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O deputado federal e ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, não hesitou ao responder por que seu nome e sua foto foram parar na lista de procurados pela Interpol. É tudo retaliação ou até vingança por parte de procuradores de Justiça, preocupados com seu projeto de lei 265/2007. O texto prevê que um promotor que apresente denúncia temerária ao Judiciário seja responsabilizado criminalmente.
Foto: Reprodução
A apresentação da propositura é, por seu lado, uma resposta de Maluf aos processos judiciais movidos contra ele. Tudo artimanha de quem quer se promover, segundo sua peculiar visão de mundo.
Esse contexto envolvendo ainda a "Lei da Mordaça" ao Ministério Público, que é natural e essencialmente polêmica, deveria transformar o título do post no inverso. Algo como "Maluf contra promotores". Ou, no mínimo, levar um "vice-versa". Mas as coisas são curiosas.
O protesto e o release
Os procuradores são contrários ao projeto. Por isso, prometem um ato em 6 de abril em São Paulo na Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3). Até aí, tudo normal, desde 2009, entidades de promotores
promovem campanhas nesse sentido.
Só que foi muito, mas muito curiosa a sequência de
releases do evento que atingiram minha caixa de entrada. Ambos enviados pelo departamento de imprensa da PRR-3, um era correção do outro.
(Parênteses para quem, por graça divina ou bom senso mesmo, não é jornalista e não é bombardeado por avisos de pauta e divulgação para a mídia. Release é a redução de "press release", eventualmente traduzido pra lá de livremente como "comunicados de imprensa". É a forma mais comum de as assessorias de imprensa de empresas, governos, órgãos públicos, ONGs etc. avisarem os jornalistas sobre o que acreditam que os profissionais de comunicação precisam saber. Mais comum do que jornalista errar ao redigir uma reportagem é um release ter uma informação incorreta, o que demanda um novo envio da mensagem, com títulos que avisam "correção" em que se pede para "desconsiderar o anterior".)
O curioso é notar as diferenças. A começar pelo assunto:
Original:
PRR-3 sedia ato em SP contra “Lei da Mordaça” de Paulo Maluf
Corrigido:
Vale este - "PRR-3 sedia ato em SP contra 'Lei da Mordaça'"
A correção pega um pouco mais leve com o pai da matéria e não escancara o alvo da movimentação. Mais adiante, o juridiquês que parecia dar razão à "Lei do Maluf" cedeu vez.
Original:
Iniciativa do deputado federal Paulo Maluf, o projeto de lei prevê sanções aos autores de ações civis públicas, populares e de improbidade promovidas contra agentes públicos quando ajuizamento tiver sido temerário, de má-fé, para promoção pessoal ou por perseguição política. O projeto de lei atinge não apenas o Ministério Público, mas o cidadão ou associações que tiverem promovido, nas mesmas circunstâncias imprecisas e indeterminadas, ações populares e ações civis públicas. A mobilização visa mostrar à sociedade que o projeto de lei restringe independência do Ministério Público e o intimida a não cumprir, com autonomia, deveres previstos na Constituição.
Correção:
Iniciativa do deputado federal Paulo Maluf, o projeto de lei prevê a responsabilização pessoal dos autores de ações judiciais contra agentes políticos consideradas “temerárias”, de “má fé”, com a “finalidade de promoção pessoal” ou de “perseguição política”.
Na sequência, uma nova tentativa de ampliar o horizonte e tirar do "
procurado" doutor Paulo o centro de tudo. Assim, consta da versão final:
O ato não é voltado apenas contra o ex-prefeito de São Paulo, réu em inúmeros processos movidos pelo MP de São Paulo e pelo MPF por sua gestão à frente do município e autor do projeto de lei, mas à Câmara Federal, que aprovou em sessão do dia 16 de março a urgência na apreciação do Projeto de Lei pelo plenário.
A "aliviada" com Maluf só fez explicitar o quanto o evento aproveita as polêmicas declarações de Maluf para se posicionar na discussão pública.
