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Naquele dia, no
Pacaembu, um burburinho começou a tomar conta da torcida no início
do segundo tempo. Logo, o zumbido eclodiu em gritos que pediam a
entrada de um jogador que nunca tinha sequer vestido a camisa do
Santos no time de cima até então. Mesmo assim, era falado, cotado
como futuro craque, tanto que já
valia
US$ 25 milhões. Era a esperança de um futebol melhor para uma
torcida que já havia sofrido em 2008, e se previa àquela altura um
ano também difícil.
7 de março de 2009. Eu
estava no Pacaembu naquele dia, vendo o garoto que acabara de entrar
colocar uma bola na trave, aos seus dois minutos como profissional. O
Santos
venceu o Oeste por 2 a 1 e aquele menino cheio de técnica e
personalidade já me fazia sorrir. E sonhar com o que poderia vir a
ser.
Foi em
seu
terceiro jogo, contra o Mogi Mirim, que marcou seu primeiro gol.
Ironicamente, do outro lado estava um outro ídolo eterno peixeiro,
Giovanni. No final, o moleque foi abraçar o meia e falou:
“Você
jogou pra caralho!”. Não era exatamente verdade, mas era mais
que uma gentileza, quase uma reverência de alguém que reconhecia no
outro uma inspiração, uma referência. Sinal de respeito de um
craque que surgia por outro que já quase acabava de escrever sua
história.
No ano seguinte, ambos
jogariam juntos. Quando Giovanni surgiu, logo foi apelidado de
Messias. Sim, nós santistas temos, como tantas outras torcidas, algo
de religiosos, mas não é exatamente o fanatismo que nos determina.
É algo como a espera de alguém que traga um futebol bem jogado,
ofensivo, criativo, fora do comum, que honre toda uma
história
de goleadores, de craques habilidosos. Que vimos e que não
vimos. Os profetas que nos salvariam dos jejuns, das filas, do
futebol comezinho e medíocre. Que fariam torcedores como eu e outros
irem homenagear os jogadores que foram vice-campeões em 1995 em uma
praça no Gonzaga. Celebrar mais o futebol apresentado do que
protestar contra uma arbitragem. Porque havíamos renascido, éramos
gratos.
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Neymar comemora seu primeiro gol pelo Santos |
E volta e meia eles, os
profetas da bola, vêm ao campo sagrado da Vila Belmiro. Às vezes,
quase solitários, como Giovanni; em outras ocasiões, em dupla, como
Diego e Robinho. Ou, ainda, estrelando com belas companhias, como o
menino que fez mais que bela figura junto a um inspirado Ganso, a um
renovado Robinho, a um então polivalente Wesley ou um múltiplo e
incansável Arouca.
Quando se cresce com
seu time vivendo uma seca de títulos, imagina-se várias vezes como
será sua reação na hora em que ele ganhar um título. Em 2002, não
chorei, simplesmente não parava de rir. Mais tarde, quantas vezes ri
com esse menino. Não o riso de deboche com o adversário, mas de
alegria ou de estupefação com um lance bem tramado, um drible
impossível, uma jogada improvável. Após um lindo gol do moleque,
um santista que assistia a uma partida comigo teve um ataque de riso
e repetia: “isso é futebol! Isso é futebol”.
Títulos. Sim, vieram
títulos, como são bons. Mas são melhores com aquele quê, com
aquele tempero dele, que faz aquele lance que você viu e vai ficar
comentando daqui a alguns anos para quem não teve o prazer de ver.
Vão duvidar de você, que terá que recorrer ao YouTube e perder
horas porque não lembra em que jogo foi.
E como é bom ver in
loco. No Pacaembu, assisti o menino marcar quatro gols (seriam
cinco, se o árbitro não tivesse anulado um de forma errada). Sabia
que teria que aproveitar aquele e outros momentos, porque um dia ele
iria embora.
Hoje, foi. Ainda não,
mas a saída foi sacramentada. O clube lucrou com uma estratégia de
bancar seus salários que não seria possível de outra forma. Ganhou
no campo, também no marketing. Como não havia possibilidade de
renovação além de 2014, vendeu seus direitos que nada valeriam
daqui a alguns meses. Para um jogador prestes a encerrar um contrato,
uma ótima soma. Mas aqui não se trata de dinheiro, e sim do vazio
que fica.
Mais de quatro anos de convivência, com o fantástico posto de
13º maior artilheiro da história do Santos (por enquanto) e, até hoje, 229 jogos, 138 gols e 70 assistências. Dos ídolos que vi irem
embora – porque, ainda hoje, é assim que a banda toca no Brasil
exportador –, esse é o que deixa a pior sensação. Mas foi uma
despedida que vinha acontecendo aos poucos, com um futebol opaco de
sua equipe que nem ele conseguia erguer. Ao contrário, foi sendo
trazido também para baixo. Uma alegria em seu rosto que minguava com
a enorme pressão pela sua saída, cantada por veículos midiáticos,
jogadores, técnicos e empresários/ex-jogadores. Por fim, pela
própria diretoria do seu clube. O futebol, o meio que o circunda e
seus interesses não são para qualquer um.
O ludopédio brasileiro, é fato, não está preparado para segurar talentos como o dele. Triste. Para ele, para os santistas, para o futebol das bandas de cá. Podem surgir outros casos similares, nos quais jogadores queiram ficar aqui ou em algum outro país vizinho, mas, por enquanto, serão exceções, não regra. vão sempre calcular e especular sobre o dia em que partirão. Vai demorar muito para erguermos a cabeça e olharmos o Velho Mundo de igual para igual. A ida do moleque faz o santista lamentar, mas deveria fazer os "gênios" do futebol brasileiro refletirem. Olhamos pra você e vemos nossa pequeneza, e o quanto poderíamos ser grandes e não somos.
Vai, garoto, o mundo é seu. Vou sentir
saudades de gritar “vai pra cima deles, Neymar”. Mas é hora de
não ser egoísta e de desejar que a mesma alegria que você
proporcionou a mim e a tantos, santistas ou não, possa ser
compartilhada em outras plagas. Torço por você. E por aqueles que o
sucederão por aqui.
Adeus, ou até breve. Você não foi e nem será Pelé (
tudo bem, Messi também não será),
mas foi o meu Pelé e de muitos outros. E de tantas crianças que terão
sempre você como meta. E como sonho. Por isso, muito obrigado.
O comunicado do jogador:
Galera !! Tô aqui reunido com amigos e familiares e eles me ajudaram a
escrever algumas coisas aqui... É que não vou aguentar até
segunda-feira... Minha família e meus amigos já sabem a minha decisão.
Segunda-feira assino contrato com o Barcelona. Quero agradecer aos
torcedores do Santos por esses 9 anos incríveis. Meu sentimento pelo
clube e pela torcida nunca mudará. É eterno !! Só um clube como o Santos
FC poderia me proporcionar tudo o que vivi dentro e fora de campo. Sou
grato a maravilhosa torcida do peixe que me apoiou mesmo nos momentos
mais difíceis. Títulos, gols, dribles, comemorações e as canções que a
torcida criou pra mim estarão pra sempre em meu coração... Fiz questão
de jogar a partida amanhã em Brasília. Quero ter a oportunidade de mais
uma vez entrar em campo com o "manto" e ouvir a torcida gritar meu
nome... como diz o hino, "é um orgulho que nem todos podem ter..." É um
momento diferente pra mim, triste (despedida) e alegre (novo desafio).
Que Deus me abençoe nas minhas escolhas... E estarei sempre em Santos !!
#Toiss
Nunca foi tão triste escrever um post.