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segunda-feira, março 31, 2014

Futebol: um termômetro da sociedade?

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O texto abaixo é de autoria de Paulo Reis, foi publicado no Trilha da Rua, e faz parte da campanha Futebol sem Racismo. 

Os recentes casos de racismo do futebol nos mostram uma coisa muito importante: devemos abandonar essa expressão racismo no futebol, como se esse fosse apartado da sociedade, com sua própria maneira de funcionar e independente dos valores compartilhados pela sociedade.

Não comentaremos apenas os casos de racismo, há outros itens que demonstram a intolerância e as diferenças simbólicas que o futebol carrega. Tentaremos de maneira bem corrida traçar algumas características do futebol hoje que parecem correspondentes à sociedade.

Embora falar apenas dos casos de racismo não seja o foco desse post, vamos apenas situar os mais recentes. Vai vendo. No dia 16 de fevereiro, no jogo entre Real Garcilaso e Cruzeiro pela Libertadores, o volante Tinga do time brasileiro foi alvo de provocações racistas: a cada instante em que Tinga pegava na bola, a torcida imitava o som de um macaco. Dentro algumas declarações, Tinga disse que “Trocaria um título pela igualdade entre raças e classes e respeito” e que “as pessoas [falaram] do que aconteceu lá, mas isso tem todo dia. No nosso país tem muito, não só (preconceito) racial, mas social, que acho que é até maior”.

No último dia 6 de março, após apitar o jogo entre Esportivo e Veranópolis pelo Campeonato Gaúcho, o arbitro Márcio Chagas da Silva encontrou bananas no seu carro e as portas amassadas. O arbitro disse que também ouviu xingamentos e ofensas como “macaco”, “teu lugar é na selva” e “volta para o circo” na entrada do gramado do jogo e durante o intervalo.

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Na goleada do Santos contra o Mogi Mirim por 5 a 2 pelo Campeonato Paulista, o volante Arouca do Peixe foi chamado de macaco pelos torcedores do Mogi. Em nota, o atleta disse: “Tenho muito orgulho das minhas origens africanas, que foi o que o sujeito tentou usar para me ofender, dizendo que eu deveria procurar alguma seleção de lá para jogar. Dando a entender que um negro igual a mim não serve para defender a seleção brasileira. Como se algumas das páginas mais bonitas da história da nossa seleção não tivessem sido escritas por jogadores como Leônidas, Romário e pelo Rei Pelé, também negros. Não ouvi os gritos de ‘macaco’ que alguns repórteres disseram ouvir, mas, caso tenha realmente acontecido, é ainda mais triste.”

Esses casos são sintomáticos. É incrível como pode haver um preconceito tão violento. Não devemos aceitar esse quadro, ainda mais porque houve discriminação nos limiares do futebol também. O futebol brasileiro iniciou-se quando o brasileiro de ascendência inglesa Charles Miller, que inclusive batiza a praça do lado do Estádio do Pacaembu, trouxe uma bola para cá e introduziu o “football” aqui. De lá para cá, o futebol passou por uma série de transformações. E não apenas em táticas, uniformes e tecnologia. O futebol era um esporte praticado pela elite brasileira. Caberia aqui tratarmos da fundação dos times mais tradicionais desse Brasilzão, mas isso seria interessante em um outro post.

Quem praticava o futebol eram homens, brancos e proprietários. Não haviam pobres, ainda mais negros nos times. O primeiro mulato a se destacar foi Arthur Friedenreich, chamado de El Tigre, no Paulistano. Em alguns times, houve resistência a inclusão de negros. O Fluminense tinha um jogador negro, mas ele tinha que passar pó de arroz antes dos jogos. A torcida começou a reparar, já que ele suava e podia-se ver o pó saindo de seu rosto. Não é consenso qual o primeiro time a aceitar negros.

Há quem diga que foi o Vasco da Gama, em 1923, sagrando-se campeão carioca com um time talentoso. Há quem diga que foi a Ponte Preta, que teve Miguel do Carmo, um dos fundadores da Ponte, como jogador da mesma no ano seguinte à fundação (1901). Em seguida, na década de 30 houve a profissionalização do futebol e consequentemente uma maior abertura para que os jovens talentos do Brasil, independentemente de sua origem e cor, pudesse ter chance de ser um jogador de futebol. Muitas limitações ainda permanecem no futebol. Não podemos esquecer que no Sudeste/Sul, os times de futebol têm mais estrutura e mais recursos. O que corresponde a força econômica de alguns estados brasileiros. O que, por sua vez, corresponde a condição dos jovens tentarem a vida nesse esporte. Disso podemos dizer que há uma elitização no futebol, no sentido de que os times considerados grandes entram numa competição com muito mais vantagens que os times considerados menores.

