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Por Moriti Neto
Não sou daqueles admiradores incondicionais do Carnaval. Até gosto das marchinhas antigas, de um bom samba de raiz, mas desfiles das megaescolas e a zona generalizada me atordoam.
Então, faço o quê no período da festa pagã? Procuro o bar mais tranquilo possível pra beber a cerveja mais gelada possível neste calor dos infernos. Mas confesso que encontrar tal bar, na pequena Atibaia, em pleno feriadão, não é tarefa assim tão simples.
Bem, depois derreter por algum tempo em busca de algum sossego e de garganta refrescada, eis que surge um oásis. Um bar aconchegante, com cara de casa, boa cerveja (com bom preço, aliás) e ainda futebol na tela. Quase ninguém preocupado com o Carnaval. Quando um dos poucos adeptos pergunta à proprietária do recinto: “e a bateria? Cadê as músicas carnavalescas?”, a resposta vem calma, em tom de brincadeira, mas rápida: “se quiser folia, vá procurar no centro da cidade, quem vem aqui quer bom papo e pouco barulho”.
Porém a pérola daquele domingo pagão, no comecinho da noite, estava por vir. Dois nobres manguaças, aparentemente já em avançado estado etílico, sentam-se à mesa ao lado e é impossível não reparar no diálogo. Algumas frases desconexas e o papo descamba para um furto que parece ter ocorrido na casa de um deles. “Olha, se eu pegasse dava uns tiros”, diz o primeiro. A frase do segundo é enigmática: “mas cachorro não tem vício!”. A palavra volta ao interlocutor inicial que esclarece: “claro que tem. O meu comeu todo meu torresmo”. Ah, tá. Entendi o furto, mas não a revolta do manguaça. Ela só valeria se o objeto de vício do cachorro fosse outro.
3 comentários:
Deixa o cachorro viciar!
Quanto a mim, também compartilho três vícios com o Moriti: o São Paulo FC, o horror ao Carnaval institucionalizado (barulho e multidão aí incluídos) e a involuntária mas interessante mania de ouvir conversas de mesas alheias.
Outro dia parei numa tasca fedorenta (barraquinha de madeira em frente ao Extra da Raposo Tavares) pra tomar uma gelada e espichei a orelha pra gravar os absurdos da confabulação entre dois manguaças e o dono do "estabelecimento". "Essa aguaceira toda é culpa da Marta. Ela mandou tapar todos os bueiros da cidade. É por isso que um filho dela se matou, o outro é drogado e outro é bicha". "Ah, é mesmo. E foi ela que mandou furar o metrô por baixo do rio Pinheiros. Só tem areia ali, vai cair tudo, vai ser a maior tragédia do Brasil em todos os tempos". Daí veio o arremate espetacular: "É por isso que eu falo: se tivesse pena de morte, não chovia desse jeito!".
Bebi meu último gole, paguei e, já me afastando, pensei: "São Pedro não sabe a sorte que tem por não terem aprovado a pena de morte no Brasil...".
"Se tivesse pena de morte, não chovia desse jeito!". Lapidar!
Olha, Marcão, e eu que achava que tinha ouvido de tudo no bar? Rapaz, precisamos compartilhar mais esses vícios pessoalmente!
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