Que todos te odeiam e te querem morto Pois você representa perigo ao poder!!! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Eles não querem que você viva
Destrua o sistema - antes que ele o destrua Não acredite em falsos líderes
Pois todos eles vão te trair!!! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! A-NAR-QUI-A! A-NAR-QUI-A! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi! Anarquia oi, oi!
No meio da esbórnia gastronômica e etílica de fim de ano, a manchete do caderno "Comida", da FAlha de S.Paulo de hoje, me chamou a atenção: "X-ressaca". Na hora, meu pensamento, meu estômago e meus intestinos relembraram, entre espasmos e engulhos, iguarias da estirpe do X-Elvis (do Bar do Vavá), da salsicha com molho de tomate (do bar Moskão, em Pinheiros), do Cala-Frango (da Avenida Antonio Emerich, em São Vicente) ou da temível dobradinha com cenoura (do buteco Tom Cat, no Terminal Jabaquara). Mas a proposta do jornal, claro, é "coxinha" (no mau sentido): "Comida light ou detox para curar os exageros das festas? Cozinheiros e comilões preferem 'aliviar' o estômago com guloseimas, de chocolate a bacon". Buenas, depois dos quatro "frutos do bar" que descrevi acima, gostaria de saber o que eles batizam como "detox"... Mas passei o olho pelas "dicas" do tal caderno e algo chamou a atenção de minhas retinas tão fatigadas:
Ah, que fófis! "Faz carinho na barriga"! E eu pensando no meu tradicional método "cura-ressaca", o caldo de cana (afinal, a cana estraga mas cura também). Daqui da minha trincheira, ogro, bebum e ranzinza, fiquei matutando sobre esse mundinho "coxinha", "gourmet", "detox", "vilamadalena" e "folhadesãopaulo" que vem, cada vez mais, assolando a humanidade. E lembrei dos irmão Daniel e Nicolau, que, como eu, costumam recomendar, em situações de especial FRESCURA e FALTA DO QUE FAZER, uma boa enxada pra carpir um mato. "Carinho na barriga?!? Ah, vai carpir um terreno!". Há variantes mais urbanas: "vai lavar um banheiro", "vai encarar um tanque atolado de roupa", "vai lavar uma pia cheia de louça" etc etc. Mas "vai pegar na enxada e carpir um mato" me parece mais apropriado. Por isso lanço, aqui, na esteira do "Serviço conscientizador obrigatório" proposto pelo Nikolaos Papadopoulos, o programa "Minha enxada, minha vida".
Penúltimo "tipo de cerveja" de uma série iniciada há quase oito anos (como diria o De Massad, "quem consegue encontrar todas essas brejas?"), em parceria para reprodução de conteúdo do site português Cervejas do Mundo, as Spice/ Herb/ Vegetable são, na verdade, um grupo que reúne qualquer Lager ou Ale produzidas a partir de ervas, especiarias ou vegetais, com o tempero adicionado bem perceptível no aroma e no sabor. Mas cuidado, manguaça! Segundo Bruno Aquino, do Cervejas do Mundo, "a grande diversidade de ingredientes que podem ser utilizados faz com que a cor, aroma, sabor, textura e volume alcoólico variem substancialmente de marca para marca, e há indústrias cervejeiras que, na ânsia de inovar, são capazes de atirar qualquer coisa para dentro da mistura, desde gengibre a abóbora, passando por canela, nozes e pimenta". De qualquer forma, esse grupo é considerado um tipo de cerveja leve e refrescante - embora o Bruno Aquino faça um importante alerta: "Não aconselhado para os que acham que cerveja tem de ser loura e estupidamente fresca". Para quem quiser enfrentar, algumas marcas recomendadas são: Baladin Nora, Traquair Jacobite Ale (foto) ou Craftsman Triple White Sage. Boa sorte pr'ocês. E saúde!
