Destaques

sexta-feira, abril 11, 2014

A ciência do machismo: álcool favorece infidelidade masculina

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Dando prosseguimento à nossa interminável série de pesquisas, análises e estudos acadêmicos/científicos mais ou menos (ou nada) confiáveis sobre álcool publicadas aqui neste imparcial blog de manguaças, cumprimos o dever de informar que "cientistas da Saúde e da Ciência na Universidade de Oregon, em Portland, constataram que o álcool faz os homens ficarem mais propensos à infidelidade enquanto as mulheres se tornam mais melosas" (leia aqui). Segundo consta, fizeram testes em ratos e descobriram que, depois de uma bebedeira, os machos tenderam a preferir novas parceiras, enquanto as fêmeas preferiram seus companheiros originais.

Seria essa uma pista para entender por que a maioria das mulheres - comprometidas - odeia que seus companheiros fiquem no bar ou encham a cara? Buenas, pesquisas como essas sempre são temerárias, pois bichos não guardam, necessariamente, similaridade de hábitos com os humanos - e roedores não costumam combinar com bebida ou com bares (lembram-se do "desconto-rato"?). Seja como for, para aqueles que gostam de recorrer ao difícil para explicar o fácil, a notícia sobre a pesquisa de infidelidade masculina detalha que "os pesquisadores descobriram que os neuropeptídeos ligados à ansiedade foram afetados pelo álcool, mas de maneira diferente entre os machos e as fêmeas".

Em tempo: neuropeptídeos "regulam determinados aspectos da função neuronal e atuam para a modulação de respostas somáticas diversas, como a sensibilidade e as emoções" (leia aqui). Dando sequência, os tais cientistas de Oregon dizem ainda que "os [ratos] machos exibiram um aumento na densidade da sua amígdala, que está associado com a redução da ansiedade, ao passo que as fêmeas não. Os cientistas acreditam que a ansiedade baixa em homens os torna mais propensos a correrem atrás de novas mulheres". É isso. Minha opinião? Isso é papinho de cientista manguaça e putanheiro para dar desculpinha à sua respectiva - e se valendo de rato sem-vergonha. Eu prefiro minha parte em cerveja.

Pois é. E eu sou abstêmio. Mas ninguém acredita...

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(Ps.: Pela data da declaração, nota-se que foi feita com uma semana de atraso.)

quinta-feira, abril 10, 2014

O time do São Paulo é a cara do Juvenal Juvêncio

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E de "Soberano" não tem nada. Prova disso foi o sufoco que tomou na segunda metade do primeiro tempo, ontem, em pleno Morumbi, contra o "portentoso" CSA, pela Copa do Brasil. Aliás, naquele momento, houve um pênalti claro para o time alagoano, não marcado, que poderia ter igualado o placar em 1 a 1. Entra ano, sai ano, entra campeonato, sai campeonato, entra técnico, sai técnico, entra jogador, sai jogador, e o São Paulo Futebol Clube continua o mesmo: apático, sorumbático, descoordenado, sem rumo, sem padrão, sem planejamento, sem saída. Ou seja, a cara daquele que o governa por 8 longos e tenebrosos anos: Juvenal Juvêncio. São Paulo que não joga nada e Juvenal que só faz besteira: Criador e Criatura.

Simbolicamente, como "homenagem" ao nefasto mandatário, que ontem viu o último jogo do clube como seu presidente, os jogadores vestiram máscaras com reprodução de sua face. Tirando a vergonha alheia e o constrangimento (pra não dizer "assédio moral"), nada mais justo que essa manifestação "espontânea" do elenco. Juvenal Juvêncio é o responsável por contratar esse "catado" que, invariavelmente, joga mal. Que o torcedor não consegue nem escalar de cabeça - e, quando faz isso, entra em desespero ou fica deprimido. Mas, acima de tudo, é o presidente que mais fez besteira, no menor prazo possível, e que afundou o São Paulo na pior crise de sua História, em 2013, a ponto de quase cair para a Série B do Brasileirão.

Brigou com Corinthians e Palmeiras e perdeu a grana do aluguel dos Morumbi para esses clubes; perdeu a abertura da Copa em seu estádio; perdeu o patrocínio da LG; implodiu o Clube dos 13 e minguou a verba da TV para o São Paulo; provocou um êxodo de pratas-da-casa, como Oscar, e também de profissionais como Carlinhos Neves e Turíbio Leite; deu um golpe no estatuto para se perpetuar no poder, etc etc etc. Não vou me alongar, já fiz isso aqui neste blog (leia aqui). Porém, graças a Alah, Buda, Deus, Jesus, Krishna, Moisés, Mussum, Oxalá, seu mandato será encerrado no próximo dia 16. ALELUIA! AMÉM! SHALOM! SARAVÁ! Que o lixo da História te receba em boa hora, Juvenal Juvêncio. E que, mesmo que Carlos Miguel Aidar não seja nenhuma Brastemp e consiga melhorar só 10% do que está aí, já será uma dádiva.

