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segunda-feira, setembro 14, 2015

'Zizinho era um jogador completo'

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A frase que dá título ao post foi dita por um tal de Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé. Ele refere-se à Tomás Soares da Silva, que hoje estaria completando 94 anos (morreu em 8 de fevereiro de 2002, aos 80 anos). Voltemos ao que disse Pelé: "Quando eu era garoto, procurava imitar dois jogadores: o Dondinho, meu pai, e o Zizinho. Quando comecei a minha carreira no Santos, o Zizinho estava encerrando a dele no São Paulo. E encerrando em grande estilo. Ele foi campeão e considerado o melhor jogador do Campeonato Paulista de 1957. Zizinho era um jogador completo. Atuava na meia, no ataque, marcava bem, era um ótimo cabeceador, driblava como poucos, sabia armar. Além de tudo, não tinha medo de cara feia. Jogava duro quando preciso."

Pelé, 17 anos, e Zizinho, 36, no primeiro Paulistão disputado pelos dois, o de 1957

De fato, se o menino Edson já era fã de Zizinho desde a Copa de 1950, quando o meia carioca foi considerado um "Leonardo Da Vinci" da bola pela imprensa estrangeira, apesar da derrota do Brasil para o Uruguai na decisão, o jogador Pelé, em sua estreia profissional no Campeonato Paulista, em 1957, pôde admirar toda a técnica do ídolo frente a frente, numa tarde histórica. Depois de terminar a primeira fase do campeonato em 5º lugar, o São Paulo decidiu buscar um reforço para o meio-campo. Quando anunciou o veterano Zizinho, os adversários debocharam: com 37 anos, estava encostado no modesto Bangu fazia cinco anos, desde que fora dispensado pelo Flamengo. Porém, com ele, o time do técnico húngraro Bélla Gutman se encaixou e disparou na fase decisiva, com 7 vitórias seguidas.

Ataque 'infernal': Maurinho, Amaury, Gino, Zizinho (o 'dono da bola') e Canhoteiro

Entre essas sete vitórias, um 4 x 2 sobre o forte Palmeiras, logo na estreia de Zizinho, e uma goleada inesquecível sobre o Santos, em plena Vila Belmiro, no dia 17 de novembro de 1957. O alvinegro praiano, que seria o vice-campeão daquele ano, campeão de 1958 e que dominaria o Brasil, a América e o planeta pelos dez anos seguintes, jogou com Veludo; Getúlio e Dalmo; Fioti, Ramiro e Zito; Tite, Alvaro, Pagão, Pelé e Pepe. Já o São Paulo entrou em campo com Poy; De Sordi e Mauro; Dino Sani,  Vitor e Riberto; Maurinho, Amaury, Gino, Zizinho e Canhoteiro. Logo no primeiro tempo, 2 x 0 para o Tricolor, gols de Maurinho e Canhoteiro. Na etapa final, Canhoteiro fez mais dois e Zizinho e Amaury fecharam a goleada (o Santos descontou com Vitor, contra, e Tite): 6 x 2!

Time do São Paulo que entrou em campo para decidir o Paulistão com o Corinthians

O curioso é que esse mesmo Santos teria papel decisivo para a conquista do paulistão pelo São Paulo, no mês seguinte. Depois de liderar a competição com 35 jogos invictos, o Corinthians tropeçou na penúltima rodada, ao perder por 1 x 0 justamente para o time de Pelé. Isso embolou completamente o campeonato: o São Paulo empatou com o Corinthians na liderança, com 28 pontos, e o Santos  vinha logo atrás, com 27. Como a tabela previa para a última rodada o confronto direto entre os dois líderes, um empate nesse jogo, somado a uma vitória santista contra o Palmeiras, deixaria três times empatados com 29 pontos (vitória valia 2 pontos). E forçaria a decisão num triangular (um "supercampeonato"). Daí, o Santos goleou o alviverde por 4 x 1 e ficou na torcida pelo empate na outra partida.

