Compartilhe no Twitter
Compartilhe no Facebook
Faz mais de dez dias que São Paulo elegeu
Fernando Haddad (PT) prefeito e, para muitos, antecipou a aposentadoria
política de José Serra, nome maior do PSDB. Fatos nada
corriqueiros, que merecem visita mais demorada – ainda que atrasada
– destes ébrios escribas. Este manguaça em particular teve uma
pequena mas muito cansativa participação na campanha de Haddad, que
ainda precisa de uma melhor elaboração. Assim, após algumas noites
de sono, soltarei alguns textos sobre o processo eleitoral aqui e no
país.
Russomanno e Serra
no segundo turno
O primeiro turno
permitiu a este esquerdinha que recém transferiu seu título para São Paulo vislumbrar a possibilidade de ter de escolher entre Russo e Serra: um
embate entre Globo e Record, Edir Macedo e Silas Malafaia, o
higienismo do Kassab e a proposta de triplicar o efetivo da GCM do
candidato do PRB. De minha parte, a opção talvez fosse fugir para
as colinas. Pequena tragédia, evitada nas urnas na última semana,
com o derretimento de Russomanno.
Não foi o primeiro
derretimento da campanha, que viu Serra sair de 30% para 18% nas
pesquisas, enquanto Russo crescia e se consolidava na liderança,
atingindo 35% e lá ficando mesmo com as sucessivas e cada vez mais
violentas porradas vindas de todo lado. Enquanto isso, Haddad patinou
primeiro em 3%, depois em 8%, até estacionar em 15%, onde ficou até
a última pesquisa Ibope, que trouxe a surreal situação de um
triplo empate na liderança, todos com 22%.
A queda de Russomanno
na reta final se deve principalmente a dois fatores. No campo
partidário, o PT aproveitou-se da clara inconsistência do projeto do adversário e foi pra cima da proposta elitista da tarifa de ônibus
proporcional ao percurso percorrido, que escancarou o conceito de “justiça”
do candidato, similar ao de Serra, figura absolutamente detestada na
periferia paulistana.
O outro ponto é mais interessante, e passa pela luta religiosa que desde 2010 tem aparecido nos processos eleitorais. Dessa vez, no entanto, o obscurantismo encontrou uma reação nova na sociedade, que pode apontar dias melhores para quem prefere uma sociedade que respeite sua diversidade.
Obscurantismo
Russomanno e Serra protagonizaram durante toda a campanha uma disputa pelo apoio de igrejas evangélicas variadas. Valdemiro Santiago, bispa Sônia e outras lideranças religiosas foram tão ou mais disputados do que os partidos. Já de fábrica, Russomanno trazia o apoio da Universal de Edir Macedo, carnalmente ligada ao seu PRB - o candidato passou toda a campanha a minimizar tal ligação com a IURD, religião
professada que reúne apenas 6% do partido, segundo ele, deixando de
lado que estes controlam 80% dos cargos diretivos. Serra trouxe de 2010 a simpatia da parcela mais conservadora da Igreja Católica - ainda que dividida com o carola Gabriel Chalita.
O ataque froontal veio dos católicos. O cardeal-arcebispo dom Odilo Scherer divulgou texto acusando o coordenador da campanha do PRB e bispo da Universal, MarcosPereira, de "fomentar a discórdia" e ofender os católicos por conta de uma postagem no blog do político de 2011 em que ele afirma que os católicos tiveram ligação com o projeto Escola Sem Homofobia,
mais especificamente com um conjunto de materiais que seria distribuído a professores e que
passou a ser tratado pejorativamente como “kit-gay” pelos opositores.
Desenvolvido pelo MEC na gestão Haddad, o kit que visava
combater o bullying homofóbico nas escolas foi engavetado por Dilma
após pressões da bancada evangélica – episódio que frustrou o
movimento LGBT e levou parte de seus militantes para a oposição.
O tema esteve presente em toda a campanha como fonte de ataques contra Haddad nos bastidores, especialmente nas redes sociais. Mas este foi o primeiro momento em que alcançou o centro da discussão. O obscuratismo mostrava sua força.