E para que Nação Tricolor, finalmente, deixe de ficar com cara de idiota no fim de todo campeonato. VAMO, SÃO PAULO!

quarta-feira, abril 09, 2014

A origem do '171'

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O 2º volume escrito por Lira Neto
Lendo "Getúlio 1930-1945 - Do governo provisório à ditadura do Estado Novo", segundo dos três volumes biográficos de Vargas escrito pelo cearense Lira Neto (foto à direita), me deparei com uma curiosa "segunda explicação" para a nossa tradicional gíria "171", usada geralmente para designar alguma "enganação". A primeira explicação, e mais conhecida, é o fato de 171 ser o artigo do Código Penal que trata sobre estelionato (ou seja, crime de falsidade - ou "enganação"). O Código, válido ainda hoje, foi criado em 1940 e entrou em vigência em 1942. Porém, pode ser que o tal 171 da nossa gíria venha de outra legislação, anterior a essa: a Constituição Federal promulgada por Getúlio Vargas em novembro de 1937 e apelidada de "Polaca", por ter sido baseada na constituição autoritária vigente, à época, na Polônia. Diz o livro de Lira Neto (o grifo é nosso):

A 'Polaca', Constituição de 1937
"Se o artigo 78 da Polaca fosse levado em consideração, aquele 10 de novembro de 1943 seria o último dia de Getúlio no [Palácio do] Catete. A legislação em vigor previa que o mandato do presidente da República - que recomeçara a ser contado em 1937, com a instauração do Estado Novo - era de seis anos. Teria chegado a hora, portanto, de passar a faixa presidencial ao sucessor. Mas o artigo 171 da mesma Constituição estabelecia que, na vigência do estado de guerra, o presidente tinha a prerrogativa de suspender qualquer trecho da Carta Magna. Como o Brasil se encontrava oficialmente em luta contra o Eixo [na Segunda Guerra Mundial], Getúlio tornou sem validade o artigo que determinava a extensão de seu mandato e, sem ferir as regras estabelecidas, voltou a dilatar o próprio período de governo, que já se estendia por treze anos, iniciados em 1930."

Portanto, se em 1937 alguém atentou para a previsão de troca presidencial dali a seis anos (e não observou o tal artigo 171), deve ter se sentido ludibriado em novembro de 1943 - e essa "enganação" pode ter sido fixada no imaginário popular. O que poderia nos levar a crer que, antes de uma origem policial, a gíria "171" teria, na verdade, gênese política. Afinal, o cancelamento do fim mandato presidencial em 1943 não poderia ser considerado, em termos institucionais, uma espécie de "estelionato"? Pois é: mais uma engenhosa manobra política desse que passaria para a História como um "171" clássico e inveterado: Getúlio Vargas.

terça-feira, abril 08, 2014

Futebol é esporte aquático?

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Com o São Paulo afundando, treinador recorre a equipamento de mergulho...





segunda-feira, abril 07, 2014

A história de José Leandro Andrade, o primeiro ídolo internacional negro do futebol - Futebol Sem Racismo

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“Foi negro, sul-americano e pobre, o primeiro ídolo do futebol internacional”.

Era assim que o escritor uruguaio Eduardo Galeano se referia, em Futebol ao Sol e à Sombra, ao seu conterrâneo, José Leandro Andrade, campeão olímpico em 1924 e 1928 e campeão mundial na primeira Copa em 1930. Muito antes dos brasileiros, que deram ao mundo alguns dos maiores jogadores da História – a maioria negros e mestiços – o meia platino apresentou aos países vizinhos e ao Velho Mundo uma nova forma de praticar o futebol.
Homenagem a Andrade no Museu do Centenário (Montevidéu)

Nascido em 1901 na cidade de Salto, no Uruguai, Andrade era filho de uma argentina com um brasileiro, que não participou de sua criação. Aliás, o pai do atleta havia fugido do Brasil ainda como escravo e teria, na época do nascimento de seu filho, incríveis 98 anos. Mudou-se ainda jovem para o bairro de Palermo, em  Montevidéu, onde passou a viver com uma tia. Trabalhou como engraxate, vendedor de jornais e começou a tocar tamborim, apaixonado que se tornou pelo carnaval. Sim, a festa não é exclusividade dos brasileiros.