Mas e hoje? Analisando de modo até amador da minha parte, a profissionalização não quebrou muito com esse quadro de preconceito. Há uma série de itens que correspondem à lógicas de pensamento e valores que estão introjetados na nossa sociedade e até são sutilizados. Todo o jornalismo esportivo criticou os casos recentes de racismo, colocando-o como abomináveis e algo que não deve existir em nosso tempo. Seguindo uma lógica que preza pela igualdade entre as raças, é certo condenar o racismo mesmo. Mas o racismo que é condenado aí é o explicito. É curioso que na grande imprensa brasileira (quase) não se tenha jornalistas esportivos negros. É curioso contarmos nos dedos os repórteres e âncoras negros, não apenas do jornalismo esportivo, mas dele como um todo. Ou seja, o racismo é condenável, mas ainda vivemos em uma sociedade considerada racista, onde modos implícitos e sutis de preconceito racial estão diluídos no nosso cotidiano.

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Um segundo movimento disso tudo foi uma mobilização por parte da Federação Paulista de Futebol contra o racismo. Mais especificamente no jogo Corinthians x São Paulo, onde havia uma faixa dizendo “O Futebol Paulista repudia o racismo”, a torcida corinthiana provocava a torcida tricolor chamando o goleiro Rogério de “bicha”, além das provocações já de praxe com apelo sexual. Não é contraditório? A partir do momento que a orientação sexual passa a ser objeto de chacota/desgosto/ódio, independente de quem for o objeto de “xingamento” (aqui com todas as aspas possíveis), o discurso contra o preconceito foi pro beleleu. Sejamos contra o preconceito racial, mas não contra o preconceito de orientação sexual. Só um adendo: isso é uma “sutileza” em termos de preconceito homofóbico no futebol. Vale ressaltar outros itens aqui. O jogador Richarlyson, quando jogava no São Paulo, foi chamado, de modo sutil, de homossexual por um cartola do Palmeiras. Depois de todo um embrólio, o caso foi parar no tribunal, onde foi arquivado pelo juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, já que, nas palavras dele, o futebol é “jogo viril, varonil e não homossexual”. Além também de Cassano, na Eurocopa de 2012, onde o jogador italiano, perguntado sobre a possibilidade de haver um jogador gay no selecionado italiano, disse que “Se eles são “frocio” (termo vulgar em italiano para se referir a gays), o problema é deles. Eu espero que não exista qualquer “frocio” na seleção. Mas se eles são isso, é com eles. Não sei se existe alguém. Deixo assim, caso contrário, já sabem, virão os ataques de todas as partes”. Isso foi em junho. Em abril daquele ano, o técnico da seleção italiana Cesare Prandelli colocou que “No futebol e no esporte ainda existe um tabu sobre a homossexualidade, quando as pessoas deveriam viver livres de acordo com seus próprios desejos e sentimentos. Quando falamos de amor e sentimentos, o povo deveria poder amar quem quisesse”.

Outro ponto é talvez o menos sensível às pessoas. Quando se fala do próprio racismo, ou mais recentemente de entrega de jogo, o discurso segue a mesma tônica: “somos homens, temos caráter, somos honestos!”. Percebam que esse discurso, de modo inconsciente, provavelmente, associa caráter e honestidade ao fato de ser homem. Não fica explicito que uma mulher não seja assim, mas fica implícito que são valores compartilhados entre os homens. Pode até parecer viagem, mas é incrível como o uso da palavra em determinado discurso exclui/inclui as pessoas. Vale ressaltar que a mulher vem ganhando uma presença cada vez maior na vida política, econômica, social e esportiva da sociedade. Embora não haja tanto destaque midiático, o futebol feminino vem crescendo muito. Vez ou outra podemos ver jogos das seleções, mas os jogos de clubes não. Em nome da tradição, ainda estamos muito presos ao calendário do futebol masculino. Soma-se a isso o fato dos patrocinadores primarem mais pela modalidade considerada oficial. Além também da presença da mulher na arbitragem, no jornalismo esportivo e em outras esferas. Elas também manjam muito. Não deve haver o determinismo que diz que por ser mulher não deve saber de futebol. Se pá elas manjam de futebol, NHL, UFC e Hokey muito mais que você que é homem e tá lendo isso.

Enfim, a questão é que, embora algumas dessas coisas pareçam que só são explícitas, brincadeira pra provocar rival, entre outros, são formas de preconceitos, mas são sutis. Ao rebater o racismo não devemos usar o argumento do que o maior jogador de todos os tempos era negro. Porque mesmo se fosse bisonho, grosso, péssimo jogador, Pelé mereceria respeito simplesmente por ser uma pessoa. Ao nos declarar contra o preconceito, devemos perceber como gestos e práticas legitimam ainda mais a diferenciação entre as pessoas. Disso fica a resposta da pergunta: o futebol é um termômetro da sociedade. Tudo que foi dito não faz parte de casos isolados, mas sim de toda uma lógica e uma estrutura de pensamento e de vida.

