Em um dia 17 de junho como hoje o Brasil defendia seu
primeiro título mundial de futebol, conquistado quatro anos antes na Suécia. A base titular daquela seleção
era praticamente a mesma de 1958, inicialmente, apenas com
duas mudanças: os zagueiros, Mauro e Zózimo,
no lugar de Bellini e Orlando. Nílton Santos, mesmo com 37 anos e já
atuando como zagueiro pelo Botafogo por conta da idade, foi escalado
como titular, barrando Rildo, do Santos, que fazia parte da primeira
lista de 41 convocados mas acabou cortado. Já Coutinho, que vinha
jogando no time de Aymoré Moreira, foi para a reserva e cedeu lugar
para Vavá no Mundial, pois o treinador privilegiou a experiência
dos campeões de 58.
Dos 22 atletas que
foram ao Chile, sete eram do Santos, cinco do Botafogo, três do
Palmeiras, três do Fluminense e dois do São Paulo. Ainda havia
Zózimo, do Bangu, e o jovem Jair da Costa, da Portuguesa. O grupo da
seleção no torneio contava com México, Tchecoslováquia e Espanha.
A estreia foi contra os mexicanos e o Brasil venceu por 2 a 0, mas
não jogou um futebol convincente. Pelé fez o cruzamento para
Zagallo marcar o primeiro gol da partida, que só surgiu aos 11 do
segundo tempo e o próprio Dez marcou o segundo, depois de driblar
dois adversários, aos 28.
Mas se a desconfiança
pairava sobre a seleção, que muitos viam como uma equipe
envelhecida, a situação ficaria ainda pior na segunda partida. O
jogo entre Brasil e Tchecoslováquia terminou em zero a zero, mas a notícia ruim foi a contusão de Pelé, que, aos 27 minutos, depois de
finalizar de fora da área, sentiu a virilha esquerda. Sem condições
de atuar, ficou em campo até o final, já que não eram permitidas
substituições. No dia seguinte, o diagnóstico de distensão no
músculo adutor da coxa esquerda confirmava os temores do time e da
torcida: Pelé estava fora da Copa.
Na partida que fechou a
primeira fase, o Brasil precisava somente do empate para ir às
quartas de final do Mundial, mas a Espanha era um time forte, que
tinha praticamente o ataque do Real Madrid campeão europeu. E
contava com um expediente que depois seria proibido: a naturalização
de atletas, mesmo daqueles que já tinham disputado jogos por outras
seleções. Assim, a Fúria vinha com o húngaro Puskas e o argentino
Di Stefano, que chegou ao Chile contundido, além do uruguaio
Santamaría e o paraguaio Martínez. Após a Copa, a Fifa proibiu a
“naturalização por atacado”, que estava virando moda, como
mostrava a seleção da Itália, que também tinha os seus: os
brasileiros Sormani e Altafini e os argentinos Sívori e Maschio
O time inteiro jogava
mal e a Espanha chegou ao gol aos 35, com Adelardo. Tudo poderia
ter sido ainda pior se não fossem dois grandes erros da arbitragem. O
primeiro, em um lance que já se tornou lenda, no qual Nílton Santos
derrubou Collar na área mas, espertamente, deu um passo à frente,
ludibriando o árbitro chileno Sergio Bustamante. Na sequência, após
a cobrança de falta de Puskas, Peiró marcou de bicicleta, mas o gol
foi anulado por Bustamante ter entendido o lance como “jogada
perigosa”, ainda que Peiró estivesse a mais de um metro de Zózimo.
O vídeo abaixo mostra dos dois lances. Amarildo e Garrincha
marcariam a virada brasileira.
E Garrincha apareceu
Vieram as quartas de final
foram contra a Inglaterra e, finalmente, brilhou a estrela de
Garrincha. O ponta havia sido muito criticado pelo seu desempenho na
primeira fase e, sem Pelé, o Brasil apostava no talento do craque
das pernas tortas. Ele marcou o primeiro tento da partida, de cabeça,
mas os ingleses empataram oito minutos depois, com Hitchens. A
igualdade persistiu até os 8 do segundo tempo, quando Vavá escorou
após rebote do goleiro Springett em cobrança de Garrincha. O ponta
faria ainda o terceiro, em chute de fora da área. Naquele dia,
Garrincha só seria driblado por um cachorro que entrou em campo
paralisando a peleja. Outro cão provocou uma segunda paralisação e
sumiu debaixo das arquibancadas.
A semifinal seria
contra os donos da casa e a seleção tentou se precaver contra
qualquer imprevisto. Tanto que a refeições do dia da semifinal
foram providenciadas pela própria comissão técnica brasileira, que
tinha medo de algum “problema” com a comida servida aos jogadores
no hotel. Na partida, o infernal Garrincha assegurou a vantagem logo
aos 9, com um chute de fora da área que foi parar no ângulo
esquerdo de Escuti. Ele marcaria novamente aos 31, de cabeça, com o
Chile descontando em cobrança de falta aos 41 ainda do primeiro
tempo.
