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quarta-feira, setembro 10, 2014

Eleições, bancos e jogadas pelas pontas

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Ficou assim: Dilma à esquerda, Aécio à direita e
Marina no meio, piscando pro eleitorado dos dois
Incorrendo orgulhosamente no vício das metáforas futebolísticas, o cenário político no Brasil hoje está parecendo um Corinthians e Palmeiras em final de campeonato. O santista e o são-paulino podem se refestelar no sofá de casa, apreciar a partida e secar qualquer dos lados, enquanto os envolvidos diretamente roem as unhas e mal conseguem entender o que se passa em campo.

É minha sensação: se eu morasse no Uruguai, estaria tomando uma Nortenha e me preparando para apertar um legalizado baseado com ávido interesse pela política do gigante vizinho. Como analista político, temos uma eleição bem jogada, com novidades interessantes, reviravoltas, suspense até o final – e temperada duas vezes por um plebiscito popular pela reforma política que rearticula e mostra a força do campo progressista. Como brasileiro de esquerda (e eleitor de Dilma, digo logo para evitar mal-entendidos), bate um enorme medo de retrocessos.

A eleição presidencial começou se mostrando um passeio no campo para a candidatura petista. A presidenta Dilma Rousseff enfrentava níveis de aprovação perigosos, mas liderava com folga sobre dois concorrentes que não empolgavam. Aécio Neves e Eduardo Campos não conseguiam galvanizar a aparente insatisfação do eleitorado, que não é bem com o governo ou com o PT, mas um reflexo do grito “contra tudo que está aí” que esteve entre os inúmeros brados de Junho de 2013. Havia um eleitor em busca de uma saída para mudar sem retroceder no que já conquistou com os governos petistas.

A trágica morte de Campos trouxe a opção que faltava: Marina Silva, a única política de projeção nacional que teve seus índices nas pesquisas elevados após as Jornadas de Junho. Com uma linda história pessoal de superação, trajetória de esquerda e uma aura de outsider da política que construiu nos últimos anos (mesmo estando toda a vida adulta a fazer política, vai entender...), ela apareceu como uma opção para empunhar o discurso do “novo” que as ruas cobram.

A linha condutora do discurso é o fim da polarização entre PT e PSDB, carta que já foi usada por Celso Russomanno e Gabriel Chalita em São Paulo. Acena com um governo dos “bons”, sem o intermédio dos partidos políticos, corruptos por excelência no entender geral. Assim, acabaria com as negociatas ao escolher os melhores de cada partido, de cada campo social. Na prática, ela precisaria também acabar com os conflitos inerentes a qualquer sociedade: patrões e empregados decidiriam de bom grado sobre aumentos salariais, latifundiários e sem-terra estariam de acordo sobre a reforma agrária, PM e moradores das favelas entrariam em paz automaticamente, brancos e negros fechariam questão sobre as cotas nas universidades.

O discurso esconde os conflitos sociais, o que permite a Marina não se posicionar sobre eles. É despolitizante e enganoso, pois restringe esses conflitos aos partidos, como se as divisões partidárias não existissem para representar as divisões da própria sociedade – e eu nem citei o Marx aqui ainda pra falar em luta de classes. Nesse sentido, é interessante que muitos dos eleitores de esquerda de Marina sejam aqueles que criticam o PT por flexibilizar (eles talvez dissessem vender) bandeiras históricas e fazer alianças com partidos de direita em nome da governabilidade. A fala de Marina não é um recuo no processo de peemedebização dos partidos brasileiros, mas antes um passo adiante nesse caminho.

E no meio da geleia, apresenta propostas de esquerda ao lado da direita mais perigosa. Fala em aumentar gastos com segurança, com saúde, com o meio ambiente. E fala em aumentar o superávit primário (grana que o governo separa antes de qualquer outra despesa para pagar juros da dívida), em independência para o Banco Central (leia-se terceirização aos banqueiros) e medidas drásticas para conter a inflação. É uma conta que não fecha, não dá pra cortar e aumentar gastos ao mesmo tempo. 

