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Foi logo depois do segundo turno da eleição presidencial de 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva venceu a disputa para ser presidente da República, que a revista Época publicou: "Os oprimidos no poder". A reportagem assinada por Igor Fuser, um jornalista com vasta experiência em coberturas internacionais, trazia um balanço de lideranças populares que chegaram ao poder pelo mundo afora.
O gancho eram as comparações constantes entre Lula e Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul depois de anos de prisão e de liderança contra o regime do Apartheid. A proposta era lembrar que a origem oprimida de um mandatário nacional não garantiu, historicamente, o sucesso da gestão. A matéria citava quatro figuras em diferentes partes do mundo.
Antes de continuar, vale lembrar que Lula traçou paralelos entre Mandela e Dilma Rousseff no
primeiro programa da campanha eleitoral, em maio de 2010 (sic).
"Comparar-se a uma unanimidade mundial (
Mandela, no caso) é certeza de bons dividendos eleitorais – sobretudo se, como é o caso de Lula, o paralelo tem suporte na vida real. Mas a analogia, para ser completa, deveria levar em conta os fracassos que marcam os cinco anos de Mandela como presidente", propunha o texto. Na verdade, a brincadeia era incluir a parte ruim dos mandatos de outros líderes egressos de movimentos sociais e populares.
Com um ou outro senão, a reportagem era bem ampla e não mereceria ressalvas deste leitor, a não ser pela edição de imagens e pelos quadros comparativos. Trazia informações interessantes e boas doses de críticas ao receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI), aquela de redução de déficits fiscais, de investimentos e de intervenção do Estado na economia, bem como privatização e ampliação da autonomia do mercado.
Foto: Slawek/Wikipedia
Na conta de Mandela, colocava-se 500 mil desempregados em 1999 e uma recessão que reduziu a renda
per capita da população. Na de Lech Walesa (
foto), o ex-sindicalista de direita polonês que fez um governo marcado pelo autoritarismo pós-socialismo no país, vem o fracasso da "terapia de choque" de Jeffrey Sachs.
Os outros exemplos são anteriores à primeira metade do século XX. Ramsay MacDonald foi o primeiro trabalhista a chefiar o Parlamento britânico antes da Primeira Guerra Mundial e durante a crise de 1929. Emiliano Zapata, no México, não tomou o governo em 1914 apesar de ter tomado a capital do país.
Ao final da análise, uma reflexão. "Governantes conservadores têm menor dificuldade para se adaptar à máquina do Estado, que parece ter sido construída sob medida para eles. A competência e os inesquecíveis desastres dessas administrações são avaliados por outro horizonte e outros critérios", propunha. Por outro lado, "reformas sociais" provocariam "pequenos distúrbios" e demandariam "ajustes", mas "quando dá certo, produz resultados admiráveis".
Quem concorda, levante a mão?
Para comparar
Passados oito anos, é o momento de avaliar em que nível Lula ficou. Fez menos do que os setores mais à esquerda gostariam, mas é bem avaliado pela esmagadora maiora das pessoas. Lula termina o mandato com
87% de aprovação, provavelmente mais do que Mandela (realmente não encontrei dados de pesquisas da época).
Foto: Ricardo Stuckert/Pr
Lula olímpico: saiu-se bem na foto comparado a outros líderes
egressos de movimentos sociais, populares e "oprimidos",
para usar o termo consagrado em 2002 pela reportagem citada
O
desemprego em baixa e o sucesso de programas de combate à pobreza – incluindo a
Previdência Social, estabelecida na Constituição de 1988, e o
Bolsa Família, expandido exponencialmente a partir de 2003 – formam uma tendência contrária à formação do "Apartheid social" sul-africano, para usar termos comuns quando se analisa o governo Mandela.
Na comparação com Walesa, vale citar que, em 2000, ao disputar a presidência, o polonês teve 1% dos votos. A derrota em 1995, quando disputou a reeleição, no entanto, ocorreu por três pontos percentuais. Em vez da hiperinflação polonesa do início da década de 1990, houve aumento de preços dentro da mal-quista
meta estabelecida pelo governo Lula. Em vez de congelamento de salários, aumento da
renda média dos trabalhadores – ainda que no final da gestão.
Com MacDonald, vale parear o que foi o resultado da crise de 1929 à "marolinha" de 2008-2009. Descontadas as proporções – e posições geopolíticas – de cada um dos países comparados, o Brasil teve um ano de recessão seguido de um crescimento acima de 7% em 2010. O Reino Unido teve
quatro anos de retração.
Foto: Wikipedia
Para espelhar Lula e
Zapata, além do confronto barba contra bigode, seria preciso que o presidente que agora deixa o governo tivesse, de um lado, recorrido às armas para tomar o poder. De outro, que tivesse deixado o cargo ao perceber que não seria capaz de fazer reforma agrária etc.
Lula diz ter feito a maior redistribuição de terra da história da República, embora o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)
discorde. Começou o governo com uma condução ortodoxa da economia, mas superou a crise econômica mostrando que ainda há muita capacidade de intervenção.
Sai com a maior popularidade entre os presidentes eleitos do Brasil.
Lado ruim
Se alguém ainda conseguiu ler até aqui, há um aspecto da vida política sul-africana que merece reflexão. Para alguns
analistas, tudo o que Nelson Mandela representa no imaginário da sociedade tem um efeito ruim. Ruim para quem ocupa o cargo máximo do Executivo. O atual e questionável presidente do país, Jacob Zuma, assumiu em 2009 e rapidamente viu caiur seus índices de aprovação. A comparação com o
Madiba, o paizinho dos sul-africanos, dificulta a vida do atual mandatário, que sucedeu Thabo Mbeki.
Substituir o presidente mais popular da história da República vai ser complexo para Dilma Rousseff. Mas aí a comparação é com outras figuras internacionais.