Logo no início da
segunda etapa, Vavá não deixou os anfitriões se animarem, e marcou
após escanteio. Leonel Sanchez descontou de pênalti e Vavá
fez o quarto, aos 33. Depois do último gol, o jogo sairia do
controle do árbitro peruano Arturo Yamazaki. Landa foi expulso após
falta dura em Zito e Garrincha, caçado durante todo o tempo, revidou
em cima de Rojas, agredindo o chileno. O juiz não viu o lance, mas
foi cercado pelos chilenos, que apelaram para o testemunho do
auxiliar uruguaio Esteban Marino, que confirmou a agressão. Como não
havia suspensão automática, ficava a dúvida: Garrincha poderia
jogar a final pelo Brasil?
E daí surge mais um
episódio “estranho” a favor dos brasileiros. Em sessão
extraordinária do Tribunal da Fifa, o árbitro disse não ter visto
a agressão, mas que o uruguaio Marino havia confirmado que ela tinha
existido. Convocado para depor, Marino não compareceu, pois já teria
deixado o Chile àquela altura. Sem o depoimento, Garrincha foi
liberado para atuar contra a Tchecoslováquia. À época, dizia-se
que a CBD teria pago a viagem de Marino, que estaria no Brasil.
Um mês após a Copa, o uruguaio foi contratado pela Federação
Paulista de Futebol.
No dia da final,
Garrincha amanheceu com febre e não teve a destacada atuação dos
dois jogos anteriores. Os tchecos aproveitaram e abriram o placar aos
15. Mas somente dois minutos depois do gol de Masopust, Amarildo
empatou, em um lance no qual o arqueiro Schroif fez um fatídico golpe de
vista.
Na etapa final, a
seleção veio melhor, mas poderia ter encontrado mais problemas se o
árbitro Nikolai Latchev tivesse marcado pênalti quando Djalma
Santos tocou a bola com o braço dentro da área, em cruzamento de
Jelinek. Como o juizão interpretou “bola na mão”,
o jogo seguiu e, aos 24, Amarildo fez grande jogada pela esquerda e
cruzou para Zito, que marcou. Algo raro, já que, por ser volante, o santista costumava chegar pouco à área e na sua trajetória com a camisa do Brasil foram apenas três gols. Um deles, este, que pode ser considerado o do título.
Após nova falha, mais grotesca, de Schroif, Vavá fez
o terceiro aos 33 e selou a vitória brasileira. O país que tinha
complexo de vira-latas no futebol antes do Mundial de 58, vencia pela
segunda vez a Copa do Mundo. E como perguntar não ofende, será que algum jogador, desses que costumam imitar João Sorrisão e quetais, na rodada do Brasileirão de hoje vai lembrar de homenagear os grandes de 1962?
Boa parte das
informações contidas neste post estão no ótimo livro de Lycio
Vellozo Ribas, O
mundo das Copas. Mais que recomendável.
15 de junho de 1958. A terceira rodada da Copa do Mundo definiria os oito países classificados para as oitavas-de-final do torneio. O Brasil enfrentava a União Soviética e, em caso de vitória, asseguraria o primeiro lugar no grupo. O técnico Vicente Feola fazia, em relação à partida anterior contra a Inglaterra, três alterações: Vavá, que já havia entrado no jogo contra os ingleses no lugar o meia esquerda Dida, foi deslocado para o ataque, sua posição normal. Para a posição de Dida, Feola colocou o garoto Pelé. O ponta Joel também foi sacado para a entrada de Garrincha, enquanto Dino dava lugar a Zito.
A União Soviética, segundo a Gazeta Esportiva Ilustrada, tinha um esquema de jogo que se assemelhava mais ao sul-americano. O centro-médio soviético, ao contrário dos ingleses e da maioria dos europeus, apoiava o ataque, dando um caráter mais ofensivo ao time. Muito em função disso, o sistema vermelho “encaixou” com o jogo brasileiro, fazendo a seleção “levar de roldão” o adversário.
Os vinte primeiros minutos e os vinte finais foram de um domínio absoluto da seleção brasileira. Durante o resto do tempo, a União Soviética recuava a bola para Yashin (era permitido ao goleiro segurá-la com as mãos), tentando esfriar o ritmo da partida. As estocadas e dribles desconcertantes de Garrincha, que recebia passes longos e precisos de Didi, desnortearam a defesa soviética, como já dito aqui. Pelé e Vavá também protagonizaram lances vistosos, com tabelas curtas e rápidas como a que resultou no segundo gol brasileiro.
