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terça-feira, março 03, 2015

O fim da longa estrada da vida

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José Rico e seu estilo único, inconfundível
Morreu hoje um dos meus maiores ídolos: José Alves dos Santos, o JOSÉ RICO, da famosa dupla com Milionário (Romeu Januário de Matos). Com 68 anos, não resistiu a uma parada cardíaca, depois de ter sido internado ontem, em Americana (SP), ao passar mal durante uma partida de futebol (aliás, o gosto dele por esse esporte ia muito além de disputar "peladas": chegou a construir uma mansão no formato da Taça Jules Rimet). Zé Rico é o autor de um dos maiores hinos populares do país: "Estrada da vida", que virou até filme, em 1981, no auge da fama da dupla, batizada como "Os Gargantas de Ouro do Brasil". Naquela época, Milionário e José Rico fizeram shows no México, no Japão e na China. Ainda hoje, mesmo quem não gosta de música caipira (ou sertaneja), já deve ter ouvido em algum lugar, pelo menos uma vez, os versos: "Nesta longa estrada da vida/ Vou correndo e não posso parar/ Na esperança de ser campeão/ Alcançando o primeiro lugar". Pra quem insistir em dizer que não conhece, segue a gravação original desse clássico:


Pelo menos para mim, um caipira do interior de São Paulo (mais precisamente de Taquaritinga, região de Ribeirão Preto), essa e muitas outras gravações da dupla estão eternamente fixadas nas memórias mais longínquas da minha infância, com a profusão de cornetas mexicanas como pano de fundo para os gritos do Zé Rico - "Ui-ui-ui! Farrúpa!  Zuuummm! Alôôôô! Uuuuiiiii! Rí-rí-rí!" - e os "provérbios" que ele costumava "declamar" no meio das músicas, segurando um dos ouvidos com a mão: "É isso aí, amigo! Enquanto você descansa, a gente carrega mais um caminhão de pedra!". Digam o que quiserem, mas Zé Rico foi uma das figuras mais originais e peculiares do nosso cenário artístico, um personagem único, algo comparável a Raul Seixas - e comparável mesmo, pois a dupla com Milionário possui uma legião de milhões de fanáticos por todo o Brasil. Como o Emerson Pereira, meu amigo dos tempos de faculdade, com quem eu costumava fazer o dueto de "Taça da amargura", música que batizou a república de estudantes onde morávamos:


Me lembro também de uma festa numa quitinete onde morei, em Ribeirão Preto, aos 18 anos, em que o vinil "Volume 4" de Milionário e José Rico era um dos únicos disponíveis, e tocou a madrugada inteira na pequena sonata de plástico, embalando os casais que já se agarravam (mesmo os que tinham preconceito contra a dupla). Pra mim, apesar de não gostar de música sertaneja, Zé Rico está acima de qualquer preferência ou preconceito. É um dos "puros", dos "autênticos", imune a rótulos e desdéns. Numa entrevista ao site Clube Sertanejo, ele resumiu as origens da dupla: "Eu sou nordestino, nasci no sertão pernambucano [em São José do Belmonte], me criei no cantinho do Norte do Paraná, na cidade de Terra Rica, onde recebi o nome de José Rico. Aí, vim pra São Paulo, encontrei com Romeu, formamos a dupla e começou a luta". Luta que rendeu fama, dinheiro e sucessos estrondosos. Minha gravação preferida, que tocou naquela noite em Ribeirão, é essa:


É emblemático - e nada gratuito - o Zé Rico falar em "luta", pois, pela origem, pelo nome e pelo apelido, trata-se de um legítimo BRASILEIRO, um Garrincha da música. Um gênio - ainda que incompreendido por muitos que defendem o temível e subjetivo "bom gosto". E termino esse post (triste pelo Zé Rico, e com a certeza de que derrubarei um gole de cachaça pra ele), reproduzindo mais um trecho da citada entrevista ao site Clube Sertanejo (o grifo é meu): "Nós tivemos a sorte e felicidade de, quando praticamente não se vendia disco, ultrapassar as expectativas. E hoje é mais difícil, através de outros intercâmbios. Mas dá pra ir tocando. Mais uma vez, eu afirmo: aqueles que se dedicaram com respeito e amor permanecem". JOSÉ RICO PERMANECERÁ. "Farrúpa! Zuuuuuummmmm..."