Maurinho dribla o goleiro corintiano Gilmar e marca o gol do título paulista de 1957

E a esperança dos santistas cresceu quando o primeiro tempo do clássico entre Corinthians e São Paulo terminou sem gols. Mas a etapa final foi eletrizante: Amaury abriu o placar para o Tricolor aos 17 minutos e, cinco minutos depois, Canhoteiro ampliou. Só que os 2 x 0 fizeram com que o alvinegro de Parque São Jorge partisse para o tudo ou nada e sufocasse o São Paulo, que tentava se segurar em seu campo. Aos 21 minutos, Rafael diminuiu para 2 x 1 e a pressão chegou ao limite: tudo indicava que o Corinthians ia empatar em minutos e, depois, virar o jogo e sacramentar o título. Foi então que, para aliviar, Zizinho (sempre ele!) interceptou mais um ataque alvinegro, aos 34 minutos, e deu um chutão para o campo adversário; Gino escorou e a bola sobrou para Maurinho, que marcou: 3 x 1.

Ataque da seleção no Sul-Americano de 1957: Joel, Zizinho, Evaristo, Didi e Pepe

Os corintianos partiram para cima da arbitragem, alegando impedimento, e o pau quebrou na torcida (a decisão ficou conhecida como "Tarde das Garrafadas"). Mas o título ficou mesmo com o São Paulo, o último antes de uma longa fila de 13 anos. Zizinho ainda jogou parte da temporada de 1958 no Tricolor, seguindo depois para o Audax, do Chile, e encerrando a carreira no mineiro Uberaba. Depois de disputar o Sul-Americano de 1957 pela seleção brasileira, muitos davam como certa sua convocação para a Copa da Suécia, o que não ocorreu - e abriu vaga exatamente para Pelé, que se consagrou. No início da década de 1960, Zizinho deu sua última grande contribuição para o futebol brasileiro: como amigo do pai de Gérson, foi o grande incentivador do "Canhotinha" em seu início de carreira.


segunda-feira, setembro 15, 2014

Uma bomba no caminho do Canhão

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Troféu da Pequena Taça do Mundo
No dia 26 de julho de 1955, o São Paulo entrou em campo em Caracas para golear o poderoso Benfica, de Portugal, por 4 a 2. O jogo valia pela Pequena Taça do Mundo, torneio internacional de clubes realizado na Venezuela de 1952 até 1975. No segundo tempo daquela partida, o jovem atacante Paraíba, de 24 anos, substituiu Lanzoninho. Era a sua primeira temporada no Tricolor paulista. Apesar de não ter feito gol contra o Benfica, Paraíba já havia balançado as redes na estreia da competição, em 16 de julho, contra o time venezuelano La Salle. Entrou também no empate sem gols contra o mesmo Benfica e na vitória por 2 a 0 contra o espanhol Valencia. Mas acompanharia do banco os dois jogos seguintes à goleada contra os portugueses, uma nova vitória sobre o La Salle e um empate com o Valencia, que renderam o primeiro título da Pequena Taça do Mundo ao São Paulo (venceria novamente em 1963).

São Paulo na Venezuela, em 1955: Paraíba é o segundo agachado, da esquerda pra direita

Zagueiro Mauro, que ergueria a Jules Rimet em 1962, ilustra notícia do título do SPFC

Paraíba ainda jogaria pelo Tricolor em 1956. Ao todo, fez 39 jogos e marcou 16 gols com a camisa sãopaulina, mas nunca se firmou como titular. Em 1957, retornaria ao clube que o revelou, o pernambucano Santa Cruz. Lá, se consagraria como um dos destaques da conquista do "supercampeonato" daquele ano, fase final de desempate disputada contra os rivais Náutico e Sport - batidos, respectivamente, por 3 x 1 e 3 x 2. Paraíba foi apelidado de "O Canhão do Arruda", numa referência ao seu potente chute de perna direita e ao estádio do Santa Cruz. No total, marcaria 105 gols com a camisa coral. Depois, ainda jogaria pelo Salgueiros, de Portugal, antes de retornar a Pernambuco e encerrar a carreira no (futuramente folclórico) Íbis.

O time do Santa Cruz supercampeão de 1957, com o 'Canhão do Arruda' assinalado
Na manhã de 25 de julho de 1966, o guarda civil Sebastião Thomaz de Aquino chegou ao Aeroporto de Guararapes, em Recife, para mais um dia de trabalho. Pouco depois, encontrou uma maleta abandonada no meio do saguão. Seguindo os procedimentos de praxe, Sebastião pegou a maleta e dirigiu-se para o Departamento de Aviação Civil (DAC), quando, no meio do caminho, houve uma grande explosão. O alvo do atentado seria o general Arthur da Costa e Silva, então ministro do Exército e candidato à sucessão do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, que iria desembarcar naquele aeroporto. Porém, seu avião teve uma pane em João Pessoa, na Paraíba, e na última hora o general foi forçado a ir para Recife em um automóvel.