Com 1,80 m de altura e 79kg, seu porte lhe dava uma vantagem sobre os concorrentes. Aliado ao físico privilegiado, sua técnica o fez se destacar em sua primeira equipe, o Misiones. O primeiro contrato profissional foi no então forte Bella Vistal, onde atuou como meia direita. Sob as bênçãos do companheiro de time José Nasazzi, mítico capitão da primeira seleção campeã mundial, passou a ser convocado para a seleção uruguaia.

Após suas aparições nos Jogos Olímpicos de Paris e de Amsterdã, Andrade foi celebrado na Europa como o "jogador de futebol com os pés de ouro". Na Inglaterra, pátria do futebol e país mais importante do ludopédio até então, o atleta foi chamado de "o maior de todos os grandes uruguaios", por conta de suas façanhas olímpicas.

O lendário jogador alemão Richard Hofmann descrevia Andrade desta forma: “O Uruguai era então o melhor time do mundo. Sua estrela era Andrade. Um artista futebol que poderia simplesmente fazer qualquer coisa com a bola. Era um cara alto, com movimentos elásticos, que sempre preferia o jogo direto, elegante , sem contato físico e estava sempre à frente com seus movimentos e sua agilidade mental. Andrade era um jogador visivelmente justo. Nunca imitava os interlúdios teatrais de seus companheiros de equipe, que rolavam no chão depois de faltas, a fim de conseguir uma vantagem com os árbitros. Mesmo durante amistosos, Andrade sempre irradiou sorrisos”.
 

Contudo, após um choque com a trave em uma das partidas disputadas nos Jogos de Paris, Andrade começou a ter problemas de visão, que avançaram pouco a pouco. Mesmo assim, disputou a Copa de 1930 e integrou a seleção dos melhores do Mundial. Ali, quem ainda não o conhecia passou a apreciar o futebol daquele que foi apelidado de “A Maravilha Negra”.

Depois da Copa, atuou na Argentina, por Atlanta e Lanús, no Wanderers de Montevidéu e se aposentou pelo Argentinos Juniors. A partir daí, enquanto seu companheiros de seleção conseguiram encontrar outras ocupações, Andrade não achou mais nenhum emprego fixo, e sua vida entrou em declive. 

Em 1956, o jornalista germânico Fritz Hack viajou ao Uruguai para encontrá-lo e, depois de três dias de busca, o encontrou em um sótão, alcoolizado e quase cego por conta do choque ocorrido em Paris. Pouco tempo depois, aos 56 anos, José Leandro Andrade faleceu e seus pertences se resumiam àquela altura a uma caixa de sapatos com medalhas, além de alguns troféus. 

Teve ainda um sobrinho, Victor Rodríguez Andrade, campeão mundial com a seleção uruguaia na Copa de 1950.


O caso Adelir tem a ver com todos nós

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Em uma decisão aparentemente inédita no Brasil, a Justiça obrigou uma grávida, Adelir Góes, a realizar uma cesariana contra sua vontade. O pedido foi realizado por duas médicas obstetras do Hospital Nossa Senhora dos Navegantes, no município de Torres (RS) e acatado pela juíza Liliane Mog da Silva. Adelir aceitou ser conduzida à cirurgia depois de ouvir que seu marido seria preso caso ela resistisse.


1 – Contexto – sistema obstétrico brasileiro, uma jabuticaba podre

Para entender de fato o que aconteceu, é preciso conhecer os meandros do sistema obstétrico brasileiro, líder mundial em número de cesarianas. Não é uma narrativa fácil pois envolve uma multiplicidade de atores, cada um com seus motivos e, principalmente, suas contradições. O que apresento agora é um resumo esquemático, usando o caso Adelir como guia, sem pretensão de esgotar o assunto.
Adelir, 29 anos, já havia passado por outras três gestações. Uma terminou em um aborto espontâneo e as outras duas em cirurgias cesarianas. Dada a fragilidade de Adelir no momento, as circunstâncias desses partos ainda não são conhecidas do grande público. Depois da segunda cesariana, ela ouviu do médico que uma terceira cirurgia seria muito arriscada. Engravidou novamente por um erro no uso da pílula.

