No programa Globo Esporte de hoje, da famigerada "Vênus Platinada", o atacante corintiano Emerson Sheik fez questão de declarar (o grifo é meu): "Festa nunca mais! Eu tomava minha cerveja, mas já estou há dois meses sem beber" (leia aqui). Uma frase na medida para ficar "de boa" com a torcida - a mesma que, há cerca de um ano e meio, reagiu furiosamente depois da postagem de uma foto em que o jogador dava uma "bitoca" num amigo, episódio que colaborou decisivamente para que fosse emprestado ao Botafogo-RJ no ano passado. De volta ao Corinthians, Sheik recuperou a confiança do técnico Tite, apesar de causar alguma dor de cabeça à diretoria, como quando chega atrasado aos treinos. Porém, mesmo assim, vem apresentando um bom futebol neste início de temporada. E esse é o cerne da questão: o que importa se o jogador bebe ou não a sua cervejinha nas horas de folga? Sou daquela opinião de que, se o cabra corresponder em campo, ninguém tem nada com sua vida pessoal. Mas hoje, com as torcidas organizadas patrulhando "baladas" noturnas (e a imprensa esportiva dando cada vez mais espaço pra esse tipo de pauta "revista Contigo"), os jogadores procuram passar a imagem de "bons moços". Dando declarações como a de Emerson Sheik ao Globo Esporte, por exemplo.
Sócrates, nos tempos de jogador, brindando cerveja
Coisas como essa me levam a pensar no quanto o futebol encaretou de uns 20 ou 30 anos pra cá. Quando eu era moleque, nenhum dos grandes craques escondia que tomava sua cervejinha - e, quando apareciam na TV fazendo churrasco ou roda de samba, todos ostentavam um copinho na mão. Como o Júnior, do Flamengo, o palmeirense César Maluco, o sãopaulino/santista Serginho Chulapa, o Careca (que conta que bebeu com os torcedores logo após a conquista do Brasileirão de 86), sem falar no Renato Gaúcho, Romário & cia. ilimitada. Mas o ícone máximo, neste "quesito", era mesmo o Doutor Sócrates, "guru informal" e sintético do Futepoca. Tá certo que o Magrão, a exemplo de outros casos tristes como os do Canhoteiro e do Garrincha, sucumbiu ao alcoolismo e morreu disso, depois de parar de jogar. Mas, nos seus tempos de Corinthians e de seleção brasileira, nunca deixou de corresponder em campo, mesmo mantendo o hábito de beber e fumar - e publicamente, à vontade, em qualquer situação. Por isso mesmo, ao contrário dos jogadores de hoje, tinha a coragem de peitar todo tipo de patrulha, da torcida e da imprensa. "Não querem que eu beba, fume ou pense? Pois eu bebo, fumo e penso. Fui para a avenida brincar, bebi direitinho. Não fico me escondendo para fazer as coisas", afirmou, à revista Placar, logo após o Carnaval de 1986. Prestem atenção: "bebo e penso". Ah, bons tempos! Velhos tempos, saudosos tempos...
Paulo Henrique Ganso é um excelente jogador, acima da média, um dos melhores meias surgidos no país nos últimos dez anos. Isso é indiscutível. Desde que despontou para o futebol profissional no Santos, em 2009, e principalmente na temporada do ano seguinte, chamou a atenção da imprensa e de todos os que gostam de futebol técnico, talentoso e de qualidade. Mas, infelizmente, sofreu contusões e cirurgias sérias precocemente, que impediram a evolução natural de sua carreira, a exemplo do colega e compadre Neymar. Depois de muito esforço para tentar atuar em alto nível pelo Santos, forçou a saída para o São Paulo e, somente após um ano completo no novo clube, começou a mostrar um pouco do que sabe, muito pelo incentivo do treinador Muricy Ramalho. Tomara que continue a evoluir e volte a brilhar. Todos os que gostam de futebol torcem por isso.
Porém, desde que chegou ao Morumbi, há uma campanha aparentemente "orquestrada", na imprensa esportiva nacional (ah, a imprensa esportiva!), para entronizá-lo como um semideus intocável, "craque dos craques" e acima de qualquer julgamento ou crítica. Nos tempos do técnico Ney Franco, que, a meu ver, teve que escalá-lo sob pressão da diretoria, antes que Ganso estivesse 100%, cansei de ver jogos em que ele foi um dos piores em campo, mas a mídia descia o sarrafo em outros jogadores e no treinador e o poupava explicitamente de cobranças. Quando o técnico caiu, começou uma ladainha hegemônica na imprensa (principalmente na TV e inclusive nas emissoras de rádio, que ouvi muito este ano) dizendo que todos os problemas do São Paulo seriam resolvidos se Ganso fosse titular absoluto. Paulo Autuori chegou e fez isso. Nada mudou; o time seguiu passando vexame. E Ganso, incólume - mesmo quando não fazia absolutamente nada em 90 minutos.