O guarda Sebastião Thomaz Aquino, em choque, sendo socorrido após a explosão
Conta o livro "A Ditadura Envergonhada", primeiro de quatro volumes escrito por Elio Gaspari sobre o regime militar: "Costa e Silva deveria ter desembarcado às 8h30. A maleta detonou às 8h50. Guardava uma bomba feita com um pedaço de cano e que foi acionada pelo mecanismo de um relógio. Morreram no aeroporto um almirante da reserva e um jornalista. O guarda [Sebastião Thomaz de Aquino] teve a perna amputada, e o secretário de Segurança de Pernambuco perdeu quatro dedos da mão esquerda. Treze pessoas ficaram feridas, inclusive uma criança de seis anos". O estrago só não foi maior porque, ao saber que Costa e Silva não viria mais de avião, a maior parte das 300 pessoas que o aguardavam ali já havia ido embora.

O ex-padre Alípio de Freitas vive em Portugal
Segundo Gaspari, o grupo responsável pela bomba foi o grupo Ação Popular (AP) e teria sido deixada no local por Raimundo Gonçalves Figueiredo, o "Raimundinho", que seria assassinado pela ditadura em 1971, já como integrante do grupo VAR-Palmares. O mentor do atentado, porém, teria sido o ex-padre português Alípio de Freitas, que militava clandestinamente na AP e montara um núcleo de treinamento em explosivos na Bahia. "Morreu muita gente, nós lamentamos. Mas era uma guerra, tinha que haver vítimas", disse ele, em uma entrevista para o Jornal do Commercio, de Recife, em 1995. Atualmente, ele vive em Portugal.

O guarda civil Sebastião Thomaz de Aquino, que teve a perna direita amputada após o atendado, recordou mais tarde a fatalidade da situação: "Eu pedi ao meu chefe para folgar no domingo, para jogar uma 'peladinha' com os meus amigos, e ir trabalhar na segunda-feira". Fazia sentido a fome de bola: apesar de o Brasil ter sido eliminado dias antes pelos portugueses, as pessoas ainda viviam o clima da Copa da Inglaterra, que só terminaria no fim do mês. Mas foi a última partida de futebol disputada por Sebastião. Para cúmulo do azar, a segunda-feira de serviço, na qual, em princípio, estaria de folga, seria o fatídico 25 de julho de 1966. Naquela manhã, Sebastião perdeu a mesma perna que o havia consagrado como o "Canhão do Arruda". Sim, o guarda que encontrou a maleta no saguão do aeroporto era o ex-jogador Paraíba.

O ex-jogador e ex-guarda Paraíba
"Com a perna direita, fui o canhão. E acabei perdendo ela por causa de uma bomba. Engraçado. Alguém andou colocando olho gordo demais", comentou, entre risos, para uma reportagem do Diário de Pernambuco publicada em agosto de 2009. Já naquela época, Paraíba sofria da Doença de Alzheimer, decorrência do alcoolismo no qual mergulhou para afogar as mágoas da amputação. "Perdi, muitas vezes, a vontade de viver. Cheguei a pensar em dar um tiro na minha cabeça", confessou. Nascido em 20 de janeiro de 1931, em Ingá, a 96 quilômetros de João Pessoa (PB), Sebastião ainda vive em Recife, onde, apesar da situação de penúria, é ídolo da torcida do Santa Cruz. Talvez, se tivesse escapado daquela fatalidade em 1966, ainda tentasse disparar seu "canhão" com o pé direito nas peladas com os amigos. Mas havia uma bomba no meio do caminho...

E é estranho pensar como Portugal se enredou decisivamente na vida desse paraibano, primeiro quando enfrentou o Benfica na Venezuela, depois quando foi jogar no lusitano Salgueiro e, por fim, quando terminou sendo vítima de um atentado planejado por um ex-padre português. Enfim, navegar é preciso. Viver, não.