O relato usual de mulheres que fizeram cesarianas mesmo querendo parto normal, no entanto, costuma ser bastante semelhante. O meu, inclusive. Ainda que não haja complicações aparentes, os obstetras começam a afirmar, normalmente a partir de 30 semanas de gestação, que um parto normal está saindo de cena, por motivos mil. Alguns dos mais comuns são cordão umbilical enrolado no pescoço (falso), cabeça muito grande do bebê, mais precisamente desproporção cefalo-pélvica (existente, porém diagnosticada apenas em pleno trabalho de parto), pouco líquido amniótico (pode vir a ser um problema, mas na maior parte dos casos o problema é resolvido com a ingestão de muito líquido, não com uma cirurgia), mais de 40 semanas de gestação (falso), idade materna avançada, a partir de 35 anos (falso), gestação de gêmeos (falso) e muitos outros, listados aqui.

No meu caso, a obstetra tentou jogar a ficha da desproporção cefalo-pélvica. Fiz cara de paisagem. Na minha cabeça, ficar em casa esperando o trabalho de parto evoluir resolveria minha situação. Com 38 semanas, a bomba: a ultrassonografia havia mostrado que minha placenta estava “envelhecida”, ou seja, passando poucos nutrientes para o bebê. Essa motivação para a cesariana eu não conhecia. Numa cidade nova, sem ter para quem pedir indicações de obstetras confiáveis (eu ainda confiava na minha) para uma segunda opinião, simplesmente chorei e aceitei. Depois descobri que esse motivo para a cirurgia é bastante duvidoso. Mas só depois. Há casos muitíssimo piores de coação para uma cesariana. Essa página do Facebook lista histórias de mulheres que passaram por isso.

As razões para essa situação são múltiplas e provavelmente não todas conhecidas. Entre elas estão a falha da formação de médicos, que não encaram, ainda na faculdade, o parto como um evento fisiológico, mas como um processo médico, sempre (foco no sempre) passível de intervenções. Outro problema é a forma como o pré-natal é feito, especialmente no sistema de saúde privado. A grávida escolhe um médico para acompanhá-la durante a gravidez e é esse médico que, via de regra, fará o seu parto. O problema desse esquema é a dificuldade de conciliação da agenda de consultório com trabalhos de parto longos. Desde o início das contrações, a mulher pode passar dias até entrar em franco trabalho de parto. Mesmo que o médico mobilize-se apenas quando as contrações passam a ser ritmadas e em intervalos curtos, o tempo até o parto propriamente dito não raro chega às 24 horas. Isso traz um problema quase insolúvel para o médico. Não falo aqui nem de ganância (existente, fato), mas de respeito com as outras pacientes. Se a cada parto o médico for obrigado a desmarcar toda a agenda, o sistema não anda.

Claro que a solução encontrada aqui no Brasil é a pior de todas: agendamento rotineiro de cesarianas fora do trabalho de parto, um desastre de proporções gigantescas. O que deveria acontecer era, em gestações saudáveis – a ampla maioria – um parto assistido por obstetrizes (profissional com ensino superior em Obstetrícia), enfermeiras especializadas ou mesmo obstetras de plantão. O obstetra do pré-natal apareceria apenas em partos de risco. Faltam também, nos hospitais, locais onde a mulher possa esperar a evolução do trabalho de parto. O que acontece hoje é que existe a hotelaria e o centro cirúrgico, mais nada. Alguns hospitais têm salas de parto humanizado, mas mesmo esses apresentam altos índices de cesarianas, mostrando que essa ideia ainda não foi absorvida pelo sistema obstétrico.

Um exemplo divertido de como o parto normal é encarado fora do Brasil é a representação dos nascimentos dos trigêmeos de Phoebe e da filha de Rachel, no seriado Friends. Ambas têm seus filhos de parto normal em situações que, no Brasil, seriam indicação inapelável para cesarianas: gestação múltipla, demora na evolução do trabalho de parto e bebê pélvico, ou seja, com as nádegas, e não a cabeça, para baixo. O episódio não deixa claro quantas horas Rachel espera pelo nascimento de Emma, mas aparentemente são mais de 24 horas. Apenas no momento do parto, a parteira/obstetriz descobre que o bebê está na posição errada e tudo o que diz é "você terá que fazer mais força". E tudo isso sem os gritos tão comuns nas representações de trabalho de parto na teledramaturgia brasileira. Infelizmente não encontrei a cena de Phoebe em trabalho de parto.

É bom lembrar que é apenas o início do trabalho de parto que indica que aquele bebê está pronto de verdade para nascer. Mesmo com 40 semanas de gestação é possível que os pulmões do feto não estejam amadurecidos. Pode não parecer, mas a natureza tem seus mecanismos. Se não há trabalho de parto ainda, algum motivo existe. Não consegui achar os dados epidemiológicos do país para mostrar aqui, mas esses dois estudos, um realizado em Cascavel (PR) e outro em Pelotas (RS) mostram que a prematuridade é o principal motivo de morte em bebês. E qual o motivo para o aumento da prematuridade? As cesarianas eletivas sem indicação médica. De acordo com o Ministério da Saúde, a chance de internação de crianças nascidas em parto vaginal é de 3%, enquanto as nascidas em cesarianas são internadas em 12% das vezes.