Os marineiros chamam esse tipo de denúncia sobre as posições econômicas da candidata de “discurso do medo”, mas não estamos falando do desconhecido aqui. Essas medidas foram usadas no Brasil e em toda a América Latina durante os anos 1990, a era de ouro neoliberal, e tiveram sempre o mesmo resultado: recessão econômica, menor crescimento, desemprego, queda nos salários. Se não lembra, basta olhar a situação de países europeus como Espanha e Grécia, todos vítimas do mesmo receituário. Dá medo sim, mas não é um mero discurso, é uma análise histórica.

Pelas pontas

Bom, mas o fato é que a entrada de Marina foi o fato novo que chacoalhou a eleição. A partir daí, a possibilidade de Dilma descer a rampa do Planalto tornou-se extremamente concreta. E também se cristalizou a chance, cada vez mais uma certeza, de Aécio Neves ser o primeiro tucano fora da disputa final desde 1989, o que é ainda mais interessante.

As duas candidaturas começaram a se mexer em busca do eleitorado perdido, cada uma a seu modo. Aécio falou em “mudança segura”, chamou FHC e outros tucanos para seu programa eleitoral, garantiu Armínio Fraga, queridinho do tal “mercado”, esse deus hoje já sem tantos adoradores, no ministério da Fazenda em seu governo, declarou que há “exageros” no seguro-desemprego brasileiro. Ou seja, quis mostrar ao eleitorado conservador que a opção correta é ele, um direitista de carteirinha e tradição. Não aceite imitações.

De sua parte, Dilma também aumentou o tom, mas pela esquerda: falou em regulação econômica da mídia (saída encontrada contra as ridículas acusações de “censura”), defendeu claramente plebiscito e constituinte para a reforma política, a criminalização da homofobia. Em seu programa de TV, atacou duramente as medidas neoliberais da economia prometidas por Marina e Aécio e contrapôs claramente os interesses dos bancos e da população. Uma agenda de esquerda, buscando os votos progressistas que apoiam Marina – em especial os dos trabalhadores mais pobres.

Ou seja, a entrada de Marina empurrou a eleiçaõ para as pontas: Aécio para a direita e Dilma para a esquerda. E estamos falando aqui das propagandas eleitorais, que costumam ser muito pouco sinceras. Se olharmos as publicidades do PT e do PSDB em eleições passadas, na maior parte do tempo elas falam de platitudes por educação, saúde e sei lá mais o que. Consensos, sem dizer com muita clareza onde querem chegar. É na prática dos governos que as diferenças aparecem, que os apoios sociais de desnudam e fica claro o caráter programático e ideológico dos dois partidos, PT mais para a esquerda, PSDB mais para a direita. O discurso político – no melhor sentido da palavra, o das opções e alianças para governar – só apareceu em momentos chave, em geral no segundo turno, como na eleição de 2006, quando Lula jogou as privatizações no colo de Alckmin.

É um efeito muito positivo de uma candidatura muito perigosa, principalmente por suas opções econômicas, que podem por a perder os ganhos sociais que tivemos nos últimos 12 anos. Além dos investimentos em infraestrutura, que Dilma ampliou muito, e das políticas de desenvolvimento, como a opção por compras nacionais no pré-sal e os juros subsidiados para certos setores – que Eduardo Gianetti, um dos gurus de Marina, já disse que devem sumir, o que significaria na prática o fim do Minha Casa Minha Vida, dos financiamentos via BNDES, do Pronaf e outros programas na mesma linha.

Mas deixando de lado as críticas, há fatores muito interessantes na candidatura Marina, a maioria trazidos pelo movimento original da Rede Sustentabilidade. Incluir a questão ambiental no modelo de desenvolvimento inclusivo que queremos é importante. Mais ainda, a Rede congrega pessoas que têm uma visão interessante sobre as demandas por maior participação popular nas decisões públicas. Fortalecer essa parcela da base marinista é um avanço para o país. Sem falar na escanteada que o PSDB - logo, a direita neoliberal orgânica - está levando nessas eleições. Que a Rede (ou pelo menos essa parte central dela, que prescinde de Marina) cresça e encontre uma voz própria na economia, e que não seja tão atrelada aos bancos.

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