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Em 1981, Ignácio de Loyola Brandão publicou seu livro "Não verás país nenhum", ficção na qual descreve uma megalópole brasileira (São Paulo?) no futuro. O autor conta a vida de Souza, que vive no meio do caos da cidade, destruída pelos avanços tecnológicos, onde não há água, verde, vida saudável e muito menos liberdade. O livro dá a entender que tudo piorou após a "Época da Grande Locupletação", alusão à ditadura militar brasileira - aquela mesma que muitos, agora, vão às ruas para pedir que volte (!). "Essa época de locupletação não existiu. Foi calúnia", garantia a direção da escola em que Souza dava aula, na ficção. "Fala-se muito, mas onde os documentos? Invenções, mitos", acrescentavam, de forma idêntica aos que negam que o regime militar tenha praticado torturas no Brasil. Mas vamos a alguns trechos literais do (incômodo) livro:
"Abro a porta, o bafo quente vem do corredor. Já estou melado, quando chegar ao centro estarei em sopa. Como todo mundo. A vizinha varre o chão, furiosamente. Como se fosse possível lutar contra a poeira negra, a imundície. Não fornecem água para lavar as partes comuns. (...)
[Souza vai ao trabalho mas, antes, encontra um amigo]Através dos vidros encardidos, mal se percebe o salão. Cumprimento com um aceno, Prata me faz um sinal, gosta de uma prosinha. Inevitável, indolor.
— Tem água esta semana?
— E eu sei? Pergunte ao distribuidor.
— É que você tem aquele sobrinho.
— Não faço a mínima idéia.
— Desorganizaram as entregas, ou aumentaram os prazos.
— Ou os dois juntos.
— Vê se descobre. (...)[Souza encontra o sobrinho, que é um soldado, ou "civiltar"]— Tem comida?
— O normal.
— Vou tentar algo na Subsistência. Ah, quer fichas para água?
— Sempre é bom, jamais consegui me controlar, gasto mesmo.
— E não é para gastar?
— Mas tem o racionamento, para dividir melhor.
— Racionamento, tio? Pensa que é para todo mundo?
No fundo, não gosto dele. Uso suas facilidades. Penso que tenho direito a elas, contribuo para que o Novo Exército exista com todos os seus privilégios. Devo explorá-lo. (...)
A sua urina é comercializada. Com a falta de água, aparelhos recolhem os mijos saudáveis numa caixa central, onde se procede à reciclagem. Há mistura, tratamento químico intenso, filtragem, purificação, refinamento, transformação. A urina retorna branca, pura, sem cheiro, esterilizada. Dizem que dá para beber. Eu é que não vou experimentar. Nem o mijo meu, quanto mais o dos outros. Mas os Postos Apropriados têm uma capacidade limitada de recolhimento. Daí também a seleção apurada e o bom ambiente que se encontra nestes banheiros especiais, de luxo, para pessoas de fino trato. (...)"
Pois bem (ou melhor, pois MAL): procurei rever esses trechos do livro depois de ler mais uma notícia sobre o (des)governo de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo:
E outra notícia me lembrou a ficcional "Época da Grande Locupletação":
É isso. E enquanto o índice de roubos aumenta vertiginosamente no Estado de São Paulo, as pessoas vão para a Avenida Paulista pedir intervenção militar no... governo federal (!). Enquanto o governo do PSDB leva a USP à falência e tem o pior nível do Ensino Médio público dos últimos seis anos, as pessoas culpam Dilma Rousseff pela "situação da educação" (!!). Enquanto a epidemia de dengue no Estado de São Paulo já alcança quase 20 mil casos, as pessoas estão mais preocupadas com o Ebola (!!!). E enquanto observo essas pessoas babando e espumando de raiva e ódio contra o PT, concluo que o PSDB, infelizmente, vai tornando a ficção de Ignácio de Loyola Brandão uma trágica realidade em terras paulistas. Muito antes do que sequer poderíamos imaginar...