Fontes: http://globoesporte.globo.com/platb/memoriaec/2011/03/23/a-contribuicao-do-vasco-para-o-integracao-racial-e-social-no-futebol/

http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,arouca-e-chamado-de-macaco-apos-goleada-do-santos-em-mogi-mirim,1138189,0.htm

http://globoesporte.globo.com/futebol/eurocopa/noticia/2012/06/cassano-aquece-polemica-sobre-jogadores-gays-na-selecao-italiana.html

'Tudo é possível'

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Veículo da Folha incendiado: acusado de transportar presos políticos
Risível, para não dizer desaforado, o editorial da Folha de S.Paulo no domingo, 30 de março. O embaraço ao fazer um mea culpa nos 50 anos do golpe militar começa logo pelo título: "1964" - apenas o ano do acontecimento, tentando uma "neutralidade" que beira (ou alcança) o tucanismo. Todo esse cuidado, esse pisar nas pontas dos pés, sobre ovos, se reflete ainda mais na linha fina que apresenta o texto (o grifo é nosso): "Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais". Ou seja: sim, nós apoiamos os militares; e sim, isso foi ruim; mas, "veja bem, não é o que você está pensando, sejamos razoáveis..."

Depois das necessárias - ainda que tardias - críticas à ditadura, nos quatro primeiros parágrafos, pra tentar "ganhar" a simpatia daqueles que a condenam, a Folha desliza na argumentação (o grifo é nosso): "Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico". Como assim?!? "Forçou os limites da legalidade"?!? O governo de João Goulart não teve tempo - nem força - para tomar uma medida sequer, legal ou "ilegal", a favor ou contra qualquer coisa. Pelo contrário: assim que Jânio Quadros renunciou, Jango sofreu o primeiro golpe, ao ser obrigado a aceitar um regime temporário de parlamentarismo. Isso sim "forçou os limites da legalidade". Aliás, quando os militares tentaram impedir a posse LEGAL de Jango como presidente, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, conseguiu garanti-la justamente com uma campanha de resistência batizada de "Corrente da Legalidade".

Jornal chama ditadura de 'ditabranda' e gera protesto popular
Mas o editorial da Folha omite tudo isso e prossegue derrapando: "Logo após 1964, quando a ditadura militar se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país". Ah, mas que boazinha essa ditadura! Que esforço ela fazia para se conter, coitada! Tanto que, ANTES de qualquer pessoa pegar em armas contra ela, os militares cassaram centenas de políticos democraticamente eleitos, prenderam arbitrariamente milhares de pessoas, institucionalizaram a tortura, proibiram eleições, alçaram a "linha dura" ao poder, censuraram a imprensa, amordaçaram o Congresso e "estupraram" o país ao impor o AI-5. Isso é ser "contida"?

Pois foi justamente por toda essa violência que muitos (ainda que equivocadamente) partiram para a luta armada. Não contente, porém, o editoral emenda cinco parágrafos de exaltação ao "milagre econômico" do início dos anos 1970, como sendo o lado "benéfico" e "justificável" do golpe militar. E aí vem o grand finale, quando o jornal assume o apoio que deu ao regime de exceção - e procura nos convencer de que, na época, foi uma atitude "correta": "Às vezes se cobra, desta Folha, ter apoiado a ditadura durante a primeira metade de sua vigência, tornando-se um dos veículos mais críticos na metade seguinte. Não há dúvida de que, aos olhos de hoje, aquele apoio foi um erro". Somente "aos olhos de hoje"?!?? Vá dizer isso a alguém que foi barbaramente torturado naqueles tempos! E que talvez, como registram várias denúncias, tenha sido transportado para cárceres clandestinos em veículos da própria Folha de S.Paulo. A mesma Folha que já chamou a ditadura de "ditabranda"...

Abril de 1964: Folha defende o 'regime'
É isso, minha gente. O jornal que insuflou o golpe em quase todo o período do curto - mas legítimo - governo João Goulart, e que saudou a tomada de poder pelos militares como a salvação do país, diz agora que "errou", mas termina o editorial em tom de "sermão" contra possíveis detratores. Só que tem um lance curioso: quando pensei em fazer esse post, imaginei os comentários que faria para encerrá-lo. Mas foi aí que eu reparei em outros três textos publicados na mesma página 2 da Folha de domingo (assinados por Eliane Cantanhêde, Henrique Mirelles e Carlos Heitor Cony) e notei que, por uma "coincidência semiótica", os títulos de cada um resumiam - ou comentavam - o descarado editorial: 'Desastres nada naturais', 'O que não foi feito' e 'Tudo é possível'. Impressionante como, sem querer, qualquer um desses títulos poderia nominar o editorial, em vez do anódino "1964". Por isso, me sinto à vontade para terminar o texto com uma definição do Dicionário Informal: "CARA DE PAU: Pessoa descarada, sem vergonha. Atrevido. Sinônimos: atrevido, sem vergonha, safado, mentiroso, descarado, sem escrúpulos, cara lisa". Sem mais.