O final de 2 a 0, gols de Vavá, foi considerado injusto, dada a superioridade verde-e-amarela. Garrincha passou a ser chamado pelos suecos de “rei do dribbling” após a partida contra a União Soviética e o Gotemborg Handels estampou na capa: “Esse diabinho foi a alma danada dos russos”, referindo-se ao ponta. O primeiro lugar do grupo estava assegurado e o Brasil confirmava o favoritismo que muitos europeus atribuíam à seleção antes do início da Copa.
Partidas desempate
Na outra partida do grupo do Brasil, Áustria e Inglaterra empataram em 2 a 2. A regra dizia que, caso dois times empatassem em número de pontos, seria realizada uma partida desempate para ver quem avançaria à próxima fase. Foi o que aconteceu com Inglaterra (3 empates, 3 pontos) e União Soviética (1 vitória, que valia 2 pontos, um empate e uma derrota). Vitória dos soviéticos, 1 a 0 na peleja extra de 17 de junho.
No grupo I, a Alemanha Ocidental esteve duas vezes em desvantagem no placar, mas conseguiu empatar com a Irlanda do Norte, 2 a 2. Na outra partida, uma goleada daquelas da Tchecoslováquia sobre os hermanos argentinos: 6 a 1, a maior derrota portenha em Mundiais. Mesmo assim, os tchecos e os irlandeses terminaram empatados e tiveram que fazer mais um jogo: 1 a 1 no tempo normal e um solitário gol na prorrogação garantiu a surpreendente classificação da Irlanda do Norte como segunda colocada.
A Suécia, já classificada, jogou com cinco reservas para cumprir tabela contra o País de Gales no grupo II. O empate em 0 a 0 levou os galeses a disputarem o segundo lugar do grupo contra a Hungria, que vencera o México por 4 a 0. Na partida desempate, vitória de virada do time galês , 2 a 1. Pelo grupo III, a França derrotou a retrancada Escócia por 2 a 1, enquanto o Paraguai, em arbitragem tolerante com a violência da Iugoslávia, não passou de um empate em 3 a 3 com os europeus. A França terminou em primeiro e os iugoslavos em segundo.
Muito já foi escrito sobre o jogo entre Brasil e a então existente União Soviética, na Copa de 1958. Naquele dia, nossa seleção entrou em campo com três novidades: Zito, Pelé e Garrincha. O placar de 2 a 0 pode parecer pouco para as novas gerações, mas, na ocasião, soou como uma tremenda goleada em cima do "futebol científico" que havia faturado a medalha de ouro nas Olimpíadas de Melbourne, na Austrália, dois anos antes. Ruy Castro conta, no livro "Estrela Solitária: Um brasileiro chamado Garrincha" (Companhia das Letras, 1995), que, pouco antes de os times entrarem em campo, o técnico Vicente Feola olhou para o meia Didi e falou: "-Toque todas as bolas para o Garrincha". E, virando-se para o ponta-direita: "-Tente descadeirá-los logo de saída". Assim que o juiz apitou o início da partida, segundo texto da época, aconteceu simplesmente o seguinte:
Vavá toca para Didi, que lança Garrincha. O lateral Kuznetsov corre. Mané ginga o corpo para a esquerda, mas sai pela direita. Kuznetsov desaba de traseiro no chão. A educada torcida sueca não sabe se ri ou se aplaude. Na dúvida, deixa o queixo cair. Sete segundos depois, Garrincha tem de novo Kuznetsov à sua frente. De novo, balança o corpo para direita e passa como uma flecha para a esquerda. Repentinamente, pisa na bola e estanca. O lateral soviético volta à carga. Leva outro drible. E mais outro. A torcida fica de pé, atônita. Mané invade a área perseguido por Kuznetsov, Voinov e Krijevski. Dribla os três. Pelé está livre na pequena área. Mas Garrincha, mesmo sem ângulo, dispara a bomba. A bola explode na trave direita de Yashin e se perde pela linha de fundo. Um minuto de jogo. O estádio inteiro ri e aplaude com entusiasmo. Garrincha volta para o meio de campo com seu trote desengonçado. A defesa brasileira intercepta o tiro de meta soviético e a bola vai aos pés de Mané. Que passa para Didi. Para Pelé. Para Garrincha. Para Pelé. Outra bomba estoura contra as traves de Yashin. Dois minutos de jogo. Garrincha está de novo com a bola. Corre em ziguezague. Finge que vai, e não vai; finge que vai, e vai. Os soviéticos vão ficando estendidos no chão. Um a um. Didi lança Vavá. Gol do Brasil. O relógio marca três minutos.
"Foram os três minutos mais fantásticos da história do futebol e a mais assombrosa aparição na ponta-direita desde Stanley Mathews", escreveu, deslumbrado, o jornalista francês Gabriel Hannot. Só por esses três minutos, esse jogo já merece ser imortalizado como um dos mais espantosos da história do futebol. Ouça trechos da narração da Rádio Panamericana, de São Paulo, na época: