa atual. Ainda temos muito o que avançar pra chegar a ter um verdadeiro debate público no Brasil. A diferença é que hoje existe a internet.