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domingo, outubro 06, 2013

Adesão de Marina a Campos é pior para Aécio do que para Dilma

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Marina Silva e Eduardo Campos: opção programática? (José Cruz/ABr)
Ex-senadora, que abraçou a tese da "perseguição política" para justificar entrada pragmática no PSB, dificulta a realização de um 2º turno ao não sair como candidata à presidência

Qual a diferença se for Aécio Neves, Eduardo Campos ou a Dilma? Tem diferença em relação ao modelo de desenvolvimento? Me parece que até agora todos estão no mesmo diapasão.” Era essa a opinião da então pré-candidata à presidência da República Marina Silva em entrevista concedida ao Estadão, em 23 de março deste ano. Em visita a Pernambuco, em maio, ela respondeu, ao ser indagada se haveria identificação programática com o PSB: "Vocês já perguntaram a ele (Campos) se ele tem identificação programática com a Rede?".

Marina respondeu ontem (6) a seu próprio questionamento de poucos meses atrás, após ver durante a semana o registro de seu partido, a Rede Sustentabilidade, ser negado pelo TSE. Ela anunciou sua adesão ao PSB e à candidatura Campos ao Planalto em 2014, ainda sem dizer se seria vice ou candidata a algum outro cargo pelo partido.

Em seu discurso, por mais de uma vez fez referência às forças que impediram que seu partido fosse oficializado como tal, ainda que não nominasse quem seriam tais opositores, deixando à mídia tradicional tal papel. Mesmo quando houve uma pergunta direta de Kennedy Alencar sobre a frase atribuída a ela de que queria combater o “chavismo” representado pelo PT no poder, ela se esquivou.

Atribuir a culpa de uma estratégia equivocada às “forças ocultas” não é algo exatamente novo na política brasileira. Basta lembrar de Jânio Quadros. Culpar o juiz é uma tática velha também no futebol, quando jogadores, técnicos ou dirigentes querem desviar a atenção dos próprios erros e achar um inimigo externo. Mas a intenção de Marina ao ocupar boa parte do seu discurso com queixas sobre perseguição política é também justificar a entrada no PSB, um partido que tem vícios e virtudes semelhantes a quase todos os que compõem o quadro partidário brasileiro.

O problema é que toda a trajetória da ex-senadora até aqui, desde que saiu do PV, é fazer a crítica de cunho moral aos partidos. Suas atitudes conduzem a uma interpretação de que o cenário institucional brasileiro pode ser avaliado pela divisão simplista entre “bons” e “maus”, colocando em um plano secundário, por exemplo, uma reforma política discutida com a sociedade civil, que poderia sanar parte das falhas gritantes do sistema político-eleitoral. A formação da Rede era a reafirmação desse tipo de pensamento, de que seria possível jogar o jogo dentro das regras que estão aí, contanto que se juntassem os “bons”.

Frustrada sua expectativa, Marina teve que jogar o jogo sem se juntar necessariamente aos que achava serem os “bons”. E justificou isso com o discurso da perseguição, como se fosse quase uma legítima defesa. Citou em sua fala o poeta Thiago de Mello, mas poderia ter feito referência a Raul Seixas: 'A arapuca está armada/E não adianta de fora protestar/Quando se quer entrar em buraco de rato/De rato você tem que transar”. Afinal, uma adesão "programática" não se decide em uma madrugada, a não ser que o "programa" seja algo frágil.

Com a união, levará parte de seus apoiadores para Campos, ainda desconhecido de parte do eleitorado. Contudo, verá alguns deles migrarem para Dilma, perdendo também a confiança de outros que optarão pelo branco/nulo, já que acreditaram que ela seria “diferente”, não entrando na peleja a qualquer custo. O fato de abrir mão da candidatura à presidência para exercer um papel teoricamente menor não é apenas uma questão de abdicação ideológica, como tenta sugerir, mas cálculo político pragmático, já que as outras opções acarretariam vários riscos com arranhões ainda maiores à imagem (caso de filiação ao PPS, linha auxiliar tucana, por exemplo) ou absoluta falta de estrutura para uma empreitada do tamanho de uma candidatura presidencial, se a escolha fosse pelo PEN ou PHS. A Marina de 2013 sabe que não pode sustentar uma campanha apenas “sonhática” pela internet, já que os 20% de votos válidos alcançados em 2010 a fizeram sentir de perto a possibilidade de chegar ao poder.

No cenário de 2014, obviamente o principal beneficiário é Eduardo Campos, que ganha visibilidade com um fato político grandioso e tem chances de avançar em um segmento, o dos jovens que estão nas redes e não necessariamente na Rede, simpatizantes de Marina. No entanto, o maior perdedor é Aécio Neves. Para ele, seria melhor que a ex-senadora saísse como candidata a presidente, reproduzindo um cenário semelhante ao de 2002, no qual quatro candidaturas fortes levaram a eleição para o segundo turno, algo que se repetiu, com diferenças, em 2006. Em 2010, ainda que fossem apenas três os candidatos competitivos, o segundo turno foi possível porque não havia possibilidade de reeleição para o então presidente Lula, o que criava dificuldades para sua candidata, Dilma Rousseff.