Milton e Lô: encontro musical a partir da caipirinha
No programa "O Som do Vinil", apresentado por Charles Gavin no Canal Brasil, Milton Nascimento fala sobre o histórico LP "Clube da Esquina", de 1972, no qual revelou o jovem músico/cantor/compositor Lô Borges, que na época tinha apenas 18 anos. Por ser quase dez anos mais velho que Lô, Milton mantinha amizade mais estreita apenas com dois de seus irmãos maiores, Marilton e Márcio Borges (este último seu primeiro parceiro musical). Até que um dia, já famoso e morando no Rio de Janeiro, Milton fez uma visita a Belo Horizonte e foi até a casa dos Borges, no bairro Santa Tereza, para rever os amigos:
"Entrei e não tinha ninguém. A casa toda aberta e nenhuma pessoa lá dentro. Resolvi sair e tomar um qualquer coisa no buteco. Quando eu tava saindo, o Lô tava chegando. Porque, antes desse dia, a minha imagem que eu tinha do Lô era de um garoto de dez anos. Falei: 'Ô, Lô, que coisa boa, vamos até no buteco, ali, que eu vou pedir uma caipirinha pra mim e ocê toma um guaraná'. Pedi uma caipirinha e ele pediu outra pra ele. Eu dei uma olhada daquelas e ele enfrentou. Aí eu fui ver: 'Meu Deus do céu, esse menino não é mais criança, não'. Ele pegou, falou comigo: 'Olha, eu adoro as coisas que você faz, sou seu fã e tudo, mas eu tenho uma grande tristeza'. Eu falei: 'Por que?'. [E ele]: 'É porque vocês não gostam de mim'. Eu falei: 'Cê tá loco? Claro que gosto d'ocê, eu sempre gostei'. [E ele]: 'Não, cês saem de noite, vão pra lá, pra cá, pra tudo quanto é lugar, e nunca me chamaram pra nada do que cês fazem'. Aí eu peguei e falei assim: 'Ô, Lô, cê vai me desculpar, mas eu só vim a descobrir que ocê não era mais criança quando cê pediu a caipirinha'. Ele tinha 17 anos. Conversamos, ele falou: 'Eu tenho umas coisas lá em casa, assim, que eu faço, e num sei que tal. E eu falei: 'Então vamo aproveitar, vamo pra lá, que não tem ninguém'. E fomos, subimos lá e ele tocou umas coisas assim, tal. De repente, começou a fazer uma harmonia, que veio logo uma melodia na minha cabeça. Quando acabou, tava lá uma música, que a gente, pela letra do Marcinho [Borges] e por tudo, é o 'Clube da Esquina'. Que era sobre a rapaziadinha que se reunia ali na esquina da casa do Lô com a outra rua, Paraisópolis e Divinópolis." (veja aqui, a partir de 02:45)
A pacata esquina da rua Paraisópolis com a rua Divinópolis
Mais pra frente, Lô Borges relembra o que aconteceu a partir da amizade selada com caipirinhas:
"O Milton foi um cara, assim, fundamental pra mim, desde o começo. Ele prestou muita atenção nas coisas que eu vinha fazendo, que eu tava começando a compor. E a partir daí, toda vez que ele voltava pra Belo Horizonte, ele [perguntava]: 'Cadê o Lô?' [Alguém respondia]: 'O Lô continua na esquina, tocando violão, num sei o que lá...' Aí, ele chegou, um dia, ele chegou perto de mim e falou: 'Cara, eu queria te convocar pra uma coisa, agora, que não é mais gravar música sua, só. Eu queria te convocar pra fazer um disco. Cê vai ter que mudar de Belo Horizonte, cê vai ter que morar no Rio, comigo, pra gente fazer um disco." (veja aqui, a partir de 06:26)
Porém, em pleno governo do ditador Emílio Garrastazu Médici, o sonho do garoto de 18 anos quase foi abortado pelo Exército. Prossegue Lô Borges:
"[Milton disse]: 'Cê aceita [fazer o disco]?' Eu disse: 'Aceitar eu aceito, agora o difícil vai ser convencer minha mãe, convencer o Exército brasileiro. O capitão da minha companhia, nessa primeira entrevista, ele me tratou bem e falou: 'Tudo bem'. Eu expliquei pra ele os motivos, falei, olha: 'Eu tô sendo convidado pelo Milton Nascimento, que fez 'Travessia', num sei o que lá, eu tenho 18 anos, e o cara tá me abrindo uma porta pra eu transformar a musicalidade que eu tenho numa carreira profissional, de ir pro Rio de Janeiro, gravar discos. Então, eu não tenho nada contra o Exército'. Eu tive que falar essas histórias. Aí o capitão chega, num belo dia, ele fala assim: 'Quem é o músico, mesmo, da minha companhia?' Aí eu, tímido, lá, já com o cabelinho cortado, já, raspado, fui: 'Sou eu'. Ele falou assim: 'Vem cá'. Aí ele me levou pra dentro de uma sala, me pegou pelo braço, com toda a força, me jogou num sofá e falou assim: 'Olha, você não vai servir o Exército não é porque você não quer servir o Exército. É porque o Exército que não quer pessoas da sua espécie aqui dentro. Seus comunistas de merda!' E depois convencer meu pai e minha mãe foi mais fácil." (veja aqui, a partir de 07:10)
