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quinta-feira, outubro 09, 2008

O "futebol de macho" dos tempos de Chicão

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Foi pelo post do Frédi, ontem, que fiquei sabendo da morte do ex-volante Chicão (foto), titular do São Paulo na década de 1970, que assumiu a posição de Roberto Dias, outro que se foi recentemente. Longe de mim contestar sua violência em campo, eternizada pelo lance em que pisa cruelmente sobre a perna quebrada do meia Ângelo, do Atlético-MG, na decisão do Campeonato Brasileiro de 1977. Em divididas com Chicão, como diria o "China" Juarez Soares, "cada enxadada era uma minhoca". E se hoje condenamos a postura do palmeirense Kleber, não podemos aliviar a barra do ex-volante, agora falecido. Mas devemos contextualizar o futebol daquela época, muitas vezes considerado "pra macho". Não que hoje a violência seja menor, claro. Porém, vejamos o brilhante texto de Marcelo Rezende (aquele) e Mílton Costa Carvalho para a revista Placar, em 1980, sobre a decisão do Campeonato Brasileiro entre Flamengo e Atlético-MG. Foi o primeiro relato jornalístico do que que se dizia dentro de campo e, assim, começamos a entender que, se Chicão era "bandido", nenhum outro era "mocinho". Confiram, com grifos meus:

Começa a partida. O Flamengo parte para a primeira falta, prometida por Tita: um pontapé no joelho de Jorge Valença. Éder corre, Nunes também:

– Calma – diz Nunes – que aqui é o Maracanã e te meto porrada.

São três minutos e o Atlético desce para o ataque. Júnior acerta a perna de Chicão, que retruca:

– Não avança não, filho da ..., que vou te pegar.

(...)

Júnior balança a cabeça. Raul incentiva e protesta:

– Aqui não tem homem? Isso não é gol que se tome. Vamos entrar firme, dar porrada. Cadê os homens?

Corre a partida. Chicão manda pôr na roda, Chicão pega Zico, que reage:

– Olha aqui, se me pegar de novo eu te quebro. Vai pra...

Chicão coloca o dedo na cara de Zico:

– Sossega, guri.

(...)

Outro gol de Reinaldo – machucado, capenga, ele empata o jogo. Instala-se uma crise na defesa do Flamengo. Um xinga o outro, Zico grita:

– Agora vamos ganhar. Quero um time de macho. Nesta porra mando eu.

(...)

Reinaldo cai em campo – sente o músculo, faz cera, xinga a mãe do juiz.

José de Assis Aragão revida:

Quebro a cara desse moleque. Tá expulso!

Do túnel, Reinaldo adverte:

– Cuidado, vai ser gol! Faz a falta em Nunes. Mata ele, Silvestre!

Nunes invade, Silvestre hesita. João Leite grita:

Quebra ele, pega firme!

Gol de Nunes, o gol do título. Em seguida, Chicão é expulso. Palhinha, também:

– Tá satisfeito, seu juiz de merda? Você queria o Flamengo, não é mesmo?

Nunes ri:

– Calma, garotada, que agora é que a festa vai começar.

Zico emenda: – Vai tomar seu banhinho lá dentro e deixa o campeão dar seu baile.


(A íntegra está aqui)

6 comentários:

Anselmo disse...

excelente o resgate.

primeiro, fiquei pensando: "quequié isso! Que absurdo!" O Raul Plasmann, tão pacato como comentarista, falando essas coisas? O Zico tão desperdiçador de pênaltis na copa (maldade), falando em quebrar, chamando de chorões e outras coisas mais?

Depois lembrei da leitura labial amadora e manguaça que todo mundo pode fazer das transmissões. Ou da captação dos nada amistosos pedidos de treinadores como o Luxemburgo e o Muricy. Ou dos comentários de repórteres de campo mais bem humorados, que incluem eufemismos para os "carinhos verbais" trocados entre atletas e deles com o árbitro.

A diferença parece ser que os caras realizavam mais as promessas de quebrar e mandar àquele lugar os adversários. Talvez hoje não se prometa mais, quando o brucutu quer quebrar, quebra e pronto. Quem sabe até sem pensar. Até porque, se alguém mandar quebrar, vai ser crise debatida nas mesas redondas por horas...

Marcão disse...

E o Tita, o mórmon, "bom moço"? É o primeiro que parte pra pancadaria. Não surpreende que tenha deixado o Vasco na lama e criticanco o elenco publicamente...

Glauco disse...

Esporte coletivo nenhum é feito de cortesia e gentilezas e isso se reproduz também nas modalidades femininas. Mas tem os que prometem e não quebram, os que cumprem a promessa e os que nem precisam prometer pra quebrar. Não o vi muito, mas pelos relatos Chicão se encaixa na última categoria.

Marcão disse...

Mas veja que ele apanhou antes de começar a bater. E era dos que prometiam:

"Júnior acerta a perna de Chicão, que retruca:

– Não avança não, filho da ..., que vou te pegar."

Olavo Soares disse...

Muito legal.

Isso é pra esfregar na cara daqueles saudosistas insanos que acham que tudo no futebol do passado era perfeito, e tudo o que há no atual é condenável.

Anônimo disse...

O Chicão dava porrada mesmo. Eu vi o hômi jogar várias vezes - no estádio, iscrusive -, e em verdade vos digo, ele "prometia" antes de bater, sim. Explico: quando o Chicão ia baixar o sarrafo, ele baixava o meião. Era a senha pra que um indigitado conhecesse as travas da chuteira do Chicão Gavião de perto.
Nunca foi um primor técnico, mas tinha garra como poucas vezes vi. Infelizmente (e involuntariamente), também ficou marcado por ter ido para a Copa de 78 no lugar de ninguém menos do que Falcão, à época no auge da forma.
RIP Chicão Gavião !