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domingo, setembro 14, 2008

Ricos, pobres e carga tributária no Brasil

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O presidente do Ipea Marcio Pochmann, em artigo publicado hoje na Folha de S. Paulo (aqui, para assinantes), ataca um ponto que tem me inquietado bastante nas discussões de boteco sobre a economia brasileira. Trata-se da carga tributária do país, ou seja, quanto o governo arrecada com impostos, taxas e congêneres.

Está na moda já há algum tempo dizer que a carga tributária é alta, o que seria um dos fatores a limitar o crescimento do país, tornando-o menos atraente para que empresários (daqui e de fora) façam investimentos. Empresários e mídia têm propagado esse raciocínio a quatro ventos, ganhando simpatia da classe média. Foi um dos motes do movimento cívico (sic) Cansei e da mobilização contra a renovação da CPMF.

O artigo de Pochmann questiona essa avaliação, dizendo que a mera constatação de que a carga tributaria é maior do que 35% do PIB, estando em níveis de países desenvolvidos, o que o Brasil está longe de ser, é simplista como crítica e dificultam análises comparativas sérias com outros países. Diante disso, propõe duas ponderações.

Primeiro, a questão da regressividade dos impostos: quem ganha mais, paga menos. “Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%. No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária”, afirma o economista. O motivo, explica ele, é o tipo de impostos que são aplicados por aqui. Na maioria, eles são indiretos, do tipo que se embute no preço de produtos e serviços (como o ICMS) e não diretos, como o Imposto de Renda. Com isso, rico e pobre pagam o mesmo imposto quando compra feijão ou televisores.

A justiça do sistema deveria vir de impostos diretos, fazendo com que os mais ricos arcassem com a maior parte do financiamento do Estado, promovendo distribuição de renda direta e indiretamente, pelas políticas públicas do Estado. No entanto, o que ocorre é que os ricos conseguem escapar dos impostos, contratando equipes de contadores e outros profissionais para encontrar maneiras de, dentro da lei (na maior parte dos casos, quero crer), não recolher impostos. “Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles -como o tributo sobre grandes fortunas-, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições”, afirma o professor da Unicamp.

A questão da progressividade também é um problema mesmo em impostos que a praticam, como o IR. A tabela é tímida em tributação aos mais ricos, como demonstra a comparação com outros países. “O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.” “Em síntese,", conclui, "a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições."

Outro ponto criticado pelo economista é o uso do dinheiro arrecadado. O economista afirma que, “no Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes”, pois uma série de compromissos assumidos, como subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público absorve a maior parte da grana. “Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões."

Percebam que destes pontos só o dinheiro dos velhinhos é questionado pelo pessoal que clama por menos impostos. A “eficiência do Estado”, que eles afirmam almejar, não suporta aposentadorias e pensões, mas suporta o refinanciamento bilionário feito regularmente de dívidas astronômicas do setor agrícola com o governo, o pagamento de juros não menos galácticos pela dívida pública, subsídios e mais subsídios a setores empresariais. Dinheiro para rico é “investimento”, para pobre é gasto. O crescimento econômico dos últimos anos, em boa parte impulsionado pelo aumento constante no consumo das famílias (financiado também em larga medida pelo aumento do salário mínimo, Bolsa Família e credito consignado), desmente a tese.

O artigo caiu como uma luva para mim, que nunca gostei dessa ladainha pela redução dos impostos mas naõ tinha condições de justificar bem minha posição. O principal motivo é que acredito na importância do Estado enquanto promotor de melhores condições para a população. Para isso, é preciso grana, e grana do Estado vem de impostos. Logo, o Estado arrecadar faz parte. O problema é o tipo de arrecadação, que precisa pegar mais grana dos andares de cima e deixar o pessoal de baixo respirar. O próprio Pochmann, numa palestra que vi um tempo atrás, disse que uma estrutura progressiva de impostos foi um dos pilares no crescimento dos países que hoje chamamos desenvolvidos (junto com a reforma agrária, outra de que o pessoal da bufunfa – e seus aliados da maioria da classe média – foge como a bola do pé do Perdigão).

