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segunda-feira, agosto 19, 2013

O beijo do Sheik e a homofobia latente do futebol

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Por Marcelo Hailer*

O ato corajoso de Sheik... (Reprodução)
Ontem, domingo (18), o jogador do Corinthians, Emerson Sheik, para comemorar a vitória de seu time sobre o Coritiba, postou uma foto dando um selinho em seu amigo, o chef de cozinha Isaac Azar, dono do bistrô Paris 6. As reações foram imediatas e, claro, revelaram algo que todas estão carecas de saber: que o futebol (não apenas ele) é uma arena profundamente machista e homofóbica. E prova disso foi o ato de cinco torcedores que foram hoje (19) na porta do Centro de Treinamento do Corinthians carregando faixas com os seguintes dizeres:  “Viado não!”; “P.Q.P... Aqui é lugar de homem”.

As palavras escritas nas faixas dos torcedores da Camisa 12 apenas deixam claros marcadores comuns do mundo futebolístico, mas podem ser estendidas: o de que o futebol é o lugar do “homem de verdade” (macho, ativo, reprodutor e heterossexual) e não lugar dos viados (que não são considerados “homens”) e também não é o lugar de mulheres, visto que o machismo impera dentro e fora do campo. E para isso basta ver o “destaque” que se dá ao futebol feminino, tanto por parte dos clubes como por parte dos meios de comunicação especializados.

Mas antes de avançarmos é interessante nos determos em algumas declarações dadas pelos “manifestantes”. Ao UOL Esporte, Marco Antônio, membro da diretoria da Camisa 12, declarou o seguinte: "A nação inteira está freneticamente indignada. Pode até ser a opção dele, mas nós estamos sempre tirando sarro dos bambis [modo pejorativo com o qual é chamada a torcida do São Paulo]. O mínimo que ele tem de fazer é um pedido de desculpas". Disse mais: "A gente não quer ser homofóbico, mas tem de ter respeito com a camisa do Corinthians. Aqui não vai ficar beijando homem. Hoje são 5, amanhã são 30 e depois 300. Vamos fazer a vida dele um inferno".

A declaração do membro da diretoria da Camisa 12 ao UOL Esporte só não é crime por que a PLC 122/2004, que tramita há nove anos no Congresso Nacional, ainda não foi aprovada, visto que a homofobia não é exclusividade do mundo futebolístico: ela também está alojada no Congresso com inúmeros representantes que declararam guerra aos direitos civis das LGBT e das mulheres. Esse grupo, que defende o direito de ofender os seus adversários com expressões que remetem a homossexualidade e a passividade (seja masculina ou feminina), representa, infelizmente, uma boa parcela das torcidas do Brasil e não apenas a corintiana. Interessante seria (e até mesmo paradigmático) se outras torcidas, do Corinthians ou não, declarassem apoio ao jogador. Mas isso é utópico, visto que nenhum jogador ou torcida quer estar associado à homossexualidade.

Um selinho para criar novos paradigmas?  

...e os homofóbicos de plantão.
Se por um lado o selinho de Sheik em seu amigo desnudou completamente a homofobia latente do mundo esportivo, por outro pode ser uma grande oportunidade para os dirigentes dos clubes, para o Ministério do Esporte e até mesmo as torcidas repensarem suas posturas e deixarem para trás esta pedagogia do ódio escamoteada no mundo esportivo, pedagogia que espanta uma série de jovens ou que faz com que estes, quando ascendem na carreira, vivam as suas sexualidades dissimuladamente.

Devemos nos lembrar que no ano que vem o Brasil vai sediar a Copa do Mundo. Quer melhor momento do que esse para trazer à luz a questão do machismo e da homofobia no mundo do futebol? Se o fatídico selinho incomoda tanto é porque os machos alfas do futebol juravam que suas arenas estariam livres desses “viados”. Na verdade, eles dissimulam tal questão, pois sabemos que o mundo futebolístico, assim como qualquer outro que envolva corpos desejantes, está repleto de sujeitos iguais que se relacionam entre si sexualmente.

Mas as torcidas não estão sozinhas em sua propagação da homofobia. São incentivadas socialmente e também comercialmente. Pois, a teoria mais comum que se escuta a respeito de jogadores famosos (mas também de atores, por exemplo) é que, se estes saem do armário, nenhuma marca e ou patrocinador vai querer estar associado a um sujeito homossexual e sua carreira vai pro buraco; acreditam que isso prejudica a marca. Ora, seria muito legal que neste momento algum produto (seus gerentes) declarasse apoio espontâneo ao jogador em questão. Porém, esta lógica perversa (social e comercial) é que faz com que cenas deprimentes como a que aconteceu hoje no CT corintiano se repitam ad eternum.

*Marcelo Hailer é jornalista, bicha e torcedora do Corinthians

19 comentários:

Unknown disse...

Concordo em gênero, número e grau.

Mas registre-se que, se fosse um jogador sãopaulino, todo mundo estaria gargalhando dos "bambis". E se algum sãopaulino viesse com uma tese para justificar a foto ainda levaria a pecha de "chororô" e "mimimi".