O cenário atual pode remeter à eleição de 1998, quando FHC venceu ainda no primeiro turno, enquanto Lula, mesmo com 31,6% dos votos, não conseguiu levar a eleição à segunda volta porque havia somente mais um postulante competitivo, Ciro Gomes, com 10% ao final. A diferença é que, agora, com dois candidatos que nunca disputaram a presidência antes, as dificuldades são maiores para a oposição, com um grande risco de parte do eleitorado, cansado da polaridade entre PT e PSDB, optar pela terceira via de Eduardo Campos. Como Dilma tem mais popularidade e votos do que os rivais na atual situação, o quadro se torna sombrio para Aécio, que teria uma tarefa dupla: forçar um segundo turno e bater um candidato que, até certo ponto, tem um perfil parecido com o seu, agora fortalecido pela adesão da ex-senadora.

Se Marina agiu com o fígado, como pensam alguns, ao embarcar na canoa de Campos para tentar atingir Dilma, pode ter ferido de morte as pretensões de Aécio.

Publicado originalmente na revista Fórum.

6 comentários:

Maurício Ayer disse...

Análise precisa. Muito interessante rever as falas de Marina de tão pouco tempo atrás. Não que não fosse esperado que, no momento necessário (evitei o sarcástico “na primeira necessidade”), ela tivesse que poluir a sua pretensa pureza ética com pragmatismo político. O ponto é que, no caso dela, isso é a queda da máscara de alguém que vinha negando a política, os partidos e “esse modo de fazer política”.

Nicolau disse...

Eduardo Campos mandou muito bem, a mexida mais interessante no tabuleiro político em um bom tempo. Quer dizer, isso se Marina topar até o fim a posição de coadjuvante - achei estranho alguém com 20% dos votos decidir apoiar um cara com 5%.

Outra coisa que achei estranha é a leitura que mais de um analista publicou (Azenha, Eduardo Guimarães e Josias de Souza entre eles) de que essa nova conjuntura aumenta as chances de segundo turno. Pra mim, é o contrário, como mostra o texto. Até porque, em algum momento, Aécio/Serra e Eduardo/Marina terão que se pegar pra ver quem fica em segundo.

Por fim, resta saber como se alinham as forças sociais de verdade na briga. Pra onde vão os sindicalistas, os empresários do setor produtivo, o capital financeiro, os ruralistas, a grande mídia, os movimentos sociais?

Unknown disse...

Boa análise. Traduz a brincadeira com uma imagem da Marina que rolou nas redes sociais: ela dizendo que fundaria um partido porque todos os outros não prestam e, depois, dizendo que, se não deu pra fundar esse partido impoluto, vai se filiar mesmo a um que não presta...

Mas achei interessante uma análise publicada agora pouco pelo UOL, de que Marina teria aceitado a unir-se a Eduardo porque ele se comprometeu, se eleito, a acabar com a reeleição para presidente. Dessa forma, Marina, como vice, pavimentaria sua candidatura para 2018. Faz sentido.

A eleição de 2018, aliás, já está em pauta, paralelamente à disputa do ano que vem. Para mim, esse é o horizonte dourado na cabeça de Alckmin, por exemplo - e por isso, sua reeleição à governador, que antes parecia barbada e hoje balança depois das seguidas lambanças de sua gestão (violência da PM, propinoduto do metrô etc), torna-se dramática e ponto-chave para seus planos presidenciais.

Ainda acho muito cedo para apontar favorito ou se vai dar 2º turno em 2014, mas, concordando com o post e com outras análises semelhantes, acho que o PSDB vai encolher ainda mais no ano que vem. A permanência de José Serra ("a volta do que não foi") pegou mal até mesmo entre setores internos do próprio partido. É um cadáver que insiste em não ser enterrado - e empesteia cada vez mais o reino tucano.

Nicolau disse...

Um amigo levantou uma bola interessante: em países vizinhos, a opção da direita tem sido bancar uma candidatura só, como o tal Campriles contra o Maduro. Para o capital financeiro e a mídia, pode ser mais jogo juntar recursos numa candidatura só é meter o truco já no primeiro turno. Mas é difícil imaginar o PSDB, com sua musculatura partidária, abrindo espaço para o médio PSB.

Maurício Ayer disse...

Acho difícil a Marina acreditar que, se eleito, o Eduardo Campos ia propor de acabar com a reeleição. Acho que foi falta de opção mesmo. Acontece que, como não fundou o seu obscuro partido, ela acaba fortalecendo um partido e um candidato conhecidos, e torna mais interessante o jogo político.

Glauco disse...

Não sei se o exemplo da Venezuela cabe por conta das características que levaram a uma candidatura única. Pela primeira vez o Chávez tinha tido menos votos no total que os oposicionistas nas eleições parlamentares, o que dava algum alento à oposição. E a escolha dele foi feita por prévias envolvendo cinco partidos, tentando alavancar um processo de mobilização de eleitores para enfrentar o chavismo. Aqui, prévias nem no PSDB...

O fato é que sempre tem interessado ao governo de turno a eliminação de candidaturas fortes para enfraquecer a oposição no Brasil. Foi assim que, em 1998, o FHC conseguiu dizimar a possibilidade de uma candidatura do Itamar pelo PMDB, tratorando a convenção do partido. Agora, também não interessava ao governo a viabilização da candidatura de Marina. Mas daí a dizer que o governo comandou uma perseguição política vai uma distância também.