O ataque foi sentido por Russomanno que teve mais um lance religioso envolvido em sua derrocado. Seu padrinho não assumido, Edir Macedo, resolveu explicitar sua posição com dois textos de apoio a Russomanno com críticas homofóbicas a Haddad. O apoio pode ter saído pela culatra, aumentando a rejeição candidato entre católicos e evangélicos de utras denominações. Mas a reação mais interessante veio do outro lado dessa disputa e ajudou a arejar o ambiente.
Grupos de ativistas virtuais e de luta pelos direitos humanos,
dentre os quais destaca-se o coletivo Fora do Eixo, viram em
Russomanno a imagem do preconceito, da homofobia, do machismo, da
tomada do Estado por grupos religiosos. Foram vários dias de
tuitaços #AmorSIMRussomannoNÃO, que culminaram com um festival de
mesmo nome que reuniu milhares de pessoas na Praça Rossevelt,
recém-reformada por Kassab.
Se a ofensiva do PT buscou principalmente os votos
tradicionais do partido nas periferias, que estavam com Russomanno, a
mobilização do “amor” elevou a rejeição ao candidato no
centro expandido. Foi uma mobilização importante por afirmar o
desejo de uma parcela expressiva da classe média por uma cidade mais
humana, mais inclusiva, com mais respeito à diversidade.
Amor e Malafaia não
combinam
No segundo turno, o
mesmo grupo articulou um novo festival chamado “Exite Amor em SP”,
com apresentações militantes e gratuitas de Criolo, Gaby
Amaranthos, Karina Buhr e outros. Este não assumiu uma posição
partidária – contra ou a favor – mas reafirmou a mobilização
por uma cidade que vai contra as práticas higienistas das gestões
Serra e Kassab – autores de algumas “pérolas do design
fascista”, na bela definição de um amigo.
O alvo ficou mais claro
quando Serra, como em 2010, buscou apoio no conservadorismo
religioso. O símbolo desta vez foi a vinda a São Paulo do pastor
carioca Silas Malafaia, um dos nomes mais destacados da homofobia
nacional. A presença do tele-evangelista da Assembleia de Deus
trouxe para o centro do debate o tal do "kit-gay".
A hipocrisia de Serra
foi desmascarada por matéria de Mônica Bergamo, que revelou a
existência de um programa semelhante aplicado pelo governo de São
Paulo na gestão Serra, inclusive elaborado pela mesma ONG.
Curiosidade: também foi Bergamo que deu destaque à ex-aluna de
Monica Serra que denunciara o suposto aborto feito pela
sempre-futura-primeira-dama no Chile. O reacionarismo e a hipocrisia
custara a Serra o recorde de 52% de rejeição registrado pelo
Datafolha, só superado por Paulo Maluf e Fernando Collor em toda a
história registrada pelo instituto.
Não existe vácuo
em política
Frente a tudo isso,
Haddad manteve uma postura correta. Defendeu sempre o Estado laico,
que respeite todas as religiões, e a valorização da diversidade de
São Paulo, seu ativo mais importante. Em seu discurso na avenida
Paulista, na festa da vitória, fez questão de citar negros,
mulheres e população LGBT e defender novamente a igualdade e a
diversidade. Também foi a uma missa ou outra ao lado de Gabriel
Chalita, mas não recuou publicamente como fez Dilma em 2010 na
questão do aborto. Naquela ocasião, a avaliação feita por estes
manguaças (obviamente no fórum adequado) foi que, não importando
quem levasse a eleição, a pauta da descriminalização do aborto
retrocederia.
Em 2012, a esquerda não
teve que fazer uma mesura tão grande aos reacionários, que
tropeçaram nas próprias pernas. O abraço do decadente Serra ao
caricato Malafaia resultou num tombo feio, ajudado pelo empurrão do
“movimento do Amor”. Dessa vez, a eleição pode ter ajudado a
abrir espaço para temas ligados a diversidade em São Paulo. Cabe
aos movimentos ocupá-lo e pressionar por avanços. Porque se não o
fizerem, alguém o fará.