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A votação corria tranquilamente na seção quando, de repente, acontece aquilo que você acha que só pode ocorrer na zona eleitoral vizinha. A urna pára de funcionar. Os mesários correm e verificam a danada e a presidente de mesa chama alguém do cartório eleitoral para resolver a questão.
Os eleitores, que eram poucos, começam a se avolumar do lado de fora. Os bochichos começam e o primeiro mesário, por ser o único homem do local, é o responsável por organizar a fila. Avisa aos presentes o ocorrido e começa a sentir os olhares fulminantes. Quando volta para dentro da sala de votação, escuta a voz de um cidadão reclamando.
Nada de ajuda, nada da urna voltar a funcionar. Já se passaram dez minutos e a fila atinge a porta da seção vizinha. O burburinho aumenta, as pessoas esticam o pescoço para olhar a sala. O suor frio dos ameaçados serventes da Justiça Eleitoral mostra que é preciso agir. Acostumado a fazer e ver gambiarras de redes, computadores e quetais no lugar onde trabalha, o mesário tenta resolver do jeito que sabe. Muda a urna eletrônica de tomada e gira a chave da dita cuja para tentar religá-la. Ela demora, mas três minutos depois reinicia.
Ainda o burburinho e certa impaciência. O cidadão que reclamava agora já fala mais alto dizendo que todo ano (sic) é a mesma coisa. O mesário volta à fila e comunica aos primeiros que logo que a urna reiniciar, a votação volta. Procura quem é o exaltado. Um senhor de uns cinquenta anos e pouco mais de um metro e meio de altura. Chega perto dele e fala ao interlocutor do reclamão: “Tá tudo resolvido”. Olha para o cidadão, que cala. E assim permanece. Vinte anos a menos e trinta centímetros a mais às vezes resolvem impasses de forma rápida, sem discussão. Tudo em nome da democracia.
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O cidadão chega à fila da votação com todos os odores demonstrando que de fato a lei seca estava suspensa. Torto, pergunta se é ali o local em que ele vota, pois esqueceu o título.
- O senhor pode aguardar aqui que vou verificar.
- Pô, obrigado, irmão. Você é um abençoado, rapaz!
O mesário verifica a lista e vê que é ali mesmo que o ébrio vota. Comunica a ele e pede para que entre na fila. Quando chega a sua vez, o cidadão senta em frente à cabine. Demora, demora, fala consigo mesmo e não vota. A mesária pergunta se há algum problema.
- Esqueci os números. - comenta com a voz embargada, provavelmente lembrando que esqueceu a cola no balcão do bar.
- Não tem importância, o senhor pode consultar ali fora. - diz a mesária, apontando pra que o guardião da fila orientasse o cidadão, já que o voto dele estava em aberto e ninguém mais poderia votar se ele não o concluísse.
O mesário mostra a lista afixada para ele, que fica ali durante minutos, não sem antes agradecer de novo. Nova fila começa a se formar. Já vendo mais um momento crítico que se aproximava, o mesário vai até ele.
- Não sei onde está o nome dos candidatos. – reclama, olhando para o papel onde estavam os nomes dos candidatos.
- Aqui estão os vereadores, e aqui, os prefeitos. O senhor precisa anotar os números. Os números... - orienta o mesário, já algo desesperado.
Ele começa a desenhar os algarismos no papel. Depois de anotar o número do vereador, o homem empaca.
- Mas não estou achando o nome do fulano pra prefeito. - protesta.
- Mas, senhor, ele é candidato a vereador, não a prefeito...
- Ah, tá. Então não dá pra votar nos dois.
- Não. Não dá pra votar nos dois... Os candidatos a prefeito são esses. - aponta o já impaciente auxiliar eleitoral.
O homem anota um número e volta a agradecer de forma enfática.
- Pô, cara. Tu é abençoado. Ainda bem que tu me ajudou porque estou com uma baita carga espiritual pesada...
O homem finalmente votou e o mesário adicionou ao seu vocabulário a expressão “Carga espiritual pesada” como sinônimo de embriaguez alcóolica. O bom das eleições é que a gente sempre aprende.
PS: o personagem da segunda história é exatamente o mesmo que propiciou outra cena nas
eleições de 2006 .