Alguma dúvida?

Leandro disse...

Ainda bem que o Dr. Sócrates morreu antes de ter que ver um protesto destes.

Wilsoleaks Alves disse...

Sendo eu são-pauliníssimo, claro que gostei do que aconteceu no Corinthians.
Passei a ser um admirador do Sheik por sua coragem em enfrentar os padrões vigentes.
Pra ser gay no Corinthians tem que ser muuuuito macho!

Wilsoleaks Alves disse...

ERRATA:

Onde se lê: são-pauliníssimo

Leia-se: SÃO PAULINO

Depois que li meu texto publicado achei a palavra "são-pauliníssimo" meio gay por isso resolvi mudar.

Maurício Ayer disse...

Pô, Marcão, mas não faltaram oportunidades. O caso Rycharlisson é um bom exemplo. Arrumaram até uma gostosa pra posar de namorada do cara.

Eu acho que, por paradoxal que possa parecer, o Corinthians lida melhor com a relação com a homossexualidade, mesmo com a truculência tacanha e, na verdade, fascista mesmo de boa parte de sua torcida. Os exemplos do Vampeta (pioneiro em posar nu em revista gay) e agora do Sheik são eloquentes.

Até pela estigmatização, são-paulino sempre responde com marcada repulsa aos casos reais que aparecem.

Unknown disse...

Ah, eu tinha certeza que seria o Maurício a me responder. - rsrsrs

Não tem nada disso. Corintiano não lida bem com coisa nenhuma. É o torcedor mais chato, que mais se sente no direito de mexer com todo mundo - e, de longe, o que tem mais dificuldade de lidar com gozação. Essa tua resposta aqui é a confirmação do que estou dizendo, exatamente como aconteceu no episódio do Ronaldo Gordo e os travestis, em que você fez mais de um post para "defendê-lo" (como se ele tivesse cometido um "crime").

Esse episódio do Emerson Sheik é simbólico para ilustrar a enorme resistência dos corintianos para lidar com gozações. Repito: fosse um jogador sãopaulino a posar para uma foto dessas e TODOS os corintianos estariam aqui gargalhando dos "bambis" e fazendo piadinhas. E iam zombar mais ainda se alguém apontasse "homofobia" ou ficasse discutindo o machismo e o preconceito no futebol.

Corintiano é tão "dodói" que até aponta do dedo inquisidor toda vez que detecta o que considera "anticorintianismo" aqui no blog. E se algum adversário reclama da mesma coisa aí é "chororô", "mimimi", "não sabe brincar".

De minha parte, além de apoiar qualquer discussão contra homofobia (não só no futebol, em qualquer setor da sociedade), comentei o seguinte com um amigo corintiano, quando soube do caso: "É justo. Afinal, o Emerson foi revelado no São Paulo". Ou seja, ficou tudo na brincadeira e na gozação (mútuas).

E esse amigo corintiano teve a humildade de concordar que gosta de mexer com todo mundo e não aceita nenhum tipo de gozação contra seu time. Pelo menos ele é sincero.

Wilsoleaks Alves disse...

Um cara que confessa gostar de mexer com todo mundo, mas não aceita nenhum tipo de gozação pode até estar sendo sincero, mas de humilde não tem nada.

Nicolau disse...

Então, Marcão, vamos por partes. Primeiro, corintiano é folgado mesmo, provocador e esquentado. Esse é o estereótipo estabelecido da torcida e muita gente o confirma diariamente, seja por identificação ou sei lá o que.

Mas não acho que isso caiba aqui. Tanto que o post do Marcelo nem cita outras torcidas ou times, só fala da homofobia de parte dos corintianos, que foram os mais raivosos em detonar o Sheik.

Esse é outro ponto: não dá pra generalizar a postura da torcida no caso e, se for, deve ter muito mais gente puta ou constrangida com o Sheik do que apoiando. Quem está apoiando é quem apoia essas coisas mesmo, pessoal de esquerda, coisa e tal, que deve ter ficado puto com as perseguições ao Richarlysson em outras feitas, por exemplo.

Talvez você tenha razão em dizer que, se fosse um jogador do São Paulo, um monte de gente estaria tirando sarro. Acho até que, por estar o SP tão exposto nessa questão, seria muito mais difícil pra qualquer um comprar uma briga por lá do que em outro clube.

Mas não acho que dê pra comparar de verdade com outras situações, porque a postura do Sehik, pelo menos na minha avaliação, foi inédita. Postou a foto como provocação e bancou o debate na capa e entrevista do Lance hoje. Não me lembro de caso semelhante no futebol.

Por isso, acho que o post do Marcelo é bacana e foi correto publicá-lo. É uma atitude que pode levantar um debate espinhoso num meio pra lá de homofóbico e isso é importante. Acho isso mais importante que discutir clubismos. Como achei correta a postura do Grafite no caso do Desabato, acho correta a postura do Sheik.

