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O anúncio da futura
renúncia de Joseph Ratzinger, vulgo Bento XVI, ao comando da
Igreja Católica abre alguma perspectiva otimista para aqueles que
professam a fé de Pedro e acreditam em uma religião
menos intolerante com a diferença. Claro que essa é uma esperança
deveras otimista, já que certamente o quase ex-papa alemão plantou
em seu colégio cardinalício, que escolherá seu sucessor, todas as
sementes do conservadorismo que tanto lhe apraz.
Mas o fato traz a
lembrança de um legado positivo da Igreja Católica para boa parte
do mundo (“positivo” segundo entendimento de autores e leitores
do Futepoca): a estreita ligação dos católicos da Idade Média com
a evolução da cerveja. De acordo com a Larousse
da Cerveja, as primeiras iniciativas de produção em maior
escala do líquido dourado, algo até então feito de forma
doméstica, aconteceram nos mosteiros, no século VI. Entre eles, a
famosa Abadia
de Bobbio, na Itália, que serviu de inspiração
para Umberto Eco escrever O
Nome da Rosa.
Pra quem leu o livro ou
viu o filme ou simplesmente aprendeu em História, sabe-se que na
sociedade iletrada da época boa parte do conhecimento e da pesquisa
daquele período se desenvolvia nos mosteiros. Ali que surgiu a
conservação da gloriosa bebida a frio, por exemplo, além de terem
sido feitas receitas particulares cuja fabricação e
consumo não ficaram restritas aos retiros de monges, alcançando
também casas episcopais e catedrais europeias.
Até a Renascença, que
traria os fundamentos do capitalismo e da elaboração de métodos de
produção mais eficientes, a Igreja tem papel crucial na história
da cerveja. E, isto posto, vários de seus santos passam a guardar
também relações íntimas com a loira ora gelada, ora não,
ressaltando-se que não era em toda parte do continente europeu que
se podia plantar uvas e se produzir o sagrado vinho. Daí, sobrava a
cerveja...
Produção complicada |
O padroeiro dos
colhedores de lúpulo, ou padroeiro da própria cerveja na Bélgica,
país símbolo desse tipo de bebida, é Santo Arnaldo, ou Arnold
de Soissons. Nasceu em 1040 e foi monge na
abadia de St. Médard, em Soissons, sendo fundador da abadia de
Oudenburg. Um dos milagres atribuídos a ele é que teria mergulhado
seu crucifixo em um barril de cerveja fazendo com que o povo bebesse algo mais interessante que água durante um período em que
uma praga assolava a população local. Aqui, talvez o milagre possa
ser facilmente explicado. Não era incomum que, em alguns lugares da
Europa na Idade Média, se incentivasse o consumo de cerveja ao invés
de água, dada a chance de contaminação do líquido que o
passarinho bebe. Mas não deixa de ser um ponto positivo para a
bebida... Além disso, Arnold teria conseguido cerveja para servir ao
exército belga orando
e apelando a Deus. Para os que acreditam, o dia
de São Arnaldo é 15 de agosto, em Bruxelas, o dia é 8 de julho.
Esse Arnaldo por vezes
é confundido com outro de nome semelhante, Arnoldo, Santo Arnulf de
Mets, um austríaco que viveu entre 580 e 640. A ele é atribuído um
milagre que teria ocorrido no transporte de seu corpo para a
exumação. Aqueles que transportavam, pararam em uma taberna para
descansar e e só havia cerveja para uma caneca. Tal recipiente nunca
ficou vazio, matando a sede dos peregrinos. O dia de celebração em
sua homenagem é 18 de julho.
Outros santos também
têm sua ligação com a cerveja, como Santo Agostinho, considerado
pela Igreja Católica o padroeiro dos cervejeiros (28 de agosto); São
Wenceslau, padroeiro da região da Boêmia, e São Columbano, cuja
importância está ligada ao fato de ter sido um grande divulgador e
fundador de mosteiros (a casa da cerveja) na Europa. Mas é uma
mulher que merece destaque...
Hildegard, inspirada pelo Espírito Santo |
Santa Hildegard (ou
Hildegarda, de acordo com o aportuguesamento) von Bingen é
considerada a introdutora de um elemento essencial, que faz parte da
receita de pureza alemã, o lúpulo. De acordo com esse post,
que cita o livro Cerveja - Guia Ilustrado Zahar,
"registros do século VIII mostram que o lúpulo era
comumente cultivado nas abadias, mas não especificamente para uso em
cerveja. A primeira menção inequívoca sobre esse uso está nos
textos de santa Hildegarda (1098-1179), abadessa de Rupertsberg,
abadia beneditina perto de Bingen, não muito longe da cidade alemã
de Mainz". Ainda de acordo com a obra, a santa teria escrito:
"Se alguém pretende fazer cerveja com aveia, ela é preparada
com lúpulo", fazendo referência à forma como a cerveja era
feita
até então: os europeus tinham por hábito misturar à cerveja
ingredientes como gengibre, especiarias, flores e frutas silvestres. A visão avançada de Hildegard (não só por conta do lúpulo na cerveja, obviamente) inspirou um filme, como lembra o Edu neste post.
Portanto, pode beber sem culpa que a Igreja ajudou a cerveja ser o que é. Pecado é só a gula...