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O título é quase tão sensacionalista quanto a reportagem da revista Veja desta semana. A capa sobre alcoolismo discute "abordagens inovadoras" à questão, mas esbarra em formas moralistas e exageradas para lidar com o tema.
Outro título possível para este post seria: "Veja acusa Futepoca de ser 'grupo de risco' para alcoolismo". Mas não precisaria uma revista semanal dedicar uma linha sequer para que os sóbrios autores deste blogue saberem da gravidade do tema e quão trágica é a existência de suas estruturas hepáticas. E com este comentário, eu só quero me amenizar críticas sérias às piadas sobre o drama real de quem é dependente do álcool.
Começa o texto:
No Brasil, quase 70 milhões de homens e mulheres bebem. Incluem-se aí desde as pessoas que tomam uma única dose de álcool ao longo de um ano até os dependentes pesados, que não vivem sem a bebida. Entre os dois extremos, existe um grupo que, até pouco tempo atrás, não aparecia nas estatísticas nem nas preocupações médicas: os bebedores de risco. É grande a probabilidade de você, leitor, ser um deles.
Você, leitor do
Futepoca, fique tranquilo. Você não é um deles. Mas o leitor da Veja que se cuide.
A reportagem trabalha com a ideia de que uma em cada duas pessoas que consomem etílicos em níveis tolerados pelo convívio social estão a um passo do precipício – se não estiverem em queda livre. "Essa abordagem é totalmente inovadora no tratamento do alcoolismo", diz o texto.
Na hora em que li isso, me veio a recomendação clássica de mãe, avó ou tia que sugere usar blusa em pleno verão para combater a gripe. A sugestão superprotetora é motivo de piada por enxergar doença onde ela não existe – "ainda", diria alguma mãe sobre seu filho.
O que quero dizer é que é preciso considerar com cautela a ideia de que quase qualquer uso do álcool é motivo de preocupação e, ainda mais, a de que é inovadora uma abordagem exagerada – quiçá hipocondríaca – das genitoras que tanto nos querem bem.
Escrevendo a sério: chamar de inovadora uma abordagem que considera que tem problema quem (ainda?) não tem problema é complicado. Por mais grave que seja a questão.
"Os bebedores de risco podem passar dias sem tomar uma cerveja, uma taça de vinho ou algumas doses de uísque. Mas para eles a bebida tem um significado psicológico muito positivo", explica o texto.
A precisão da explicação é ótima, porque é mesmo de se imaginar que todo mundo que gosta de beber tem essa predileção como um traço de masoquismo. Onde já se viu repetir uma atividade nas horas de lazer porque é gostoso? O normal deve ser beber porque é ruim, desagradável até.
O moralismo do texto inclui um grau de culpabilização do consumidor de fermentados e destilados em um grau elevado. Além de sugerir um teto de uma dose para mulheres e duas para homens – com uma longa hora de intervalo regado a suco e refrigerante – a reportagem pede metas diárias. É a lógica financista aplicada à maguaça.
O que poderia ser uma referência de moderação ganha outros contornos na análise do aumento do número de mulheres em "situação de risco". O texto atribui à "preocupação exagerada com a estética" o aumento do número de mulheres com problemas com o mé. O hábito de substituir a comida para perder peso (o que dá origem a uma próxima capa da revista com personagens
drunkorexic, misto de bêbadas com anoréxicas) só perde para as que bebem para afogar as mágoas – prática que, excetuado
Reginaldo Rosi, nenhum homem jamais fez.
Fiquei imaginando o que essa capa vai representar para a balada das filhas de assinantes da revista. Vão ouvir sermão na sexta à noite.
E a matéria termina com uma conclusão ainda mais moralista: "Teremos cumprido nosso objetivo se ao acabar de ler esta reportagem você se reconhecer como um bebedor de risco e isso levá-lo ou levá-la a procurar ajuda profissional. Saúde!"
A minha humilde e ébria pessoa terá cumprido seu objetivo se, ao ler este post, você decidir não comprar veículos sensacionalistas. Nem precisa ir para o bar tomar uma (só uma), porque isso você faz quando quer.
Exagerei?
(Ps.: E esse nem foi o primeiro ataque da Veja contra a manguaça. Já denunciamos antes, confira aqui.)