Eu poderia falar parágrafos sobre ética médica, problemas nos planos de saúde, falhas do SUS, representação social do parto normal, arrogância médica e outros fatores que influenciam o alto número de cesarianas no Brasil, mas acredito que meu ponto principal já esteja colocado. Vamos adiante.

2 – Disputas entre as visões da medicina

Como qualquer campo do saber, a medicina e a obstetrícia especificamente são palco de disputas. Seja dentro da academia, seja na prática dos hospitais, seja nos grupos de grávidas e mães, cada um quer usar os melhores argumentos a seu favor, aqueles que reforcem suas teses. Não há ingenuidade aqui. É evidente que os obstetras brasileiros são bastante competentes naquilo que se propõem a fazer. Eu não duvidaria que o Brasil seja o lugar que forma os melhores fazedores de cesarianas, afinal é praticamente só o que a maior parte deles sabe fazer.

Entretanto, a minha experiência e estudo (leio sobre o assunto há 3 anos sem parar) é que, enquanto os médicos ditos cesaristas e/ou intervencionistas costumam afirmar que tomam suas decisões baseadas na prática pessoal, os profissionais que atuam no movimento de humanização do parto apresentam o maior número de estudos científicos possíveis para mostrar que alguns procedimentos são equivocados. Isso é um pouco óbvio, já que quem domina o sistema não tem motivos para se importar em justificar seus atos. Quem busca o seu espaço acaba trabalhando em dobro para rebater ideias incrustadas no inconsciente coletivo.

A maior expoente dessa prática de rebater práticas tradicionais nos nosso partos é a obstetra Melania Amorim, que mantém o blog Estuda, Melania, Estuda!. Ela cita tantos estudos que dá pra se perder por lá. Recomendo para todos que queiram aprofundar-se no assunto.

Citar estudos sem fim garante que sua visão sobre o parto esteja “correta”, seja lá o que isso signifique? Não, mas eleva a discussão para outro nível. Passa-se do argumento de autoridade para uma discussão com base em fatos.


3 – O movimento nacional pela humanização do parto

Frente ao cenário calamitoso de cesarianas no Brasil, era de se esperar que houvesse um movimento de contraposição. O que começou com grupos desconexos de mulheres reclamando de suas cesarianas desnecessárias virou um movimento nacional articulado que vem conseguindo avanços importantes. A luta dessas mulheres é para que todas as gestantes recebam informação de qualidade durante o pré-natal (durante a vida na verdade) para que possa escolher a forma de parir que mais lhe aprouver. E também para que o sistema obstétrico esteja preparado para receber essa gestante em sua escolha, qualquer que seja ela. Sim, é verdade. Apesar de ser óbvio que as integrantes desse movimento rechacem a ideia de cesarianas marcadas com antecedência sem motivo médico, não passa pela cabeça de ninguém propor que essas cirurgias sejam proibidas (ok, deve passar pela cabeça de alguém, mas não é uma reivindicação do movimento).

Lutam, também, pelo fim da violência obstétrica, que atinge uma em cada quatro parturientes no país. A violência obstétrica vai desde agressões verbais (coisas do tipo: “para de gritar, na hora de fazer não gritou”), passa por o uso de procedimentos sem explicação ou mesmo com um pedido ativo para que não sejam realizados (episiotomia, o corte no períneo, é um caso clássico) e chega a procedimentos realizados de maneira violenta (há casos em que a episiotomia chegou até a coxa da paciente. Empurrar a barriga da gestante para "acelerar" o parto também é muito comum).

O assunto sempre foi debatido no SUS. As casas de parto públicas, 14 no total, existem desde 1999 e usam um modelo semelhante ao de países como Holanda, Japão e Nova Zelândia. Os partos são acompanhados por obstetrizes ou enfermeiras obstétricas e só há remoção para um hospital se houver alguma complicação. A pequena quantidade de casas de parto, no entanto, mostram que as intenções estão lá, mas na prática poucas mulheres têm acesso a elas.

