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segunda-feira, setembro 21, 2015

Papéis para decidir o jogo: 'Foi gol!' ou 'Não foi!'

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Outro dia registrei aqui as bizarrices do futebol paulista nos anos 1930, na transição do amadorismo para o profissionalismo, com jogos em que os juízes ou se recusavam a seguir apitando ou eram substituídos na marra, jogadores abraçavam o adversário ao sofrer um gol bonito, o árbitro interrompia a partida para que dezenas de chapéus atirados ao gramado fossem retirados, atletas substituídos no 1º tempo voltavam depois, um outro que atuava como bandeirinha entrava para reforçar um dos times e jogadores expulsos podiam ser substituídos. Tais situações são descritas no "Almanaque do São Paulo", publicação independente de José Renato Sátiro Santiago Júnior e Raul Snell Júnior. Pois agora fui presenteado com outro livro sobre a mesma época, "História do futebol em Pernambuco", de Givanildo Alves (Editora Bagaço, 1998, 2ª edição revista e ampliada). Não por acaso, a obra também traz uma série de causos bizarros dos primeiros tempos do futebol disputado nos campos de Recife.

Um dos melhores ocorreu no campeonato pernambucano de 1931, quando o Náutico não podia perder nem empatar um jogo contra o forte Torre, extinto clube apelidado de "Madeira rubra" (tinha uniforme completamente vermelho) e que naquela época já havia ganho os estaduais de 1926, 1929 e 1930. Porque, caso empatasse ou perdesse, o Timbu (apelido do Náutico motivado pela cachaça) recolocaria na disputa pelo título o arquirrival Sport, que já estava praticamente eliminado. Acontece que, para aquela partida decisiva contra o Torre no estádio dos Aflitos, marcada para 29 de novembro de 1931, vários jogadores desfalcariam o Náutico e, como o adversário era tecnicamente superior, a possibilidade de vencê-lo era remota. Foi então que, três dias antes do compromisso, Eládio de Barros Cavalho (foto), um dos diretores do clube, do qual seria presidente por diversas vezes entre 1948 e 1964, surpreende: "Deixem comigo".

Na véspera do jogo, um sábado, Eládio Carvalho chega aos Aflitos por volta das cinco horas da tarde. Chama "seu" Adolfo, responsável pelo campo, e ordena: "Arranje um serrote". Sem qualquer cerimônia, o diretor do Náutico faz com que o velho empregado do clube abra um buraco no pé de uma das traves, que eram de madeira, e serre a parte que fica enterrada no chão. "Com uns vinte vaivém, o travessão superior fiou penso e o poste lateral ruiu", narra o livro. No dia seguinte, o jornal Diário da Manhã estampa ofício dirigido pelo Náutico ao presidente da Federação Pernambucana, Virgílio Maia:
"No intuito de salvaguardar a sua responsabilidade, o Clube Náutico Capibaribe apressa-se a comunicar a V.S., o acidente que acaba de se verificar em seu campo de desportos. No momento em que o encarregado do campo procedia a reparos em um dos postes laterais do gol, sucedeu o mesmo ruir, em virtude do mau estado de conservação da parte enterrada, inteiramente carcomida pela umidade. Dada a hora adiantada em que isso se verificou, impossibilitando a substituição do madeiramento em mau estado, quer nos parecer não ser possível terminar o serviço necessário a tempo de se realizar o jogo marcado, para nosso campo, o que comunicamos para os necessários fins."
A partida não acontece, como o Náutico queria, mas os jornais não engolem o tal "acidente". Na segunda-feira, 30 de novembro, o Diário de Pernambuco comenta: "Causou estranheza nos círculos esportivos o caso do adiamento do jogo Náutico x Torre, em face das circunstâncias em que se revestiu: adiamento processado à última hora, com espaço limitado de tempo para ser impossível uma providência urgente". Apesar de o jogo ter sido adiado, e de o Náutico ter conseguido vencer o Torre, por 1 x 0, o Santa Cruz foi o campeão daquele ano. Mas, para os alvirrubros, o mais importante foi que o rival Sport não terminou a competição nem entre os quatro primeiros...

Mas antes disso, no Campeonato de 1930, ocorreu o fato mais surreal descrito pelo livro. No dia 13 de julho, no estádio da Avenida Malaquias, o árbitro Antonio Gaeta apita o clássico Santa Cruz x Sport, que vence por 1 a 0. Faltando menos de cinco minutos para o fim do jogo, o "Cobra Coral" pressiona pelo empate. "Júlio Fernandes estira um passe a Lauro, que entra na área do Sport e passa a bola a Carlos", conta o livro. "O atacante desfere um chute violentíssimo (...). A bola entrou no ângulo, tocando no varão de ferro, que estava fora do lugar, saindo por um rasgão da rede". Forma-se a confusão. "Sinceramente, não vi se foi gol", confessa o árbitro, enquanto é cercado pelos jogadores dos dois times. Pressionado a tomar uma decisão e já xingado e ameaçado, Gaeta passa a fazer opções esdrúxulas. Primeiro, pergunta se havia sido gol a uma criança. "Vou invocar o testemunho de um inocente", diz, como se a "justificativa" convencesse ou tivesse algum respaldo.

"A bola não entrou, seu juiz", garante o garoto (que torce para o Sport, óbvio!). Os jogadores do Santa Cruz se revoltam. O juiz, então, tenta outra saída (estapafúrdia): "Bem, aqui está um policial, um homem da lei. Ele vai decidir". O guarda, que não perde um jogo do "Cobra Coral", logicamente crava que a bola entrou. Dessa vez são os jogadores do Sport que se exaltam e ameaçam o juiz. O pau quebra entre os torcedores nas arquibancadas. "Não tendo mais para quem apelar", prossegue o livro, "o confuso árbitro chama os jogadores para o centro do campo. ' - Bem, vou tomar a última decisão. Vou fazer um sorteio. Num pedaço de papel, boto: 'Foi gol!'; noutro, 'Não foi!'". Incrédulos, os jogadores dos dois times nem comentam a sugestão, abandonando o gramado. A partida foi anulada e remarcada para a semana seguinte, quando o Santa Cruz venceu o Sport por 3 a 2.