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Selo comemorativo do milésimo gol de Pelé |
Há 44 anos, Dona Celeste, mineira de Três Corações, fazia 46 anos. Naquele 19 de novembro, porém, não comemorou a data pessoalmente com o filho, que estava longe, no Rio de Janeiro. Dico já não era mais garoto, tinha completado 29. Aliás, nem Dico era mais. O filho de Dondinho pela primeira vez na carreira se sentia realmente nervoso. Estava prestes a fazer história de novo. Ele, autor de façanhas inúmeras, partia em direção à bola para ser novamente único. O primeiro a marcar mil gols.
Mas, antes de chegar até ali, a expectativa foi grande.
Em outubro, Pelé tinha 989 gols. Até a partida contra a Portuguesa, válida pelo Campeonato Brasileiro, então Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Na peleja disputada no Pacaembu, o Peixe venceu por 6 a 2, com quatro gols dele. A partir daquele dia 15, a contagem regressiva começou.
No jogo seguinte, contra o Coritiba, na capital do Paraná, o Santos superou o time da casa por 3 a 1, dois do Rei. Faltavam cinco. Nenhum tento viria no empate em zero a zero contra o Fluminense, no Maracanã, que contou com a presença pouco afável do ditador Médici. Ele não marcaria também contra o América-RJ, no Parque Antárctica, igualdade em 1 a 1, gol de Edu.
Pelé voltaria a fazer o seu em um 4 a 1 contra o Flamengo, no Maracanã, mas passaria em branco na derrota pelo mesmo placar contra o Corinthians, no Pacaembu. No empate em 1 a 1 contra o São Paulo, no Morumbi, foi Rildo quem fez o tento peixeiro. E viria uma sequência de três partidas no Nordeste, contra Santa Cruz, Botafogo-PB e Bahia. As chances de o milésimo vir ali eram grandes e cada cidade e clube pensou, e ao fim preparou, sua festa à sua maneira.
O Santinha não foi páreo para o Peixe na Ilha do Retiro e perdeu por 4 a 0, dois gols de Pelé. Em João Pessoa, o Santos foi recebido com festa no aeroporto e o Rei recebeu o título de cidadão da capital paraibana. Quem conta o que aconteceu é o próprio Atleta do Século, no obrigatório
Pelé: minha vida em imagens (Cosac Naify):
“Mal o jogo começou, o Santos fez dois a zero, com bastante facilidade. A partida estava realmente fácil, e quando eu já me perguntava se aquilo não era de propósito, o juiz marcou um pênalti a nosso favor. A multidão explodiu em euforia e começou a gritar 'Pelé! Pelé!'. Mas eu não era o batedor de pênaltis do time. (…) A pressão era enorme para que eu batesse. Meus companheiros de equipe disseram que, se eu não o fizesse, o público não nos deixaria sair daquele estádio!” Ele bateu e fez o 999º gol.
Tudo indicava que seria ali o local do milésimo. Mas o improvável aconteceu. O goleiro Jair Estevão caiu no gramado, contorcendo-se de dor, e foi retirado de campo. Como não havia jogador no banco para substituição, o “arqueiro reserva” do time – e também da seleção – era Pelé, que foi para debaixo das traves. Como muitos disseram à época, aquela contusão parecia bastante apropriada para que o histórico tento não saísse na pequena Paraíba. "Só que assim que o Pelé fez o gol de número 999, eu fui obrigado a me 'contundir' e o Pelé foi para o gol no meu lugar porque, premeditamente, eu entrei em campo sem goleiro reserva. O esquema foi bolado pelo Júlio Mazzei, porque ninguém do Santos queria que o milésimo gol de Pelé saísse na Paraíba e sim no Maracanã", conta Jair, no
Blog do Milton Neves.
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Pelé: 1281 gols na carreira (Ed. Sextante) |
Mas ainda haveria mais um jogo antes do Santos ir ao Rio de Janeiro, contra o Bahia, em Salvador. E ninguém havia “combinado” nada com Pelé, que queria se livrar da pressão o quanto antes. O Rei teve duas chances. Em uma oportunidade, a bola bateu na trave. “Na segunda, recebi a bola perto da marca do pênalti, dei uma volta, passei por um jogador e avancei para o lado direito do gol. Chutei e o goleiro não conseguiu pegar, mas, vindo não sei de onde, apareceu um zagueiro e tirou a bola na linha do gol. Em vez dos torcedores de seu time comemorarem, o estádio inteiro vaiou. Era algo surreal”, conta o Dez em
Pelé: minha vida em imagens. O jogador Nildo “Birro Doido”, falecido em 2008, ficou conhecido como
o homem que evitou o milésimo gol do Rei.
Após o empate em 1 a 1 com os soteropolitanos (gol alvinegro de Jair Bala), chegava a noite da quarta-feira, no Maracanã, contra o Vasco. O zagueiro vascaíno Renê cometeu um pênalti em Pelé e, aos 33 do segundo tempo, ele cobrou. Com paradinha, como aprendera vendo Didi cobrar em treinos da seleção brasileira. Mesmo saltando no canto certo, o argentino Andrada não segurou e veio o milésimo.
O jogo parou por 20 minutos, e alguns torcedores entregaram a Pelé uma camisa do Vasco com o número 1000.
O tento foi dedicado às “criancinhas”, por conta de um fato ocorrido dias antes. “Eu tinha saído do treino um pouco mais cedo e vi alguns garotos tentando roubar um carro que estava perto do meu. Eram muito pequenos, do tipo para quem se costuma dar um dinheirinho para tomar conta do carro. Chamei a atenção deles para o que faziam, e eles replicaram que eu não precisava me preocupar pois só roubariam carros com placa de São Paulo. Mandei-os sair dali, dizendo que eles não roubariam carro de nenhum lugar. Lembro-me de ter comentado sobre isso, mais tarde, com um companheiro de time, sobre a dificuldade de se crescer e educar no Brasil. Já então me preocupava com a questão da educação das crianças e essa foi a primeira coisa que surgiu em minha cabeça quando marquei o gol”, diz, em Minha vida em imagens.
Pelé continuaria marcando gols, chegando a 1.281 em sua carreira.
No entanto,
matéria do jornal Folha de S.Paulo publicada em 1995 aponta que o milésimo teria sido marcado, de fato, na partida contra o Botafogo-PB. Isso porque a lista de seus tentos omitiria um feito pela seleção do exército, em 1959, contra o Paraguai, partida válida pelo Sul-americano.
Sobre a contagem de seus gols feitos pelo time das Forças Armadas, vale destacar que, diferentemente de atletas que contam tentos marcados quando amadores, os anotados na lista de Pelé foram feitos quando ele já era profissional, e era praxe que as seleções das Forças Armadas à época contassem com jogadores profissionais com idade para servir. O time pelo qual jogou o Rei, por exemplo, contava com outros que
já atuavam no futebol profissional como Nélson Coruja, Lorico e Parada. E são contabilizados 15 gols dele na seleção do exército, o que o deixa com uma margem mais que folgada para a contagem de mais de mil gols, ao contrário das contas de outros que não chegariam a essa marca sem artifícios como incluir jogos-treino como amistosos ou contabilizar gol de partida anulada...
A despeito da questão numérica, fica a lembrança dos versos de Drummond em “Pelé: 1.000”: “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É difícil fazer um gol como Pelé.”