LEIA:

Enterro de José Rico reúne multidão e causa tumulto em Americana (SP)


P.S.1: Só pra acrescentar a tag "Política" ao post, vídeo recente do José Rico:


P.S.2: E a tag "Futebol" se justifica também por este outro vídeo, de 31/12/2014:




Sonho, avião, sal, pimenta, passaporte e Los Angeles

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Richards 'sonhou' Satisfaction
McCartney 'sonhou' Yesterday
Em 1965, os Beatles e os Rolling Stones gravaram e lançaram dois dos maiores sucessos pop de todos os tempos: "Yesterday", composta integralmente por Paul McCartney, e "(I can't get no) Satisfaction", música de Keith Richards e letra de Mick Jagger. E uma coincidência inacreditável une as duas composições das bandas inglesas: segundo seus autores, elas surgiram em sonhos (!), quase que na mesma época (!!) e local (!!!). Tanto McCartney quanto Richards moravam no bairro Saint John's Wood, em Londres - que abriga o estúdio de Abbey Road, da EMI, usado pelos Beatles. Keith sonhou com o emblemático riff de guitarra de "Satisfaction" em seu apartamento da rua Carton Hill, despertou com ele na cabeça, pegou o violão e o gravou em uma fita cassete. "O milagre foi que olhei o gravador naquela manhã e sabia que tinha colocado uma fita virgem na noite anterior, e vi que estava no final. Então, apertei o botão de retrocesso e lá estava 'Satisfaction' - e depois 40 minutos de mim roncando", lembra Richards, sobre o primeiro grande sucesso dos Rolling Stones de autoria própria. Sobre Yesterday, Paul não chegou a gravá-la, mas lembrou a melodia no dia seguinte, ao despertar em sua casa na avenida Cavendish, também em Saint John's Wood: "Eu apenas acordei em uma manhã e ela estava na minha cabeça”, conta o beatle, referindo-se à canção mais executada no planeta em todos os tempos, que teve mais de 3 mil regravações nas cinco décadas seguintes.



Sal e Pimentra inspiraram Sargent Pepper's
Dois anos depois, em 1967, tanto os Beatles quanto os Stones mergulhariam no chamado "som psicodélico", a partir de suas experiências com LSD, o ácido lisérgico. Numa viagem de avião, Paul McCartney pensava nas novas bandas "lisérgicas" da Costa Oeste dos Estados Unidos, como Big Brother and the Holding Company (a banda de Janis Joplin) e Quicksilver Messenger Service, entre outras, quando passou a imaginar qual seria o nome "maluco" que inventaria caso viessem a rebatizar os Beatles. Foi então que o roadie Mal Evans, que o acompanhava, perguntou para McCartney o que significavam as letras S e P nos potes que acompanhavam a comida servida no avião. Paul respondeu que eram Salt (sal) e Pepper (pimenta) - e esse foi o estalo inicial que o levou ao nome da banda fictícia Sargent Pepper's Lonely Hearts Club Band (Sargento Pimenta e a Banda dos Corações Solitários), título do disco dos Beatles que revolucionaria a música pop.
Inscrição no passaporte que inspirou os Stones
E que inspirou Their Satanic Majesties Request (A pedido de Vossas Majestades Satânicas), dos Rolling Stones. Curioso é que, assim como Sgt. Pepper's foi batizado a partir dos potes de sal e pimenta servidos junto com as refeições em um avião, o título do álbum dos Stones foi escolhido a partir de uma inscrição contida nos passaportes britânicos: "Her Britannic Majesty's Requests" (A pedido de Sua Majestade Britânica). Muitos imaginam que, por serem "concorrentes", as duas bandas se hostilizavam. Mas não: naquele mesmo ano de 1967, Keith Richards e Mick Jagger participaram do côro na gravação de "All you need is love", dos Beatles, e John Lennon e Paul McCartney retribuíram com suas vozes na gravação de "We love you", dos Stones.


 

Por fim, para fechar as "coincidências", há uma entre os Beatles e o brasileiro Milton Nascimento. Ainda em 1967, George Harrison estava em Los Angeles, em uma casa alugada temporariamente, e aguardava a chegada de seu amigo Derek Taylor, assessor de imprensa da banda. O beatle já estava quase dormindo quando Derek telefonou dizendo que havia se perdido no trânsito. Para espantar o sono e aguardar que Taylor enfim encontrasse o destino, George pegou o violão e compôs "Blue Jay Way", canção que conta a desventura do amigo no trânsito de Los Angeles e que leva como título o nome da rua onde Harrison estava hospedado (e que seria incluída no filme televisivo Magical Mistery Tour, lançado em dezembro daquele ano). Em 1978, Milton Nascimento desembarcou na mesma cidade estadunidense na expectativa de reencontrar seu amigo Ricky Fataar, multi-instrumentista sul-africano que chegou a tocar com os Beach Boys e que, naqueles anos 1970, encarnou o personagem Stig O'Hara, versão cômica de George Harrison na banda fictícia The Rutles, esculhambação dos Beatles feita pelo povo do Monty Python. Porém, por algum motivo, Fataar não pôde ir a Los Angeles, e Nascimento, assim como Harrison, compôs uma música sobre a situação, batizada  como "Unencounter" (algo como "O não encontro") -  que depois receberia letra em português e se tornaria a clássica "Canção da América". Assim, tanto a composição dos Beatles como a do brasileiro falam de dois "desencontros" entre amigos na mesma cidade, Los Angeles. E fim de papo (mesmo sem futebol, política ou cachaça)!