Mas iniciativas isoladas estão se avolumando e tentando melhorar a vida das gestantes no país. Belo Horizonte conta com uma equipe de parto domiciliar – outra opção de baixo risco para gravidez sem intercorrências – bancada pelo SUS. Em São Paulo, virou lei que todas as parturientes devem dispor da possibilidade de receber anestesia durante o parto (essa vai pra quem acha que esse movimento prega apenas o parto natural, sem qualquer intervenção). Há outros avanços.

4 – O caso Adelir

Na minha opinião, discutir os meandros do caso Adelir é um desrespeito com a própria. Sua vida e suas escolhas tornaram-se públicos e pessoas que desconhecem qualquer fato sobre o sistema obstétrico brasileiro não se furtam a julgá-la e condená-la como a louca do parto normal, irresponsável, leviana e até assassina. É por conta desse julgamento feroz que escrevo sobre sua gravidez e suas decisões aqui.

Adelir estava com 40 ou 41 semanas de gravidez. Essa informação é imprecisa por natureza, já que não há método infalível para determinar o dia da fecundação. Em média, a gestação humana dura 40 semanas, mas na verdade esse período varia entre 38 e 42 semanas. Isso significa que Adelir estava dentro do tempo esperado para a duração da gravidez. Isso é confirmado pelo exame realizado no hospital Nossa Senhora dos Navegantes. No laudo lê-se que o desenvolvimento do feto era compatível com 40 semanas de gravidez. Mais uma vez afirmo que esse dado, em um exame realizado em gravidez avançada, é questionável, já que os fetos desenvolvem-se de maneira diferente uns dos outros. Mas era essa a informação disponível para a obstetra que a examinou, Joana de Araújo. Além de estar dentro do período normal de gestação, os exames de Adelir mostraram mãe e bebê em perfeito estado.

A ecografia teria mostrado o bebê em posição pélvica. O parto normal nessas condições apresenta um nível de risco mais elevado para o bebê do que se ele tivesse em posição cefálica. Por isso, a equipe médica deve explicar a situação à paciente, pesar riscos e benefícios de cada opção de parto e deixá-la decidir.

O complicador nesse quesito é o fato de que Adelir e sua doula, Stephany Hendz, acharam estranho o fato de o bebê estar em posição pélvica, uma vez que essa informação ainda não teria aparecido no pré-natal. É bastante raro que o feto faça esse movimento com a gravidez tão avançada. Por isso, tinham a intenção de fazer o exame em outro local. Pediram, inclusive, uma guia com o pedido médico para apresentar em uma clínica particular.

Outra alegação para a indicação de cesariana  foi a de que ela já havia realizado duas cirurgias antes e seu útero poderia romper. É, poderia. Em um parto sem cesariana esse risco também existe. Com duas cesáreas, o risco, que já é baixo, aumenta cerca de 1%. Já o risco de uma terceira cesárea não foram explicados a ela.

Mesmo com mãe e bebê bem, Joana quis internar Adelir para a realização de uma cesariana. Adelir recusou. Para poder sair do hospital, foi obrigada a assinar um termo de responsabilidade, dizendo entender os riscos que sofria. Isso aconteceu na madrugada do dia 1° de abril.

Adelir e Stephany não conseguiram realizar um novo exame. Poucas horas depois, o trabalho de parto começou. Adelir passou o dia em casa, esperando as contrações ficarem ritmadas para ir ao hospital – não aquele que queria obrigá-la a fazer uma cesariana, mas outro, que tinha uma equipe humanizada. Quando ela já estava com contrações de cinco em cinco minutos, ou seja, perto do momento em que iria para o hospital, um oficial de justiça, acompanhado por policiais armados, apareceu com uma ambulância e um mandado judicial em mãos, obrigando Adelir a ser removida para o hospital. Adelir e o marido, junto com a doula, embarcaram na ambulância pedindo para serem levados para o hospital escolhido para o parto. Não foram atendidos. Ao chegar no hospital Nossa Senhora dos Navegantes, Adelir aceitou passar pela cirurgia, para evitar que seu marido fosse preso.

Adelir relatou os acontecimentos em um vídeo. Afirmou categoricamente que jamais teve em mente parir a qualquer custo, apenas gostaria que a cesariana fosse sua última opção. Ela estava ciente do que se passava com ela e com sua filha. Havia se informado. Mas nenhum representante o poder médico acreditou nela. Uma mulher humilde, que vive em uma casa na zona rural de Torres, ainda em construção pelo marido, não foi ouvida porque, falando daquele jeito, só poderia estar sendo enganada. Não sabia, coitada, dos riscos que corria. Quem diz isso não sou eu, mas o diretor do hospital, em entrevista ao Jornal Zero Hora. Ele afirma com todas as letras: “Sentimos que a mãe não tinha compreendido os riscos que estava correndo e fomos procurar apoio”. Foco no verbo utilizado. Sentimos. Tivemos um feeling. Olhamos para a paciente e vimos uma mulher que não poderia fazer escolhas informadas.

