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O dia de São Pedro é hoje, domingo, 29 de junho. Mas mesmo não sendo o seu dia, ontem o santo deu ensejo a uma bela festinha junina aqui no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Mais importante que a precisão de data, todos sabem, é a festa, que aconteceu na João Elias Saada, uma ruazinha de uma quadra, muito simpática.
A festinha eu descobri por acaso. Moro perto, e passei no Cu do Padre (tradicional bar que fica nos fundos da igreja de Pinheiros), mas não tinha dinheiro na carteira, e o bar não aceita cartão. Então segui para o Bar do Seu Arthur, e no caminho topei com os festejos e parei para ver.
Surpresa: um segurança me perguntou se eu era convidado da festa. Foi aí que reparei no esquema, puseram uns lençóis coloridos pendurados no canto da rua pra criar algo como uma "cerquinha". Respondi ao tipo que não era convidado, mas também não perdi muito tempo, enquanto o tipo estava muito preocupado em me convencer de minha impertiência, fui entrando. Acabei encontrando uma velha amiga, a Ludmila, e batemos um bom papo. Já estávamos pra sair, quando novamente o tipo me abordou, com a mesma pergunta; "o senhor é convidado da festa"? Repeti que não, já meio sem paciência, e expliquei ao moço que a rua é pública e que ele não tem nada que me perguntar o que quer que seja.
Diante da minha insistência em trocar uns últimos dedos de prosa com minha amiga, ele foi chamar o seu patrão temporário, aquele que o contratou pra infringir a lei. Apareceu o tipo de classe-média, visual meio alternativo, com barbicha e cabelão comprido, que provavelmente freqüenta forró e joga capoeira. Deve apoiar a causa ecológica e se indignar pelos absurdos que cometem os políticos e grandes corporações com os excluídos do mundo e com o nosso planeta. Pois bem, esse tipo veio me dizer que a festa era aberta a todos, mas que eles pediam que, de sua própria consciência (foi esse o termo), as pessoas contribuíssem com dez reais para realizar aquela festa linda.
A essa altura, minha amiga, que é socióloga, já estava indignada, e junto com o seu grupinho de amigos percebemos que a cerquinha de lençóis era justamente para que o pessoal pobre que freqüenta os bares no Largo da Batata não visse e se animasse de entrar na festinha. Sabe lá o que eles poderiam fazer?
Vi que era absolutamente necessário explicar ao "organizador" desse "festejo comunitário" com laranjas. Contei pra ele que não ia tirar nenhum centavo do bolso, e que nem ele, nem o segurança, nem ninguém ia me impedir de passar por aquela rua e que se eu decidisse parar e ficar o resto da noite assistindo ao trio de forró, eu ficaria, sem que isso representasse uma afronta a ninguém. Bom, o tipo estava tenso, temia que eu chamasse a polícia, sei lá, perguntou se eu queria confusão. Saquei mais laranjas e expliquei que não, não queria confusão, só queria passar por aquela rua, e que as minhas razões para escolher aquela e não outra não estavam em discussão.
O argumento definitivo pra ele era mesmo a minha consciência. Eu talvez devesse ter continuado dizendo que mesmo que ele fosse um padre (era quase) não poderia me impedir de etc. etc. etc.
Parece que as últimas décadas (ou mais, não sei dimensionar) formaram uma noção muito peculiar de "festa comunitária" entre a classe média paulistana (que me perdoem a generalização, mas acho que o fenômeno é de classe, no caso, a minha classe), em que é imprescindível um personal meganha para vigiar um espaço público e impedir a (pergiosíssima) livre circulação das pessoas. E isso tudo com as melhores das melhores intenções no coração.
PS: o título é do cineasta francês Alain Resnais, mas foi inspirado em sugestão de minha amiga Helena Hypolito.