No bar: Milton, Toninho Horta, Beto, Fernando Brant, Lô e Marcinho
E foi depois de todos esses percalços, da caipirinha, da amizade (musical) que surgiu, da pressão do Exército e da permissão da família que um dos discos mais fantásticos da história da música brasileira foi produzido. Com a participação de outros músicos, letristas, compositores e cantores geniais, como Toninho Horta, Beto Guedes, Robertinho Silva, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Marcio Borges, Novelli etc etc. Companheiros de composições, gravações e de mesas de bar, lógico. Por isso, pra encerrar esse post, nada melhor que celebrar a música e a amizade (re)ouvindo esse disco - e, de preferência, saboreando uma caipirinha:
ele bebeu, bebeu
tipo vencedor
e depois riu, riu
como Bira do Jô
cumprimentou
todo mundo à la vereador
e subiu o morro estilo viatura
ele nos deu, nos deu
toda a fé de um pastor
depois sumiu, sumiu
deixando só a dor
ignorou o aviso
devagar com o andor
e flertou por sobre a vida dura
trafegou aéreo, dançou sério, pala
serpente rasteja, credo, pobre mestre-sala
cigarro no bolso, barro, Für Elise embala
no solo onde impera, qualquer bonde é vala
toma outro drink, se é o que lhe resta
toma outro drink, a vida é uma festa
viaja Amyr Klink, faz eterna sua sesta, vai
nem deu tempo pra dizer bye bye
a vida é só um detalhe (4X)
é tudo, é nada, é um jogo que mata
é uma cilada
a vida é só um detalhe (2X)
padeceu, desceu
como na seca, flor
e nóis seguiu, seguiu
juntando o que restou
uns retrato, disco
foi morar de favor
bem quando vi que o mundo é sem
calma
aconteceu, teceu
como Deus desenhou
no que surtiu, surgiu
um peito sofredor
era rato, bicho, mofo, fedor
mais saudade, que é sentir fome com a alma
e na ceia migalhas, no júri mil gralhas
não jure, quem jura mente, pra sempre, fé falha
vida, morte, números, de neguinho
aqui é cada um com a sua coroa de espinhos
qual a sua droga? TV, erva?
qual a sua droga? Solidão, cerva?
onde você se esconde? Onde se eleva, hein?
o que é seu em terra de ninguém?
e a vida é só um detalhe (4X)
é tudo, é nada, é um jogo que mata
é uma cilada
a vida é só um detalhe (2X)
"Era dia de Cosme, madrugada, chovia lá fora. De repente, alguém chama: 'Jacira, sou eu, Luiz'. Pressenti: 'Miguel morreu'. O que mais poderia ser? Além do mais, meu coração já estava apertado, prevendo desgraça. Na festa do terreiro, a certa hora, o Erê subiu. E quem desceu foi seu Sultão da Mata. Me chamou e disse: 'Pegue os meninos, vá pra casa'. Disse: 'Prepare o coração e seja forte, vá'. Levantei, abri a porta e a desgraça se confirmou. Uma briga, o tombo. O Seu Zé do Doce socorreu. Seu Zé é a representação do Estado no Jardim Fontális, talvez ainda, até hoje. Notícia pra dar, vaquinha pra enterrar. Domingo. Justo eu, que me criei sem pai. Perder o pai já é uma tragédia, perdê-lo na infância é sentir saudade. Não do que viveu, mas do que poderia ter vivido. O enterro, a volta, o olhar do menino marejando, pensando longe. Sem entender. E o meu coração apertado, sem conseguir explicar. O tempo foi encaixando tudo. Os pertences dele sempre no mesmo lugar, o velho chinelo abandonado respondem: 'Ele não vai voltar'. Os dias são escuros mesmo com sol quente. O silêncio de Miguelzinho cala, cada vez mais fundo no peito da gente. Quando o pai morre, a gente perde a mãe também. Eu já sabia o que era isso. Como pode alguém morrer no mesmo dia que nasceu?"
(Do CD "O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui", Laboratório Fantasma, 2013)