Destaques

Mostrando postagens com marcador resistência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador resistência. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, abril 09, 2010

Melhor ficar em casa

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Já há algum tempo venho destacando aqui o movimento silencioso que, aos poucos, vai cercando, vigiando, policiando, proibindo e destruindo o nosso fórum mais adequado: o bar. Aqui em São Paulo, além de não poder mais fumar em paz nas mesas dos butecos, estamos ameaçados de ter que pagar 20% de caixinha para o garçom e de ir embora pra casa à meia noite. É incongruente. A gente sai de casa exatamente para beber, fumar e voltar bem tarde - e, de preferência, gastando pouco. E agora vem outra ação anti-manguaça: acabar com o bate papo. Isso mesmo, querem extinguir qualquer som ambiente nos butecos. Já tem lugar onde, se você quer dançar ou curtir uma música, tem que ouvir num fone. Imagine um monte de gente dançando, cada um num ritmo, e o bar em completo silêncio. "É meio ridículo, olhando de fora", resumiu Vinicius Ferreira à Folha de S.Paulo. E o pior é que, com os ouvidos ocupados, fica impossível conversar. Pois é, já não podemos fumar, conversar ou esticar além da meia noite. Repito: só falta proibir a venda de bebida alcoólica no bar. Ou, como diria o De Massad, "não dá ideia".

terça-feira, março 17, 2009

Bebida: união e resistência indígenas há 500 anos

Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook

Por sugestão do amigo Alexandre Lahud, estou lendo o clássico "A religião dos Tupinambás", do antropólogo suíço naturalizado estadunidense Alfred Métraux (1902-1963), edição brasileira de 1979. Os Tupinambás, já extintos, representavam o conjunto de populações tribais que se estendiam do Rio de Janeiro ao Maranhão, na faixa litorânea – ou seja, os povos indígenas que travaram os primeiros contatos com os brancos invasores. A obra é um prato cheio (sem alusão à antropofagia, por favor) para quem se interessa pelas nossas origens, costumes e mitologia. E aborda um fator que muito interessa aos que, como nós, almejam uma sociedade onde o consumo de álcool não seja nocivo, mas, sim, um direito primordial à união, celebração e resistência.

Em determinado trecho, o autor se dedica ao costume da cauinagem, ou seja, as festas coletivas à base do cauim, a bebida alcoólica obtida a partir da fermentação da mandioca ou do milho. "Nada ocorria de importância na vida social e religiosa que não fosse seguido de vasto consumo de certa bebida fermentada conhecida pelo nome de cauim", diz Métraux, que apoiou seu trabalho em descrições de visitantes do Brasil nos séculos XVI e XVII, como o português José de Anchieta e os franceses Claude d'Abbeville, Yves d'Evreux, André Thévet e Jean de Léry, entre vários de outros países.

Nos relatos, fica claro que a cauinagem era extremamente importante na medida em que determinava o consumo de bebida alcoólica como agente aglutinador, cultural e de identificação da "pátria" Tupinambá. Os invasores perceberam isso – e trataram de combatê-la. "A exortação da força, da coragem e da guerra está entre os saberes que mais sobressaem nessas práticas. Antes dos rituais antropofágicos e das guerras os índios bebiam e relembravam os atos de bravura, exaltavam a vingança e a luta contra os inimigos", destaca Maria Betânia Barbosa Albuquerque, da Universidade do Estado do Pará (UEPA), no trabalho acadêmico "Mulheres Tupinambá, beberagens e saberes culturais".

"Em função disso (mas não apenas), a prática das beberagens foi fortemente combatida pelos colonizadores católicos, posto que configurava-se como obstáculo ao processo colonizador. Desse modo, extinguir as cauinagens era o meio de viabilizar a catequese e a expansão da cristandade", prossegue o texto (dentro disso, as comparações utilizadas pelo inacreditável Reinaldo Azevedo em um inacreditável artigo sobre o PT na Veja - disponível aqui - ficam extremamente reveladoras sobre quem são e qual é o papel dos explorados e exploradores na sociedade brasileira atual). O que me chamou a atenção foi o fato de que os invasores brancos não proibiram a bebida alcoólica, mas sim a forma, o ritual e a finalidade com a qual os índios a consumiam. Daí, podemos fazer um interessante paralelo com os dias atuais.

Afinal, todos defendemos a bebida como celebração coletiva, ritual de aglutinação, amizade e exaltação de nossos valores, feitos e identidades culturais - o alicerce de integração proposto pelo Manguaça Cidadão. E não como um processo de degradação individual, os casos de alcoolismo crônico e gratuito de nossos tempos (sintoma de uma sociedade egoísta, consumista e segregadora). Quando acabaram com a cauinagem, os brancos exterminaram os índios, sua sociedade e seu mundo imaginário. "As beberagens tinham (...) uma finalidade essencialmente pedagógica, posto que transmitiam a memória coletiva, incutiam valores, perpetuavam a tradição e promoviam a resistência indígena aos ditames da colonização", reforça Maria Betânia Albuquerque, no trabalho acadêmico que citei acima.

Outro fator importante destacado pela pesquisadora é a importância atribuída às mulheres na sociedade Tupinambá, a partir do rito fundamental da cauinagem. Isso porque a matéria-prima do cauim era cozida, mastigada e recozida para a fermentação, para que as enzimas presentes na saliva humana pudessem quebrar o amido em açúcares fermentáveis. E esse trabalho era destinado exclusivamente às mulheres. Mais uma vez, podemos contrapor os valores de comunhão e papéis sociais dos indígenas ao mundo "globalizado" e "aberto" de hoje, pelo caráter extremamente masculino do mercado e da propaganda de bebidas, com a utilização da mulher como mero objeto.

Bom, melhor não escrever um post quilométrico. Quem quiser e conseguir encontrar o livro "A religião dos Tupinambás" (disponível em muitos sebos), certamente vai achar centenas de percepções ainda mais interessantes. Por fim, gostaria de destacar que a Cervejaria Colorado, de Ribeirão Preto (SP), desenvolveu o estilo Cauim (foto ao lado), que leva farinha de mandioca em sua fermentação. Uma digna e louvável homenagem à bebida que nossos ancestrais utilizavam para manter sua sociedade unida, feliz, saudável, consciente de seu valor e resistente. Bons tempos aqueles!

Ps.: Ao abordar o caráter social da bebida alcoólica, sempre é ocasião de recuperar o filósofo espanhol Javier Esteban, que defende o direito de ficar bêbado, e o poema do francês Arthur Rimbaud, que proclama: "Embriaguês sagrada/ Nós te afirmamos método". Clique nos links e confira.