Ganso no São Paulo: ainda está devendo
Daí veio Muricy Ramalho, que teve a grande postura de mandar Jadson para a reserva e deixar Ganso à vontade para comandar o meio de campo, com a cobertura do "ressuscitado" Maicon. Deu certo: o ex-santista passou a encaixar assistências dignas de aplausos e até a fazer alguns golzinhos. Mas, convenhamos, ainda não é nem 30% do que era há três ou quatro anos (o que pode até ser motivo de comemoração, pelo potencial futuro de rendimento). Só que a mídia aproveitou sua recuperação para engrossar a opinião unânime de "craque absoluto, maior gênio atuando no país etc etc". Chega a ser constrangedor, pois, quando Ganso erra (e ele erra bastante, assim como todos os outros esforçados jogadores sãopaulinos), ninguém comenta ou dá destaque. E aí a coisa fica ainda mais delicada quando começa o côro ensurdecedor pedindo o meia na seleção brasileira. Até Muricy embarcou e "cobrou" Felipão.
Sim, volto a repetir, Ganso é acima da média e tem um potencial raro. Mas ainda não voltou a ser aquele de 2010, longe disso. E ontem outro craque indiscutível, o veterano Seedorf, teve a coragem de dizer isso em alto e bom som no programa "Bem, amigos", comandado por Galvão Bueno na SporTV, canal fechado da Rede Globo. Depois de muito confete sobre o lance genial de Ganso contra o Botafogo, que driblou três defensores e acertou a trave, Seedorf foi questionado pelo ex-árbitro Arnaldo Cezar Coelho se Ganso faria sucesso na Europa. "Na Itália, ele não passaria assim, não", cortou, seco. E, diante da insistência dos "Gansetes" Galvão e Arnaldo, atalhou: "A marcação é diferente. O Ganso pára a bola, joga, pára a bola. De vez em quando, ele faz jogadas de primeira e aí que vem todo o seu talento. Acho que ele tem muito talento, mas esses momentos não podem ser a descrição desse jogador. Ele pra mim anda um pouco devagar dentro do campo e com esse ritmo não vai dar na Europa". Silêncio constrangedor no programa, que é transmitido ao vivo...
Que fique claro: eu torço muito para que Ganso volte, o mais breve possível, a jogar no nível que já demonstrou. Mas essa ducha de água fria do Seedorf no oba-oba da imprensa sobre o meia sãopaulino foi espetacular. E talvez ajude o próprio Ganso a se conscientizar de que a distância entre o que está jogando e que dizem que está jogando ainda é quilométrica - e o incentive a reagir ainda mais. Grande Seedorf!
Em 2011, quando o Corinthians foi eliminado da Libertadores, um amigo comentou sobre as gozações ouvidas por um corintiano chamado Roberto Lima. Pois bem, depois do golaço do Riquelme no Pacaembu, ontem, surge a notícia de que um outro integrante da nação corintiana está passando por situação ainda mais embaraçosa: além de ter batizado o filho como Juan Riquelme (porque o Boca Juniors venceu o Palmeiras nas Libertadores de 2000 e 2001), Rodrigo Guimarães ainda tatuou o nome do jogador - e do filho - nas costas. Pois é. O mundo (da bola) dá voltas...
Antes da partida, quase
toda a mídia esportiva lembrava que o Santos, recentemente, tem levado
a pior contra o Palmeiras, mesmo em ocasiões nas quais tinha time
superior (o que é verdade). E também destacando que Neymar tinha,
até a partida, 29%
de aproveitamento contra o Alviverde. Esta, a propósito, era uma
das três matérias negativas em relação a Neymar no portal Uol,
nenhuma delas original. As outras duas diziam respeito a uma
reportagem curiosa da Forbes sobre possíveis gastos excessivos
do atacante (ah, como ele tem pais em todo o mundo) e outra
comentando a respeito de um colunista do Ole que disse que o
atacante praticava “futebol
foca”, tal qual Cristiano Ronaldo. Realmente, está faltando
pauta.
Sempre ele. (Santosfc)
Talvez por conta desse
seu histórico contra o Palmeiras, o atacante foi individualista em
excesso na primeira etapa, buscando resolver por conta própria
quando nem sempre era a melhor opção. Com os donos da casa
procurando mais o gol (ainda que sem criar muita coisa, exceção de
um lance de Barcos, que tentou uma assistência para Mazinho), o
Alvinegro não conseguia levar perigo nos contra-ataques, a exceção
foi uma jogada do Onze santista, aos 29 minutos. Uma partida
truncada, pegada e, nesse cenário, foi o Palmeiras quem marcou aos
41, uma grande finalização fora da área de Côrrea, que ainda
tocou no gramado e ganhou velocidade antes de entrar.
No entanto, ainda no
primeiro tempo, Ganso, que pouco fazia àquela altura, sofreu uma
falta desnecessária de Valdívia que voltou pra mostrar “vontade”,
ao marcar na intermediária. Neymar cobrou a falta que vale o
adjetivo dos locutores de rádio de outrora: magistral, sem chances
para Bruno.
Na segunda etapa, o
Santos voltou tocando mais a bola, marcando melhor no meio de campo e
não deixando o Palmeiras fazer a pressão que tentou no tempo
inicial. Mais uma vez coube ao Onze peixeiro “achar” uma
finalização no canto direito do arqueiro rival. A partir dali, deu
pra perceber o quanto a situação palmeirense na tabela pesa.
Jogadores errando passes fáceis, nervosismo e poucas chances
efetivas de gol. As duas principais foram com Barcos. O avante
desperdiçou diante de Rafael e, mais tarde, cabeceou certo mas
esbarrou em uma defesa incrível do arqueiro santista.
Essa última
finalização de Barcos, aliás, veio depois de uma oportunidade
espetacularmente perdida por Ganso que, à frente do goleiro,
preferiu dar o passe – errado – para o lado. Mas o meia, ainda
santista, merece um capítulo à parte aqui.
O Santos consegue assim sua terceira vitória seguida, sendo duas em clássicos, e termina o primeiro turno em uma posição menos vexatória do que se ensaiava. Dos últimos quinze pontos, foram treze ganhos, e o sonho da Libertadores ainda está vivo, ainda que o caminho seja árduo e Neymar vá desfalcar o time em algumas ocasiões por conta da seleção.
Caso Ganso
Neymar
tem muitos “pais”. É gente querendo dar lição de ética,
moral, educação cívica, educação financeira, cortesia, relação
com a mídia, gerenciamento de carreira, de como influenciar pessoas
etc e tal. Mas Paulo Henrique Ganso, um jogador que pintou como
grande estrela e, além de estagnar, retrocedeu, não conta com tanta
gente na mídia e na imprensa esportiva, especificamente, lhe dando
conselhos ou ensinando como proceder. Talvez porque alguns – ou
muitos – joguem com a confusão e queiram mesmo que o jogador saia
da Vila, ainda mais se for para times bem quistos pelos media,
como um que “comprou”
o meia no ano passado ou o outro que tenta levá-lo hoje.
Que pena, Ganso... (Ricardo Saibun / Santosfc.com.br)
Claro
que veículos de comunicação são atores desse enredo, não os
principais responsáveis pela situação do meia hoje. Estes são o
próprio jogador e seu estafe, além da diretoria do Santos. Se a
Forbes
se preocupasse com a situação financeira de Ganso, e não de
Neymar, veria que o meia perdeu alguns milhões ao não aceitar uma
das propostas de contrato do clube, lá atrás. Talvez porque,
autossuficiente, o jogador confiasse que iria receber uma proposta
milionária pelo seu futebol. Todas as três propostas recebidas até
agora (Porto, Inter e São Paulo) não são o que se pode esperar
para um atleta que fez outrora atuações dignas de gala. Mas que
muitos enxergam serem coisa do passado.
Uma
rotina de contusões, operações e uma extrema instabilidade fora de
campo fazem de Ganso uma incógnita no futuro. E o cenário de
leva-e-traz que o envolve irritou Muricy Ramalho, que o protege em
entrevistas mas que na coletiva pós-jogo de hoje espetou o colega de
profissão e técnico do São Paulo, Ney Franco, ao afirmar que não
sabia se poderia escalar o meia hoje, já que o “cara lá até
escalou ele”. O fato é que a diretoria do Santos se vê acuada não
só pela movimentação da DIS, que detém 55% dos direitos
econômicos do atleta, mas também por clubes rivais e pela própria
imprensa, que martelou durante toda a semana que a transação
envolvendo Ganso estava concretizada e que era possível até mesmo
ele atuar no clássico de domingo. Só esqueceram de “combinar com
os russos”, no caso, o contratante Santos.
Se
Ganso sair pelo valor da multa, será ótimo para o clube, mas é
pouco provável que isso aconteça sem seus investidores colocarem a
mão no bolso, coisa que aparentemente eles não farão, a despeito
de todo apreço que tentam passar ter pelo atleta. E, caso não seja
negociado agora, a vida seguirá e o meia vai ter que lutar para
recuperar o espaço nobre perdido na seleção, no coração dos
santistas e na mente de quem gosta de futebol bem jogado.