Foto: Reprodução
O debate é bom
Depois de toda essa digressão, vale registrar que o debate é bom. Na lista de quem acusa promotores federais ou estaduais de oportunismo está gente de todo tipo. O primeiro exemplo que me ocorre é o de
Eduardo Jorge, ex-assessor especial do presidente Fernando Henrique Cardoso, réu em denúncia apresentada por Luiz Francisco Fernandes de Souza. Ele foi inocentado e processou
Folha de S.Paulo, O Globo,
Veja,
Ciro Gomes e mais metade do mundo.
Luiz Francisco foi alvo de queixas de outras pessoas, incluindo o Opportunity de Daniel Dantas. Ele foi acusado de apresentar denúncia que teria sido redigida em um computador de Roberto Demarco, ex-sócio e atual desafeto do banqueiro, além de contar com ajuda de advogados da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil.
Em sua defesa, o procurador alega que gostou da tipologia (fonte) do documento recebido dos advogados de Demarco. Abriu o arquivo, foi em Editar, Selecionar tudo e pressionou o delete, começando a redigir com a simpática fonte – isso ele me declarou em entrevista por telefone em 2008.
Nenhuma pendência consta na corregedoria do Ministério Público Federal, mas Luiz Francisco mantém uma atuação bem discreta, se comparada ao estrelato alçado durante a década de 1990.
Neste ano, o tesoureiro do PT e ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários, João Vaccari Neto, critica José Carlos Blat, do Ministério Público Estadual de São Paulo. Blat corre atrás do inquérito sobre a cooperativa desde 2005 e, até hoje, não formalizou a denúncia à Justiça. Mas sempre que o tema volta, é entrevistado em reportagens em diversos veículos sobre o caso, declarando que a Bancoop é uma
organização criminosa. Se é ou não, um juiz poderia avaliar, caso uma denúncia fosse concluída e apresentada.
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Gente como
Silvio Pereira (ex-PT, sem partido),
José Serra (PSDB-SP),
Yeda Crusius (PSDB-RS) a
Rede Record, além de Paulo Maluf e de metade dos advogados de defesa de pessoas acionadas por promotores, também já recorreram a disparar contra os acusadores. As queixas são de busca por projeção em cima de acusados "famosos" ou de irresponsabilidade.
Há casos como o de Fernando Capez, membro do MPE-SP que ganhou notoriedade ao mover ações contra torcidas organizadas em 1995, quando conseguiu decisão judicial que extinguia essas torcidas. Foi eleito deputado estadual pelo PSDB de São Paulo em 2006.
Em janeiro, Fernando Grella, procurador-geral de Justiça de São Paulo, em entrevista ao
Estadão, em janeiro, declarou que "o ministério público está isolado", porque antes, o organismo "tinha apoio de alguns partidos políticos", mas hoje, nem tanto. Grella admite erros pontuais de promotores, e atribui a falhas no sistema processual "em termos de provas".
No caso de agrupamentos políticos, a denúncia do ministério público é como um gol: só é ruim quando é contra o patrimônio. Isso não quer dizer que eventualmente não haja erros e abusos.
Em artigo ao
Jornal do Brasil, o jurista Dalmo Dallari tocou a questão, ao defender a independência do ministério público para cumprir seu papel constitucional. "No seu conjunto o desempenho do Ministério Público pode ser considerado altamente satisfatório", escreveu. "Têm ocorrido situações em que uma iniciativa do Ministério Público sugere a influência de fatores políticos, como se tem verificado em regiões nas quais os conflitos sociais são mais agudos, mas qualquer iniciativa de um órgão do Ministério Público está sujeita a um estrito controle de legalidade, podendo ser anuladas pelo Poder Judiciário aquelas que não tiverem embasamento em fatos concretos e não se enquadrem em alguma hipótese legal". Sua conclusão é de "veemente repúdio" à "lei Maluf".
Outras modalidades de mordaça impostas por lei, herdadas do período autoritário no Brasil (cujo colpe ocorreu há exatos 46 anos, em 31 de março de 1964) contra outros servidores
vêm sendo extintas. Foi o caso das peças no estado e município de São Paulo. Nesse contexto, soa trágica a ideia de restrições por lei aos procuradores. O que não torna importante o debate sobre o papel da instituição.