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Quando o primeiro Fórum
Social Mundial, grande encontro de movimentos sociais e das esquerdas
em geral de todo o mundo, aconteceu em 2001, o que prevalecia era o
neoliberalismo e o pensamento único personificado pelo pensamento de
Francis Fukuyama, filósofo e economista quem em 1992 publicou o
livro O fim da história e o último homem, decretando a vitória do
neoliberalismo e o triunfo do capital e da tese do Estado mínimo.
Tempos difíceis, nos
quais esquerdistas eram chamados de “jurássicos” pelo presidente
brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Menem era o mandatário da
Argentina; Fujimori, o do Peru. Todos, mais tarde, julgados e
condenados, pela Justiça ou pelo povo de seus países. Apenas na
Venezuela um chefe de Estado destoava do resto do continente.
Foto via Twitter da Cynara Menezes |
Essa introdução é só
para lembrar que as coisas precisam ser avaliadas em seu contexto.
Aquele era um país que até então tinha vivido sob governos que se
serviam da receita do petróleo para concentrar a renda, mas passava
àquela altura a ter outra direção. Hugo Chávez, eleito em 1998 e
reeleito três vezes, conseguiu dados sociais expressivos. No período
de seus governos, o desemprego caiu de 14,9% para 5,9%, e o índice
Gini, que mede a desigualdade social, em 1999 era de 0,46 e em 2012
chegou a 0,39. Conseguiu também praticamente erradicar o
analfabetismo, de acordo com a Unesco. Mesmo o candidato da oposição
em 2012, Henrique Caprilles, falou durante a campanha em manter as
conquistas sociais da Era Chávez. Nada pode ser mais sintomático do
legado chavista, ainda mais vindo de uma oposição que várias vezes
bateu abaixo da cintura do ex-presidente.
Como em 2002, quando
parte do empresariado, da classe política, e, principalmente, da
mídia venezuelana derrubaram Chávez por dois dias. Mas ele retornou
apoiado por parte da população, a mais pobre, que não admitiu
abrir mão dos avanços que havia obtido. Aqui no Brasil, vi um
jornalista “democrata” na televisão saudando o “golpe cívico”,
expressão usada para dizer que aquilo não era bem um golpe, quase uma revolução branca, do tipo burguesa, sabe? Nada
surpreendente tratando-se de um ex-membro do Comando de Caça aos
Comunistas. Mas estávamos no século 21...
Fora os avanços em
áreas sociais, o governo venezuelano também estimulou a
participação popular por meio de referendos e plebiscitos. O
próprio presidente submeteu seu mandato à avaliação popular e
chegou a perder duas votações, algo incomum para um “ditador”
como costuma(va)m chamá-lo alguns dos próceres da imprensa
brasileira.
E, voltando ao início,
impossível não enxergar a marca de Hugo Chávez na eleição de
todos aqueles presidentes de centro-esquerda e de esquerda que vieram
na América Latina depois dele, evidente principalmente em figuras
como Rafael Corrêa e Evo Morales. Mas ninguém pode definir melhor
Chávez do que Eduardo Galeano, no vídeo abaixo (provavelmente de 2004/2005 e que chegou por meio
do Twitter do Lino
Bocchinni), Confira a transcrição/tradução (mais ou menos
livre) em que o autor de As Veias Abertas da América Latina explica
Chávez.
O caso mais
escandaloso de manipulação da opinião pública mundial é o caso
da Venezuela. No grande teatro do bem e do mal há distribuição de
funções entre anjos e de demônios e Hugo Chávez é um dos
principais demônios. É um ditador, do ponto de vista da fábrica da
opinião pública mundial. Um estranho ditador, ganhou cinco eleições
em oito anos, e agora, recentemente, em um referendo, foi o primeiro
presidente da história da humanidade que pôs o seu cargo à
disposição do povo. E ganhou de 6 a 4, 60% a 40%, e em uma eleição
que assisti como observador e posso dar o testemunho de que foram
eleições transparentes, nas quais pela primeira vez se evitou que
os mortos votassem. Eles que na Venezuela tinham o mau hábito de
votar. E também se evitou que a mesma pessoa votasse várias
vezes... Por Mal de Parkinson, muitos colocavam os mesmos votos na
urna...
A Venezuela é um
país estranho em que ocorre isso e que, ao mesmo tempo, se assistem
denúncias sobre falta de liberdade de expressão. Vejo a televisão,
há um senhor que diz que não há liberdade de expressão; ligo o
rádio e uma voz clama “aqui não há liberdade de expressão”;
abro o jornal e há um título enorme que diz que na Venezuela não
há liberdade de expressão.
Um só meio de
comunicação foi fechado na Venezuela nos últimos cinco anos, o
canal 8 de televisão, mas não foi fechado por Chávez, e sim por
esses democratas que tomaram o poder por 48 horas e nessas 48 horas
fecharam tudo, a Assembleia Nacional, a Constituição... Estranha
ditadura e estranhos democratas.
Acredito que há aí
um divórcio exemplar entre a “realidade real” e a realidade
virtual que os meios mostram como a única possível. E qual a
explicação? Na Venezuela, havia cinco milhões de pessoas sem
direitos civis, porque não tinham documentos e os filhos não podiam
ir à escola porque não tinham certidão de nascimento. Porque em
pleno paraíso petroleiro, no que se chama a Venezuela saudita, havia
um milhão e meio de analfabetos que agora estão se alfabetizando e
isso explica a fúria dos grandes meios chamados de comunicação,
que não nos comunicam. E também explica o resultado desta eleição
e das anteriores porque há um povo que resume sua atitude
perfeitamente por meio de uma frase de um venezuelano pobre que foi
entrevistado recentemente, que é mais expressiva que qualquer
discurso: “Eu não quero que Chávez saia, porque não quero voltar
a ser invisível”.