Alguns pontos importantes:
  • há relatos de pais que foram enganados em relação à posição de seus filhos nas últimas semanas de gravidez para que aceitassem realizar cesarianas. Se Adelir não acreditou no exame que mostrou sua filha em posição pélvica, a responsabilidade é dos médicos sem ética que chegam ao ponto de mentir para seus pacientes. Adelir sabia, e saber foi seu pecado.
  • é fato que o parto pélvico apresenta riscos maiores do que o cefálico, mas ele é uma opção viável. Cesarianas também têm riscos, como já mencionei acima. Cada mulher escolhe o risco que deseja correr. Partos ainda serão eventos de risco. Não há lugar no mundo em que a mortalidade materna seja 0. Parir é sempre um perigo. Como viver.
  • a única conduta certa do hospital Nossa Senhora dos Navegantes foi assumir que não tem pessoal capacitado para realizar um parto pélvico. Esse tipo de parto deve ser realizado por uma equipe experiente, que já tenha feito o acompanhamento desse tipo de nascimento antes. Também por isso Adelir não queria voltar àquele hospital.
  • a obstetra que queria internar Adelir imediatamente é totalmente responsável por esse caso, mas é também vítima. Ela não aprendeu a fazer outra coisa, nem na faculdade nem na prática diária. Não acredito que ela tivesse em mente qualquer coisa diferente que o bem estar de mãe e bebê. Mas ela errou.

5- Seu corpo, suas regras, desde que estejam de acordo com as minhas

É essa a postura médica de uma maneira geral. Eu entendo, de verdade, que médicos acabem por sentir um desejo de decidir por seus pacientes, uma vez que carregariam o conhecimento técnico que leigos não possuem. Não sei se, caso eu fosse médica, eu teria um sentimento diferente.

Mas médicos são regidos por um código de ética. Nele está escrito 

É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Um médico não pode obrigar um paciente terminal a receber um tratamento para prolongar a vida. Não pode intervir em uma greve de fome, mesmo que haja risco iminente de morte. A decisão é sempre do paciente.

Não é assim que o sistema obstétrico brasileiro vem funcionando. O que é o convencimento, a coação e agora o mandado judicial para obrigar uma mulher a fazer uma cirurgia indesejada? É o uso de seu poder para decidir pelo paciente. Os mecanismos desse convencimento são cruéis. Qualquer um com um mínimo de empatia sabe que não há mãe que, ao ouvir palavras como “sofrimento fetal agudo”, não aceite qualquer intervenção sugerida. Apesar de isso também acontecer em outras especialidades, é na obstetrícia que isso fica claro, especialmente pela questão do tempo. Mesmo um paciente com câncer terminal tem tempo para pedir uma segunda opinião. Mulheres em trabalho de parto não têm esse tempo. Nem podem se locomover com facilidade. Não há escape que não seja um volume imenso de informações absorvidas antes do parto.

O que é grave é que essa desconfiança em relação ao médico ainda vai fazer vítimas. É óbvio que casos de cesarianas absolutamente necessárias continuarão a acontecer – de acordo com a Organização Mundial de Saúde, até 15% dos partos podem requerer cirurgia. E é inevitável que, no meio dessas mulheres que se rebelam contra o senso comum, algumas terão que passar por cesarianas. Só que, ao duvidar do médico, elas podem acabar decidindo não se submeter à cirurgia. E morrer. É urgente mudar essa forma de agir dos médicos no país. A confiança precisa reger a relação médico-paciente, mas não é isso que acontece.

6 – Direito do bebê

Juridicamente não existe a figura do feto como detentor de direitos, apesar da tentativa de aprovação de um Estatuto do Nascituro no ano passado. Dito assim, na lata, parece uma crueldade. E em alguns momentos vai ser. Mas qualquer lei pode ser cruel quando há situações limite. Não descarto a possibilidade de discutir eventuais alternativas para uma situação em que o bebê estivesse realmente em risco (nesse caso não estava). Só que não vejo saída que não respeitar a decisão da mulher, que é o sujeito que já existe afinal. Mas também entendo que haja sentimentos de preocupação com o bebê. Claro que há. Da minha parte também.

