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Quem cantou a bola foi
o Azenha nesse post
do Viomundo. De fato, a conversa entre o “imortal” Merval
Pereira e Carlos Alberto Sardenberg é daquelas memoráveis pelo que
nem dá pra chamar de “atos falhos”, já que a opinião do membro
da ABL já foi emitida, de outras formas, em ocasiões diversas.
O áudio está aqui, mas selecionamos os “melhores momentos”:
Sardenberg – As
centrais sindicais tentaram pegar uma carona nessa onda de
manifestações mas não se deram muito bem não, né?
Meval – Não, não,
ficou muito claro que a capacidade de mobilização delas é menor do
que a capacidade de mobilização das redes sociais. E também a
adesão popular foi nula, praticamente. Porque também as
reivindicações eram coisas muito específicas da classe
trabalhadora, né? Jornada de 40 horas, fim do fator previdenciário,
esse tipo de coisa que só mexe com quem está com esse problema, né?
Bom, primeiro que dizer
que as centrais “quiseram pegar carona” dá a sensação de que o
sindicatos não fazem mobilizações. Talvez porque a falta de
cobertura da mídia tradicional dê uma impressão errada. As
centrais fizeram, por exemplo, uma marcha
no mês de março que reuniu 50 mil pessoas, ou 25 mil, de acordo
com a PM, em Brasília.
Para efeito de
comparação, a mais
vistosa manifestação em Brasília durante o mês de junho teve
um público calculado de 30 mil pessoas, bem próximo ao da Marcha,
que não depende de “onda” alguma, como sugere o comentarista da
CBN. Mas talvez ele não tenha sabido da existência do evento.
Busque no Google as referências a respeito na velha mídia, talvez
não ache nada nas primeiras páginas. Mas você vai encontrar,
fácil, fácil, cobertura de protestos “contra a corrupção” ou
similares que reuniram 50, 100, 200 pessoas no máximo.
Mas o “melhor”
momento é quando Merval fala que as reivindicações eram “coisas
muito específicas da classe trabalhadora”. Ou seja, como o
trabalhador, pelo silogismo mervaliano, não é “povo”, suas
bandeiras não interessam ao resto da sociedade. Claro, o fator
previdenciário não interfere em nada na rotina de quem ainda vai
ingressar no mercado de trabalho, se isso não for explicado para
ele. E os veículos tradicionais certamente não vão fazer questão
de debater e explicar isso para a população. O mesmo vale para a
jornada de 40 horas e outros pontos que precisam de debate e pressão
popular (isso inclui trabalhadores, Merval) para fazerem parte da
pauta do Congresso.
Sardenberg –
Agora, por outro lado, quando a gente tinha feito aqui entrevista com
sociólogo... O Renato Meirelles, do Datapopular, por exemplo,
chamava a atenção que nas manifestações de junho você via classe
média, né? Ele disse que era preponderantemente manifestações de
classe média. Ontem não, ontem já tinha trabalhador, tinha mais
negros, cara aí de trabalhador e tal.
Merval – O balanço
é ruim pro governo, né, porque as reivindicações dos
trabalhadores são em cima do governo, as reclamações são contra o
governo, e as outras da classe média também foram contra o governo.
Tem um problema sério que assim como rejeitaram os partidos
políticos, também as centrais foram rejeitadas, a UNE, o MST. Quer
dizer, nenhum tipo de organização formal está conseguindo
capitalizar, cooptar, organizar a insatisfação na sociedade. Isso é
que é preocupante, porque você tem que ter canais organizados para
que essas inquietações sejam solucionadas dentro da normalidade,
dentro da ordem pública e das instituições que existem.
Significativa a conclusão de que o balanço
é ruim pro governo, porque “as reivindicações dos trabalhadores
são em cima do governo, as reclamações são contra o governo, e as
outras da classe média também foram contra o governo”. É
evidente que o governo (federal) é alvo, mas não só ele. Antes que
se esqueça disso na próxima esquina, o estopim dos protestos foi a
questão do aumento da tarifa em inúmeras cidades e o que levou
muito mais gente à rua em um segundo momento foi a indignação
contra a violência policial em muitos locais. Ou seja, estamos
falando de questões da alçada de prefeituras e governos estaduais.
Quanto
às questões da pauta das centrais, a maior parte depende sim do
empenho do governo, que se omite em boa parte desses pontos. Mas é o
Congresso o campo principal dessas batalhas. O mesmo Congresso que,
quando finge ouvir a voz das ruas, na verdade reage em relação à
pressão da narrativa imposta pela mídia oligopolizada. Narrativa
esta que é representada por Merval, praticamente aquele tradutor da
voz dos donos que chega e diz “olha, se você não entendeu o que
nossa linha editorial por meio do nosso noticiário quis dizer, eu
explico”.
Aí
sim o governo tem uma responsabilidade brutal. É a concentração
midiática, questão praticamente intocada durante anos do governo
Lula e também no governo Dilma, que permite que um poder que não se
vê na maior parte dos países do mundo conte a História sem ouvir,
por exemplo, os trabalhadores. Essa é, ou deveria ser, a pauta
principal, a luta pela democratização da comunicação (que não
tem a ver com censura, como muitos querem fazer crer).
E, talvez, essa luta já comece também a ganhar as ruas. Afinal, ao contrário do que diz o comentarista, não foram as centrais, o MST e UNE “rejeitados” nas manifestações, mas sim a Globo, alvo de protestos dos mais diversos, tanto meio às grandes concentrações de junho como agora, em eventos voltados especificamente para a democratização da comunicação. Uma batalha que certamente não será televisionada pelos canais de sempre.