Leandro disse...

"Acho até que, por estar o SP tão exposto nessa questão, seria muito mais difícil pra qualquer um comprar uma briga por lá do que em outro clube." (2)

Sem dúvida. Estivesse o Emerson num clube com raízes menos, digamos, progressistas como, por exemplo, qualquer dos outros grandes de SP, no Grêmio, no Cruzeiro ou no Fluminense, nem sei se ainda seria, a esta altura, funcionário destes clubes.
Se os cinco descerebrados e desocupados que foram ao CT do clube podem virar cinquenta mil corinthianos (corinthianos?) nas próximas semanas, não sei, acho pouco provável, mas estivesse o Emerson em outros destes clubes citados, a coisa já teria sido, sim, muito pior.
Conforme escrevi em outra postagem deste bloque, que por acaso também trazia "mimimi" tricolor, mas naquela ocasião por razões meramente futebolísticas:

"Nenhum time no planeta representa melhor as minorias (ou maiorias) perseguidas e injustiçadas.
Então, que assim seja.
E vai, Corinthians!"

Maurício Ayer disse...

E lendo isso tudo, só tenho uma coisa a dizer: que bom que eu sou corintiano!

Unknown disse...

"Respeitosamente vejo muita paixão clubística nos corintianos ao ver, só agora, o lado positivo de manifestações homossexuais. (...) Mas estou vendo uma hipocrisia tão lamentável quanto a homofobia agora que o vento virou." - André Rossi (amigo do Nicolau, em postagem no Facebook).

É isso: todo apoio à luta contra a homofobia. Toda a repulsa contra a HIPOCRISIA.

Porque ninguém aqui vai me dizer que, de uma hora pra outra, por causa da foto do Sheik, os corintianos vão parar de chamar os adversários de "viados" ou "bambis".

Por não fazer parte da torcida que faz isso, que bom que eu sou sãopaulino!

Glauco disse...

Não acho que o caso do Sheik seja algo relativo à paixão clubística ou a uma disputa sobre qual time é mais tolerante e/ou qual é mais perseguido. Esse mesmo Futepoca aliás já discutiu muito a respeito de piadas de cunho preconceituoso que eram feitas no começo do blogue e não são mais. Discutimos, refletimos, evoluímos. Que bom.

Mas esse episódio é bem ilustrativo de algo que Daniel Borrillo, autor do livro Homofobia - História e crítica de um preconceito, falou e que eu e a Thalita reproduzimos em uma matéria sobre o tema: Para Borrillo, a homofobia funciona como guardiã de um dispositivo de reprodução da ordem social, vigiando não só as fronteiras sexuais (hétero/homo) como também de gênero (masculino/feminino). Assim, o sexismo e a homofobia são tratados como duas faces do mesmo fenômeno social. “Eis porque os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles que não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade…”.

Não é só o Sheik, heterossexual, vítima do preconceito de corintianos homofóbicos. No futebol, imaginem quantos jogadores não podem assumir sua orientação sexual por conta da homofobia? As torcidas queer não podem comparecer a estádios porque são vítimas de violência (vamos publicar um material a respeito sobre o assunto hoje) e o gancho do caso é bom para discutir a questão de forma ampla, porque a homofobia, e a violência a ela associada, está em todos os clubes e torcidas.

Unknown disse...

Muito bom, Glauco. "Concordo em gênero, número e grau." (2)

A população homossexual sofre não apenas para ir a estádios mas também a muitos outros ambientes e/ou eventos públicos. Uma verdadeira aberração se pensarmos que estamos no século XXI.

Quanto ao futebol, o mais triste é que a homofobia começa a ser estimulada na criança logo quando ela escolhe um time e começa a torcer. É um meio muito escroto e reproduz o machismo "institucionalizado", por assim dizer, em quase todos os setores da sociedade - escolas, religiões, ambientes de trabalho etc.

Gostaria de lembrar, para contribuir com o material que será publicado ainda hoje, da torcida Coligay, do Grêmio-RS, a primeira assumidamente homossexual do Brasil. E, além do ineditismo, representou atitude ainda mais eloquente por ter surgido em 1977, em pleno regime militar, num tempo ainda mais homofóbico e claustrofóbico do que hoje.

Página sobre a Coligay na Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Coligay

É isso aí. Ao bom debate.

Abraços.

Nicolau disse...

Bela lembrança essa torcida do Grêmio, Marcão, não conhecia. Baita experiência!

Maurício Ayer disse...

Quanto mimimi.

Anselmo disse...

o imperativo do mercado como freio à publicidade e à liberdade de orientação sexual é complexo... é sintoma brabo do tamanho do preconceito e da homofobia.

mto bacana a análise.

Unknown disse...

"Corintiano criticando homofobia é como o Alckmin processando a Siemens." (frase que circula no Facebook)

Leandro disse...

Quanto mimimi. (2)
E quanta comparação escrota.
Alckmin com SCCP.
Francamente...

Unknown disse...

Quanto mimimi corintiano...