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Era uma padaria dessas metidas a besta. Tomando um café para encarar uma sessão de cinema – que se revelaria chata à beça e exigente daquela ingestão de cafeína para manter-me acordado – desfrutei da conversa alheia.
Chegam à mesa ao lado três homens, um mais moço, na faixa dos 30, outro na casa dos 50, e o terceiro, saindo dos 60. Preferem a mesa do lado de fora, "que é mais fresco", inclusive por uma garoa intermitente.
Eles se provocam até que algum deles atira a pergunta para o garçom:
– Você não é corintiano, é?
– É claro – devolveu, com um sorriso que fez todo mundo entender que, sim, era um sofredor-graças-a-Deus.
– Aqui, aqui – repetia o sessentão, comemorando qual um gol a "conquista" de um aliado em terras nada lusitanas daquela padaria metida a chique.
Passado o êxtase e acomodados, começa a conferência?
– Vai uma breja, seu Durval? – sugeriu o mais novo ao mais velho, com a deferência de quem fala ao sogro.
– Mas... você não ia tomar o seu uisquinho? – convidou-se.
– Não, eu não queria ficar muito bêbado. Com uísque eu vou ficar bêbado. Cerveja? – insistiu.
– Tá bom, que cerveja tem?.
O mais novo repete a pergunta ao garçom. Tinha só longneck da Bohemia, da Heineken, da Cerpa e da Skol. Os olhos voltam-se ao de maior experiência e de maior quilometragem rodada em mesas de bar do Brasil.
– (pausa reflexiva) Vai de Räikkönen (sic) – respondeu, agora sem olhar ao outrora aliado corintiano.
– Três Räikkönen (sic), então – concordou, de pronto, o rapaz, dirigindo-se ao garçom.
na hora em que ouvi a pérola.
Sem hesitar, foi-se o trabalhador buscar as garrafas verdes da lager holandesa que há pouco tempo comprou a Kaiser e a Bavária no Brasil. A piada não é nova, mas a confusão involuntária, pelo menos para mim, sim.
Um minuto mais e o mais novo foi para dentro da padaria buscar alguma opção de pão sólido. O senhor, liberado de olhares repressores, chamou o garçom para uma extravagência.
– Vem cá, que cachaça você tem?
– Não temos cachaça, não, senhor.
– Nenhuma?
– Bom, vende a garrafa, mas seria pro senhor levar pra casa. Pra servir aqui, não tem.
– Nem uma São Francisco? – insistiu.
– Não tem...
A reiterada negativa não bastou.
– Mas eu sou cachaceiro, viu? Como é que não tem cachaça? Vem cá, ô corintiano. Como não tem cachaça? Tem que ter, senão vão achar que eu não sou cachaceiro! E ele também – completou, apontando para o terceiro e calado elemento da mesa.
Nem mesmo um apelo dessa monta demoveu o encarregado das mesas de fora. Para sorte dele, a garoa apertou e o mais novo veio levar a tropa para uma mesa do lado de dentro, já com alguma porção encaminhada – não de pão, mas de alguma fritura não identificada.
O cinquentão foi o último a sair, quando nem garçom nem os parceiros estavam por perto. Calado até ali, exclamou para si mesmo olhando para o outro lado da rua:
– Eu falei pra gente ir pro bar...
9 comentários:
Mais um grande relato de orelhada de bar (ou de padaria), mas faltou falar aos não-iniciados em esportes a motor quem é o Räikkönen e sua trajetória etílica invejável.
Excelente.
"– Eu falei pra gente ir pro bar..." (2)
bem lembrada a trajetória etílica do piloto que não passa no teste do bafômetro.
"Vem cá, ô corintiano. Como não tem cachaça?"
Excelente relato!
Como não tem cachaça na padoca? Eita!
Desculpa fugir do assunto do post, mas é que por falar em cachaça e corinthiano... Qdo eu era moleque e ia pro estádio com os manos lá minha quebrada, tinha um maluco que enchia aqueles saquinhos de geladinho (manjam?) com cachaça pra beber na arquibancada. Se os puliça perguntassem era água - hehehe.
Camilo, meu pai conta que, no segundo (e trágico) jogo da decisão do Paulista de 1977, num Morumbi absurdamente lotado, um cara encheu de cachaça o bambu da bandeira que carregava. Solidário, compartilhou com os vizinhos, hehe!
Muito boa essa estratégia. Uma vez fui ao Morumbi, coisa de cinco anos atrás, e tinha uns caras bem bêbados, uns degraus abaixo. Depois percebi que eles estavam chupando laranjas "batizadas"...
Sempre que alguém na roda fala "vamos pro bar" há que se obedecer, senão vira conto!
sobre as laranjas batizadas, é uma estratégia interessante. se fizer isso com limão, usando uma seringa pra injetar cachaça adocicada, será uma caipirinha prontinha pro consumo.
se algum bar de bacana fizer isso, vende por uma nota. mas pode salvar uma partida modorrenta de futebol.
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