Outro ponto sempre me deixou com o pé atrás na questão é a origem das críticas. É só a neoliberalzada de plantão e um monte de gente rica. Se esses caras são contra, minha curta experiência tem demonstrado que eu sou a favor. Leiam o artigo do homem a vamos qualificar o papo no bar.

8 comentários:

Anônimo disse...

Segundo o IBGE, quem possui renda familiar acima de R$ 4.500 - é da "classe A" - a que mais chia com a carga tributária, embora seja a que mais sonega, uma vez que a "classe trabalhadora" - tem o tributo confiscado na fonte.

O artigo do Pochmann - muito esclarecedor, mas longe de nos convencer, mais parece uma tese que tenta polimizar na linha do confronto de idéias - pois o que sentimos na prática e de fato, nem se trata de ser 12% ou 37% - mas a má aplicação, a má gestão. Se você tem filho em idade escolar, embora seu imposto em tese, seria para mantê-lo em uma escola boa, de qualidade, você tem que pagar a particular, o mesmo acontece com a saúde, transporte público. Estamos ávidos por uma explicação dessa matemática, onde só um lado se beneficia,

Anônimo disse...

Ao meu ver, o problema maior é a aplicação dos recursos. O segundo problema é a incidência proporcionalmente maior para o pessoal de menor renda.

Agora, dar corda a essa pretensa divisão entre "trabalhadores" e "classe média" é fazer o jogo do inimigo.

É claro que há estratificação social entre quem sustenta a família com R$ 1000 e quem o faz com R$ 5000, mas dizer que "acima de R$ 4500 é classe A" é demais.

Marcão disse...

Se o Perdigão pagasse imposto ao Estado toda vez que perde a bola, metade do gasto público estaria resolvida...

Glauco disse...

Boa e necessária reflexão o post. As mudanças implementadas nos últimos anos (a maior parte durante o governo FHC) facilitaram a vida do ganho do capital e dificultaram a de quem vive com rendimentos do trabalho. Altamiro Borges destaca uma delas. Em 1995, o governo possibilitou que uma empresa possa distribuir juros aos seus sócios ou acionistas e, com isso, ela pode reduzir seus lucros tributáveis através de uma despesa fictícia, os "juros sobre capital próprio". Assim, paga-se apenas 15% de IR.

Esse é só um exemplo, mas que mostra que, conforme a remuneração que a pessoa recebe e a área em que ela atua, pode-se recorrer à constituição de uma empresa como forma de aliviar a tributação. Já o pobre não pode recorrer a esse artifício, tem que pagar imposto sem chorar.

Olavo Soares disse...

O LULLA FICA PEGANDO IMPOSTO DE KEM TRABALHA PRA SUSTENTAR VAGABUNDO QUE VIVE DO BOLSA FAMILIA

Nicolau disse...

Paulo, acho que a questão da aplicação dos recursos não se resume a "gestão", termo muito usado pela tucanada, como se o problema do país fosse resolvido ao se contratar um bom administrador de empresas. Claro que há problemas de gestão, mas creio que o grosso do problema, abordada pelo post e pelo artigo, é de opção política. É só ver que a despesa com o superávit primário, ou seja, a economia para pagamento da dívida pública, é da ordem de 4,5% do PIB, enquanto os gastos com saúde e educação ficam, respectivamente, em torno de 1,5% e 0,8%. Essa opção política me parece bem mais grave do que a gestão e precisa ser discutida.

Anônimo disse...

Nicolau, a edição de agosto do Le Monde Diplomatique Brasil trás artigo muito interessante justamente sobre esse tema. O autor do artigo, cujo nome o álcool me impede de lembrar (mas devia ser algo como "Mais pra quem tem mais"), traz uma informação muito interessante sobre a desproporcionalidade do ITR e do IPTU. Enquanto a população esmagada nos grandes pólos urbanos paga uma cacetada em IPTU, os grandes latifundiários pagam uma merreca de ITR (quando pagam). E isso quando não usam trabalho semi-escravo. Muito adequado seu post.

Anônimo disse...

Olha a merda. Na segunda linha do meu comentário era "traz", e não "trás". Cachaça mata muito neurônio, mas é danada de boa. Abraço