Pior, diferente da maior parte das mulheres que já escreveram textos defendendo Adelir, consigo imaginar casos em que a mãe agiria contra os interesses do ainda não nascido filho. Gravidez não desejada em situações limite ou depressão, por exemplo, poderiam fazer que a mãe, ainda que inconscientemente, desejasse perder o bebê, ainda que causando risco a si própria. Seria esse um caso de intervenção? Como identificar uma situação dessas? Como trazer para uma regra geral a suposição de que a mãe queira um mal a seu próprio filho, quando virtualmente todas as mulheres só querem a saúde e o bem estar de seus rebentos? É só tentar responder essas questões que a inviabilidade de decisões desse tipo fica aparente. É preciso assumir que a intenção da mulher é sempre que todos saiam vivos. Supor o contrário é insano.

Além disso, o saber médico tradicional erra. Assim como erra o saber antigo, é evidente. Qualquer base “técnica” para uma decisão desse tipo no campo da medicina é falha, pois não há saber técnico absoluto. No campo da disputa teórica já mencionada, há espaço para argumentos para parto normal e para cesariana. Para colocação ou não de ocitocina na veia para acelerar o parto. Para a realização ou não da episiotomia. Para a raspagem ou não dos pelos pubianos (é sério). Privilegiar um deles não é papel para a Justiça.


7 – Sujeito x sujeitado

As laudas usadas para explicar o contexto obstétrico brasileiro e o caso Adelir em detalhes estão aqui porque o debate foi quase que totalmente centrado neles. As críticas foram a eles. Mas me recuso aceitar que a questão pare por aqui. A discussão central é a possibilidade de intervenção no corpo do outro. Essa discussão é de todos nós.

O corpo é nosso santuário. Nunca entendi tão bem o sentido dessa frase quanto com esse caso. O corpo deveria ser indevassável. Nesse caso não foi.

E agora? Abre-se o precedente? Vamos impedir as cesarianas com 38 semanas com mandado judicial também? Ou forçar uma parturiente a aceitar, ou não se submeter, qualquer procedimento que queiram ou não queiram usar? Para parir em paz mulheres terão que mentir sobre seu endereço? É esse o assunto que deve ser discutido.
Mulheres e homens deveriam ser sujeitos de suas próprias vidas. As opções existentes a cada tempo, em cada realidade, deveriam estar disponíveis para todos, para que possam escolher que caminhos trilhar. O que acontece na realidade é que todos os grupos minoritários (em relação à representação social) têm menos opções do que aqueles reconhecidos como majoritários. No Brasil, negros têm menos opções de estudo, trabalho, lazer. Caminhos, enfim. O mesmo acontece com mulheres, indígenas, gays, transexuais. Só que ser sujeito, ser autônomo, é condição fundamental para a realização pessoal.

Não é diferente com o movimento pela humanização do parto. Com um agravante: o grupo majoritário (homens) não tem a menor ideia do que seja gestar, parir e nutrir uma criança. Não sabe porque não pode saber, biologicamente falando. Para que um homem entenda do que isso se trata, o único caminho é o da empatia.

Isso significa que não há, aqui, pedido de equiparação. Não se pode pedir um parto igual ao dos homens, assim como se exige salários iguais. Então o parto que as mulheres querem é decidido por elas mesmas. Não há um padrão de comparação. Isso deveria ser uma vantagem. Os termos são nossos. Só que não são. O saber médico moderno – notadamente masculino – apropriou-se do parto. Isso poderia ser uma ótima notícia. Juntos, tradição e medicina poderiam terminar por derrubar ao mínimo as taxas de morte de mães e bebês no parto. O que aconteceu, no entanto, foi que no século XX as mulheres deixaram de conduzir o parto e perderam saberes ancestrais. Em alguns lugares mais do que em outros e no Brasil mais do que em qualquer outro lugar. O movimento de humanização, presente em todo o mundo, conseguiu resgatar o protagonismo da mulher em muitos países. São dignos de nota o Reino Unido, a Holanda, a Nova Zelândia, entre outros. Não por acaso as mortes de bebês e mães nesses países são baixíssimas. Lá, o corpo feminino faz seu trabalho em paz. Nos casos que resultariam em complicações ou morte, e apenas nesses, a medicina intervém e salva vidas.

É para isso que se luta aqui no Brasil. Mas a resistência à mudança é tão forte que parece que a proposta é voltar a parir sem atenção médica. Essas mulheres, que só querem ter o poder de decidir sobre seus corpos, nas melhores condições possíveis, são atacadas como se fossem alienadas. São chamadas de xiitas, talibãs, loucas. Querem ser sujeitos, mas quem as controla prefere que continuem sendo sujeitadas. Mulher sem informação dá menos trabalho, afinal. Como provou Adelir.